quinta-feira, 20 de dezembro de 2012


Alguns pontos de distinção entre o processo principal e o processo cautelar


No que se refere à distinção, entre processos principais e processos cautelares, ela pode ser genericamente traça­da da se­guinte forma. 
Num processo declarativo principal, em que o autor exer­ce o seu di­­reito de acção, com vista a ob­ter uma pronúncia que, dizendo o Direito, proporcione a tutela declarativa ade­­qua­da à situação ju­rí­di­ca que o le­vou a dirigir-se ao tribunal, e outra diferente é o pro­ces­so cau­­te­lar, em que o au­tor pede ao tribunal uma pro­vi­dên­cia destinada a im­pe­dir que, du­ran­te a pen­dên­cia do processo principal, a situação de facto se altere em termos passíveis de pôr em pe­rigo a uti­lidade da decisão que na­que­le pro­cesso se pretende ver proferida.
O processo cautelar não possui au­tonomia, funcionando como um mo­men­to pre­li­mi­nar ou como um incidente do pro­ces­so principal, cujo efeito útil visa asse­gurar e, portanto, ao serviço do qual se encontra. Desde logo por este motivo, a tramitação dos processos cau­te­lares obedece a um modelo es­pecífico que a lei regula em separado, por confronto com as formas de processo que esta­be­lece para os processos principais. Por outro lado, os pro­ces­sos cautelares tendem a obe­de­cer a uma estrutura sim­pli­fi­ca­da, que os adeque à urgên­cia com que devem ser decididos.

Isto mesmo sucede no processo administrativo. Com efeito, o CPTA dedica um Tí­tulo autónomo, o Título V (artigos 112º e seguintes), aos processos cautelares, que configura como urgentes (cfr. artigo 36º, nº 1, alínea d)).

Ao contrário do que, entre nós, tradicionalmente se faz no processo civil, o CPTA não fala, entretanto, em proce­di­men­tos cautelares, mas em processos cautelares. Pelo me­nos no do­mí­nio específico do processo administrativo, a solução justifica-se desde logo pela con­ve­niên­cia em reservar a expressão procedimento para o procedimento ad­­mi­nis­tra­ti­vo, conceito que se faz corresponder à tramitação das decisões ad­mi­nis­tra­tivas, regu­la­da por normas de Direito Administrativo, e não à tramitação de decisões ju­diciais, regu­lada por normas de Di­reito Processual. Isto, naturalmente, sem se deixar de reconhecer que os processos dirigidos à adop­ção de pro­vi­dências cau­te­la­­res têm características particulares, que, como foi dito, os dis­tinguem dos pro­­cessos prin­ci­pais.
Como resulta dos termos da distinção enunciada, os pro­ces­sos declarativos têm precedência lógica sobre os pro­­­­ces­sos exe­cutivos. Com efeito, na maioria das situações, o processo executivo é de­sen­ca­­­deado na sequência de um processo declarativo, com vista a tentar obter a concretização, no pla­­no dos factos, do que, no processo declarativo, o juiz de­ci­diu no plano do Direito. Como já vimos, a mesma precedên­cia lógica é, aliás, reflectida na estrutura do CPTA.

Por outro lado, a falta de autonomia e, portanto, a instrumentalidade dos processos cautelares em relação aos processos (declarativos) principais é outro ponto de distinção. Como já vimos, a mesma precedên­cia lógica é também reflectida na estrutura do CPTA. 

Por este motivo, os conceitos fundamentais de teoria geral do processo dizem apenas respeito ao processo declarativo (principal), em que, o autor exer­ce o seu di­­reito de acção, com vista a ob­ter uma pronúncia que, dizendo o Direito, proporcione a tutela decla­rativa ade­­qua­da à situação ju­rí­di­ca que o le­vou a dirigir-se ao tribunal.


Ana Luísa Moreira
Nº 19476
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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

“Directiva Recursos I” e sua respectiva transposição para o direito português



“Directiva Recursos I” e sua respectiva transposição para o direito português

 A formação e aperfeiçoamento de um Direito processual administrativo europeu levou a que se fosse dando progressivamente uma refundação dos Direitos processuais administrativos nacionais, dado que essa mesma construção do Direito processual administrativo europeu acarretou um gradual estreitamento dos pontos de contacto entre este e os Direitos processuais administrativos nacionais. Sendo que esta refundação deu-se muitas vezes a partir de “sugestões” oriundas do direito europeu, não havendo dúvida no entanto que este acabou por em boa medida estabelecer a conformação dos regimes processuais administrativos nacionais.

 Nesta sede, importa sobretudo destacar a área da contratação pública, não existindo dúvida que foi um dos âmbitos em que mais se sente a ligação e actuação do Direito processual administrativo europeu; ora não há que esconder que este interesse do Direito europeu pela regulação do Direito dos contratos da Administração nos Estados-Membros não é desinteressada, visto que uma parte notável do volume de negócios das empresas que actuam no âmbito do mercado único europeu deriva de contratos celebrados com as Administrações nacionais dos diversos Estados-Membros (de acordo com estimativas divulgadas pela Comissão Europeia, o valor dos contratos da Administração pública corresponde entre 7% a 10% do PIB da UE). Logo não é de difícil percepção a conexão distinta que se estabeleceu entre o Direito processual administrativo europeu e o direito contratual no âmbito das administrações públicas, sendo que o impulso dado por parte da UE tem sido claramente no sentido de promover um sucessivo esbatimento de fronteiras entre Direito público e Direito privado, tentando potenciar o mais possível a cooperação, das mais diversas formas, entre o Estado-Administração e os particulares.

 A falta de harmonização das regras de procedimento administrativo em sede de contratação pública levaria a existência de uma interferência prejudicial a uma ampla realização dos objectivos prosseguidos com a instituição das quatro liberdades comunitárias, beneficiando, a ser assim, as empresas competidoras que fossem da nacionalidade do Estado adjudicante, em prejuízo das empresas competidoras de outros Estados-Membros, podendo ainda dizer-se que essa situação pode incentivar a existência de conluios entre as entidades adjudicantes e certas empresas concorrentes, ficando o interesse público muito prejudicado; logo a unificação do Direito processual em sede de contratação pública a nível europeu concorre de forma evidente, para uma maior eficiência no exercício da função administrativa e defesa do respectivo interesse público de cada um dos Estados-Membros.

 A legislação europeia, ciente destes riscos, desde logo se preocupou em fixar normas comuns que deveriam ser cumpridas pelos Estados-Membros. No entanto, não há dúvida que o que foi feito a nível europeu nesta matéria, demonstrou ser insuficiente para alcançar os objectivos que se pretendiam alcançar. Na verdade, a unificação europeia pretendida das regras procedimentais administrativas de contratação pública, acha-se muitíssimo limitada à fase pré-contratual, uma vez que existe uma tendencial liberdade legislativa, por parte dos Estados-Membros em relação à fase de execução dos contratos administrativos. Não obstante, não se pode deixar de frisar que ainda que não esteja em vigor Direito administrativo europeu positivo sobre esta questão, os regimes processuais nacionais continuam vinculados aos princípios gerais e à jurisprudência do TJUE, naturalmente mesmo em relação à fase de execução dos contratos administrativos.

 Numa tentativa de assegurar a convergência efectiva dos direitos administrativos nacionais, foi aprovada a Directiva (CEE) nº 89/665, de 21 Dezembro de 1989 (também denominada por “Directiva Recursos I”), a própria directiva nos seus considerandos, destacava que uma inexistência de convergência efectiva dos sistemas processuais administrativos dos Estados-Membros acarreta uma manifesta contracção e dificuldade das empresas comunitárias a tentarem competir em concursos públicos em que a entidade adjudicante pertença a Estado-Membro que não o da sua própria nacionalidade. Esta “Directiva Recursos I” obriga a que os Estados-Membros adoptem as regras processuais administrativas essenciais a uma decisão jurisdicional célere e efectiva dos litígios que giram em torno da contratação pública (art. 1º). Algumas das principais novidades introduzidas pela referida Directiva foram: o dever de adopção de medidas provisórias, mediante procedimentos urgentes, destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir a provocação de danos aos interesses em causa (alínea a) do nº1 do art. 2º); o dever de anular as decisões ilegais, designadamente mediante a supressão das especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem dos documentos do concurso, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o processo de adjudicação do contrato em causa (alínea b) do nº 1 do art.2º); o dever de indemnizar os particulares lesados (alínea c) do nº 1 do art. 2º).

 A “Directiva Recursos I”, é claro exemplo, da primazia evidente concedida pela UE neste âmbito ao método da harmonização dos Direitos processuais administrativos nacionais, sendo esta conclusão fácil de extrair, dado o vasto leque de possibilidades concedidas aos Estados-Membros no âmbito da respectiva transposição da Directiva; quer quanto à fixação das entidades com competência para apreciar o recurso (nº2 art. 2º), quer quanto à ponderação dos interesses colocados em causa pela decretação de medida provisória (nº4 do art. 2º), quer ainda quanto à colocação de uma acção de impugnação como preliminar de um pedido de indemnização cível (nº5 art.2º) ou mesmo quanto à limitação do poder jurisdicional à concessão de indemnizações, nos casos em que o contrato já haja sido celebrado (nº6 do art. 2º).

 É agora essencial explicar que o art. 2º nº3 da “Directiva Recursos I”, relativo às consequências da instauração de uma acção de impugnação de actos administrativos efectuados no âmbito de procedimentos de celebração de contratos com a Administração está estruturado de forma claramente incoerente e contraditória em relação aos restantes números do referido art. da Directiva (atrás explicitados). Ora no meu entender, esta clara divergência demonstra que o legislador europeu pretendeu de facto e conscientemente sublinhar essa evidente diferença.
Temos que desta forma, e presumindo que o legislador se manifestou de forma correcta, concluir que a expressão “não devem ter necessariamente efeitos suspensivos automáticos” presente no nº3 do art. 2º da Directiva em análise, sustentados num raciocínio lógico e “a contrario”, que a regra geral em sede de contratação pública terá que consistir naturalmente na suspensão automática dos efeitos do acto administrativo destacável, por mera instauração da competente acção.
E isto porque a o referido art. ao conceder que não é absolutamente necessário que a impugnação do um acto administrativo destacável implique um efeito suspensivo automático, a Directiva acaba por permitir concluir que, dados os prejuízos que a celebração e a execução poderão efectivamente causar ao efeito útil da decisão, que é o que se pretende defender com este regime, a proferir na acção principal, impõe-se assim como regra de principio a suspensão automática dos efeitos dos actos impugnados.

 Cabe agora perceber se o nosso ordenamento jurídico, no vigente CPTA assegurou de forma eficaz e plena a transposição da “Directivas recursos I”. Ora os arts. 100º a 103º do CPTA estatuem a existência de um meio processual urgente, de natureza principal, que visa a impugnação célere de quaisquer actos administrativos que ocorram na fase formativa dos contratos de empreitada, concessão de obras publicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens.

 Ora é agora relevante tentar compreender se de facto a posição do Prof. Vieira de Andrade, que invoca a desconformidade dos arts. 100º a 103º do CPTA em relação ao Direito processual administrativo europeu, uma vez que segundo o referido Prof. sendo estes arts. apenas aplicáveis aos contratos que se encontram abrangidos pelas Directivas relativas à contratação publica, então violariam o principio da paridade de tratamento.

 Já de acordo com o Prof. Miguel Prata Roque os arts. 100º a 103º do CPTA não se cingem apenas aos contratos administrativos previstos nas “Directivas Recursos”, uma vez que estas apenas são aplicáveis aos contratos que correspondam ou ultrapassem os limiares fixados pelo Regulamento (CE) nº 1177/2009 de 30 de Novembro. Logo os arts. referidos aplicam-se, inclusive, aos contratos cujos montantes a contratar sejam inferiores aos limiares mínimos que geram a aplicação do regime processual administrativo previsto nas “Directivas Recursos”, pelo que como tal possuem um âmbito de aplicação mais vasto do que o das Directivas.

 Na fase pré-contratual, quando esteja em causa a impugnação de actos administrativos, o Direito processual administrativo português assegura que a parte processual, na melhor das hipóteses, possa obter uma decisão jurisdicional definitiva dentro de um prazo de 30 dias. No entanto, quando se colocam questões de interpretação, validade ou execução de contratos cuja avaliação pertença a jurisdição administrativa, o autor apenas pode obter a suspensão da execução do contrato mediante requerimento de decretação de uma providência cautelar administrativa.

 Ora tendo em conta o acima exposto, e dado o corpo (e sua respectiva interpretação acima explicitada) do art. 2º nº3 da “Directiva Recursos I”, não nos podemos deixar de questionar se a inexistência de efeito suspensivo automático da execução dos contratos administrativos, por efeito de instauração da competente acção de impugnação, não configura uma clara infracção, por omissão, do Direito processual administrativo europeu. Pois penso que essa infracção é evidente, basta pensar que a plena execução de determinado contrato administrativo, no decurso de uma acção que vise a sua apreciação, implicará a privação do efeito útil da decisão a proferir na acção principal. Penso ainda, que o tradicional argumento de que o espaço de aplicação das “Directivas Recursos” é limitado à fase pré-contratual não procede de forma alguma, uma vez que, ainda que tal seja verdadeiro, não deixa também de ser verdade, que os Princípios gerais de Direito e a Jurisprudência consolidada do TJUE exigem a garantia de efeito útil do Direito da UE, como não poderia deixar de ser.
Agora não há qualquer duvida de que, ainda que não se refiram explicitamente à fase de execução de contratos administrativos, as “Directivas Recursos” demonstram bem que, no espaço de aplicação do Direito administrativo europeu dos contratos, os critérios de sindicância da legalidade daqueles são bem mais rigorosos e intensos do que os aplicáveis às demais relações jurídico-administrativas, tendo em conta a sua directa intervenção e ingerência no objectivo da plena realização do mercado interno. Assim, o Direito processual administrativo europeu deve ser interpretado de maneira a considerar as especificidades e necessidades essenciais do Direito administrativo dos contratos, exigindo assim uma especial tutela das posições subjectivas dos concorrentes e contratantes.

 Não me parece que seja válida, igualmente, a arguição de que a suspensão automática da execução dos contratos administrativos pode pôr em “check” as próprias funções prestadoras do Estado-Administração, o que segundo esta linha de raciocínio levaria à interrupção de inúmeros contratos de empreitada de obras publicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens.
A ser assim, por força das sucessivas vagas de privatização, a que temos assistido, de várias funções tradicionalmente consideradas como do Estado, e do recurso à colaboração dos particulares no exercício da função administrativa, a definição da lei processual administrativa ficaria assim na dependência da preservação dos efeitos jurídicos de contratos celebrados com particulares, por força da incapacidade dos serviços públicos para fornecer os bens necessários ao provimento das necessidades de interesse geral. Isto, a ser verdade, denotaria que, em vez de proteger o interesse público, a lei processual administrativa serviria para proteger o interesse privado dos particulares, que conseguissem firmar contratos com a administração pública.
Se o propósito de evitar os riscos que decorrem da progressiva privatização das funções “essenciais” do Estado, é o principal fundamento da inexistência de consagração do efeito suspensivo automático, então não se descortinam razões para alarme, quando seja forçoso, podem sempre a Administração e o beneficiário do contrato administrativo utilizar da faculdade processual de requerer a execução provisória do contrato, mediante a determinação de uma providência cautelar positiva.

Carlos Neves, aluno nº 18047

Análise do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 17-01-2008, Processo nº 02604/07 ( Causa legítima de Inexecução )


O acórdão do TCA do Sul decide do recurso de revista interposto por Gustavo Gramaxo Roseira contra o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em que o primeiro vem requerer ao TCA do Sul que declare a ineficácia do acto de execução indevida, praticado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, relativamente à nomeação definitiva dos secretários de embaixada recrutados no âmbito de um concurso.
Em 2007 foi decretada uma providência cautelar de suspensão de eficácia da lista de candidatos aprovados e excluídos na prova escrita de conhecimentos do concurso externo de ingresso na carreira diplomática. 

Não obstante, o Ministro dos Negócios Estrangeiros proferiu despacho de nomeação de 30 secretários de embaixada, recrutados ao abrigo do dito concurso.
Ao saber do requerimento apresentado por Gustavo, pedindo a declaração de ineficácia do despacho de nomeação, veio o Ministro dos Negócios Estrangeiros defender-se, invocando, para isso, uma causa legítima de inexecução do Acórdão que decretou a providência cautelar de suspensão da lista de candidatos aprovados e excluídos do concurso, nomeadamente, a grave lesão para o interesse público. Alegou, o Ministro, que a causa legítima de inexecução do Acórdão se prende “com a situação de escassez de meios humanos, a importância das funções exercidas pelos adidos de embaixada no âmbito da actual Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia e com a experiência e formação adquiridas pelos referidos adidos. Alega a entidade requerida (MNE), que o cumprimento dos deveres que sobre ele recaem em resultado da declaração judicial de ineficácia dos actos concursais impediria esta entidade de praticar actos essenciais à manutenção da relação jurídica de emprego com os adidos providos no concurso, situação essa que seria gravemente lesiva do interesse público, atendendo a que a actividade desenvolvida pelos 30 adidos provisoriamente providos é, desde há dois anos, absolutamente determinante para assegurar o contínuo e regular funcionamento dos serviços essenciais do MNE.”

Entende o Tribunal Central Administrativo do Sul, tal como a maioria da doutrina, que apenas existe grave prejuízo para o interesse público quando estejamos perante uma situação-limite ou excepcional e não perante uma mera inconveniência na execução da decisão do Tribunal.
Com base neste entendimento, decidiu esse Tribunal que, apesar de todos os argumentos apresentados pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, não havia uma situação-limite que exigisse a inexecução da decisão ora proferida para a salvaguarda do interesse público, dando, com isto, razão ao requerente e , consequentemente, decretando a ineficácia do despacho do Ministro dos Negócios Estrangeiros, de nomeação de secretários de embaixada.

Da causa legítima de inexecução
Após a análise do acórdão do TCA Sul, percebemos que a discussão se baseia na questão de saber se os factos invocados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros podem consubstanciar, ou não, uma causa legítima de inexecução, mais precisamente, o grave prejuízo para o interesse público.

Admite o CPTA, no seu artigo 163.º que, em vez da execução das sentenças dos tribunais administrativos, possa a Administração invocar uma causa legítima de inexecução, que pode ser uma de duas: a impossibilidade absoluta do cumprimento da decisão anteriormente proferida pelo Tribunal; o grave prejuízo para o interesse público.
Dispõe o nº3 do artigo 163.º que a causa legítima de inexecução tem que se reportar a circunstância superveniente ou que a Administração não pudesse ter invocado no processo declarativo.

No Acórdão que analisámos, a causa legítima de execução invocada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros foi declarada improcedente por não configurar uma situação-limite. No entanto, caso fosse procedente, teria o requerente direito à indemnização prevista no artigo 166.º/1 do CPTA. Estaríamos assim, uma vez mais, perante uma modificação objectiva da instância, dado que haveria uma convolação do objecto inicial do processo, numa indemnização destinada a compensar o exequente.

Soraya Ossman
Aluna nº 19991

Breve análise ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12 de Janeiro de 2012, processo nº 08300/11


O acórdão em análise foca dois pontos de extrema importância. O primeiro referente à determinação do valor da acção e o segundo respeitante aos prazos para impugnação de actos administrativos, sendo que será apenas este último objecto de análise.
Está aqui em causa a impugnação de uma adjudicação por parte do Ministério da Economia e Inovação a terceiro, efectuado no âmbito de um concurso público. Trata-se, portanto, de um ação de contencioso pré-contratual, regulada nos artigos 100º e seguintes do CPTA. A ação de contencioso pré-contratual insere-se nas impugnações urgentes.
No dia 3 de Maio de 2011 foi a recorrente notificada da decisão do concurso, sendo que esta apenas reagiu através da impugnação contenciosa da decisão de adjudicação no dia 29 de Junho do mesmo ano (mais de um mês depois de ter sido notificada). A recorrente fundamenta o pedido de impugnação com a falta de um dos elementos essenciais do próprio acto, o que provoca a violação do princípio da prossecução do fim público. Afasta, ainda a aplicação do artigo 101º do CPTA, alegando que este não se aplica aos casos em que vício que inquina o ato impugnado é o da nulidade, que pode ser arguida a todo o tempo. Caso contrário o curto espaço de tempo apontado pelo já referido artigo (um mês), seria inconstitucional, uma vez que “equivaleria a restringir de forma desproporcionada o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, nessa medida, sujeitos ao regime de proteção reforçada previsto no artigo 18º da CRP.”. O Tribunal discordou, referindo que o prazo de um mês é suficiente para propor a ação, e que é justificado pela necessidade de celeridade que é característica dos concursos público. Não está, portanto, posto em causa o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, sendo este articulado com o princípio da segurança jurídica
Por seu turno, o recorrido vem alegar que o contencioso pré-contratual constitui um regime imperativo e que, consequentemente, será aplicável o prazo previsto no artigo 101º do CPTA, isto é, um mês. Sendo que este prazo não foi respeitado, pede o Ministério que se considere extinto o direito de ação do recorrente. Mencionando ainda que “A razão de ser do regime previsto nos artigos 100° a 103° do CPTA, que institui um processo de tramitação especial que se pretende mais célere e dentro dos processos urgentes, prende-se com o facto de se tratarem de contratos abrangidos pelo âmbito das Diretivas do Conselho n.° 89/665/CEE, de 21/12, e n.° 92/13/CEE, de 25/2, que já tinham sido transpostas para o nosso ordenamento pelo Decreto-Lei n.° 134/98, o que exigem rápida resolução dos litígios quo possam surgir a propósito dos procedimentos na respetiva formação”.
Ora a jurisprudência tem-se debruçado sobre a aplicação do artigo 101º, sendo que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Fevereiro de2007, processo nº 598/06 tem um entendimento oposto ao da recorrente quando esta afirma que o 101º “não se aplica aos casos em que vício que inquina o ato impugnado é o da nulidade”. Não obstante, parte da doutrina tem vindo a apontar algumas dificuldades na conciliação do regime processual do artigo 101º do CPTA, com o regime substantivo dos actos nulos.
Nos casos em que não tenha havido lugar à notificação do acto, como é por exemplo o caso do Ministério Público, entende-se, nos termos do artigo 101º do CPTA, que o prazo de um mês se deve contar a partir do dia em que se tenha conhecimento do acto, o que leva à possibilidade de serem impugnados actos feridos de nulidade, mais do que um mês depois da notificação dos interessados.
Neste caso concreto, o  Tribunal Central Administrativo Sul julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença recorrida, ou seja, a adjudicação prossegue com o terceiro.

Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Edições Almedina, 2010 
OLIVEIRA, Mário Esteves e Rodrigo Esteves, Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos, anotado, Almedina, Coimbra, 2005. 

Ana Sofia Freire
Aluna nº 19493





Sentença

Boa tarde, Caro professor e colegas.
Segue em anexo o ficheiro com a sentença.
Votos de boas festas !





https://www.dropbox.com/s/5v67fu0d8zbp0q5/senten%C3%A7a%20de%20direito%20contencioso%20adm.pdf


Do grupo juízes II:

- Ana Mafalda Salgueiro nº 17144
- Ana Teresa Fanico nº 19496
- Inês Oliveira nº 18165
- Mariana Barradas nº 18284
- Mariana Silva  nº 18292
- Mónica Lopes nº 16794
- Regina Condessa nº 14874

Recurso Per Saltum

 
No processo administrativo está constitucionalmente consagrado uma garantia ao recurso pelo denominado duplo grau de jurisdição, mas esta garantia administrativa não é comum a todas as decisões tomadas.

Admitem recurso:
 
1- as decisões de primeiro grau de jurisdição que tenham conhecido o mérito da causa, nos termos do artigo 142º nº 1 CPTA admitem recurso, nomeadamente as sentenças finais e as decisões que julgam as excepções peremptórias.
 
2- as decisões referentes a processos executivos nos termos do nº 2 do mesmo artigo, mas dependendo estes do valor do processo.
 
3- e independentemente do valor da causa algumas decisões conforme a existência de direitos ou valores , liberdades e garantias , que pela sua relevância devam ser consideradas dignas de recurso para um tribunal administrativo superior, bem como por motivos de uniformização jurisdicional.

Perante as diversas decisões que admitem recurso também verificamos um leque classificatório de tipos de recursos para cada tipo de decisão em causa. assim, tomando natureza e características distintas, cumpre-nos analisá-los.

Pela função dos poderes do tribunal, os recursos podem ser:
 
-Substitutivos- a decisão do tribunal que decide do recurso vai substituir a decisão anteriormente proferida e impugnada, podendo reexaminar a questão atendendo até a questões superveniente de facto e de direito.
 
-Cassatórios- tribunal verifica a decisão impugnada em termos de legalidade, podendo revogá-la e remeter o processo ao tribunal competente, nunca atendendo a factos superveniente, mas tão só revendo a decisão pelos factos e pelas questões de direito à data da decisão impugnada.

Outra classificação se impõe, neste caso pela distinção entre recursos ordinários e recursos de revisão, sendo os primeiros sub-divididos em recursos ordinários comuns e recurso ordinário especial que coincide com o recursos de revista per saltum de uma decisão de um TAC para o STA.

Debrucemo-nos sobre este recurso de revista que não é de todo possível em termos generalizados, mas apenas para processos nos quais o valor da causa, correspondente ao fixado nos termos dos artigos 32º e seguintes do CPTA é excepcionalmente avultado (superior a 3 milhões de euros ou caso seja indeterminável, pelo disposto no artigo 151º nº1 CPTA).

Quanto a este ponto é também necessário referir que, mesmo perante os processos pelos quais é admitido, não há uma obrigatoriedade da sua utilização como meio de recurso da decisão, uma vez que não há consagração legal neste sentido e o regime processual civil até considera o contrário, nos termos do artigo 725º CPC,. É consequentemente dada uma possibilidade ao requerente de escolher entre o recurso de Apelação ou o recurso em análise (para os respectivos tribunais).

Segundo o recurso de revista per saltum respeitante apenas a questões de direito relativas a violações de lei substantiva ou processual, é um recurso ordinário mas especial.

De facto, nos termos do artigo 140º CPTA encontramos uma remissão para o regime da lei processual civil que nos elucida sobre a divisão entre recursos ordinários ( revista, apelação e agravo) e os recursos extraordinários ( revisão e oposição de terceiro).

Assim, o recurso per saltum será um recurso ordinário pois é um recurso de revista de uma decisão de mérito proferida por um TAC, conhecendo o STA de uma sentença que ainda não transitou em julgado.

Já quanto ao seu carácter especial este corresponde ao facto da decisão impugnada ser deduzida para o STA e não para o tribunal imediatamente superior e pela sua especificidade face aos valores atrás analisados.

Além disso é importante referir que o processo não poderá estar relacionado com questões de funcionalismo público ou de segurança social, segundo o disposto no artigo 151º nº2 CPTA.

A garantia da estabilidade na aplicação do direito para estes casos fica mais salvaguardada pela instância suprema que pelos tribunais imediatamente superiores, uma vez que estando fixada a matéria de facto não é necessário um recurso de apelação e assim o STA poderá decidir sobre a matéria de direito.

Não obstante, se ainda assim, tendo havido recurso de revista per saltum, estiverem também em causa matérias de facto para serem discutidas, estas serão discutidas em sede de Apelação para o TCA, que terá de decidir não só das questões de facto como também das questões de direito, nos termos do artigo 151º nº 3 CPTA.


ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2012

ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa (Lições), 11ª edição, Almedina, 2011


Maria Luisa de Albuquerque Inácio 18269

Sobre a Extensão dos Efeitos das Sentenças




              Na legislação processual administrativa foi introduzido um mecanismo inteiramente novo[1], relativo à extensão extrajudicial de efeitos da sentença a situações de facto alheias ao processo em que é proferida, isto é, permite-se a quem não tenha lançado mão, no momento próprio, do meio processual adequado, fazer valer os seus interesses, em concreto, o direito de exigir que determinada entidade administrativa se comporte para com ele como se ele tivesse obtido uma sentença transitada em julgado que, na realidade, foi proferida contra essa mesma entidade em outro processo, intentado por terceiro, verificados que estejam os pressupostos. Cabe averiguar que pressupostos estão aqui em causa.

                Nos termos do art. 161º/1 CPTA, a extensão pode ser pedida relativa aos efeitos de sentenças que tenham[2]:
  • 1.       Anulado (devendo entender-se abrangidos, por coerência, situações de nulidades, anulabilidades ou inexistência) um acto administrativo desfavorável (acção administrativa especial); ou
  • 2.      Reconhecido uma situação jurídica favorável (em regra, na acção administrativa comum).
São quatro os elementos constitutivos da pretensão de extensão de efeitos de sentença administrativa de acordo com o art. 161º CPTA, a alegar e demonstrar pelo interessado (art. 342º CC):

1.       Que o interessado se encontra na mesma situação jurídica da pessoa a que se reporta a sentença transitada em julgado;
2.       Que, quanto ao interessado, não haja sentença transitada em julgado;
3.       Que os vários casos já decididos sejam perfeitamente idênticos[3];
4.       Que, no mesmo sentido, tenham sido proferidas 5 sentenças transitadas em julgado ou, existindo situações de processos em massa, nesse mesmo sentido tenham sido decididos em 3 casos os processos seleccionados segundo o disposto no artº 48º.
            
           Nos termos dos n.ºs 3 e 4, a extensão deve ser em primeiro lugar solicitada à entidade administrativa demandada e se, indeferida a pretensão ou perante omissão de pronúncia durante 3 meses[4], pode o interessado requerer o tribunal que tenha proferido a sentença, seguindo-se os trâmites do processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos (de notar a localização do artigo 161º no Titulo VII – Processo Executivo). Quanto a esta última situação, levantou-se na jurisprudência[5] a questão de saber se se deve atender ao sentido literal no n.º 4, quando tenha sido o Supremo Tribunal Administrativo a proferir a sentença. Tem-se decidido no sentido de ser reconhecida a competência do tribunal da causa, ou seja, daquele que proferiu decisão em 1ª instância[6], pois a entender-se o contrário, contender-se-ia com as normas de competência, a começar pela regra geral da competência territorial (cf. artº 16º do CPTA), passando pelo que estatui a norma do artº 176º do CPTA e acabando no caso no elenco de competências do STA (art. 24º do ETAF), estando ainda encontrada assim uma via para tornear a ideia de o Supremo Tribunal Administrado assumir o papel de regulador do sistema[7].

O não uso deste meio processual não pressupõe necessariamente que tenha sido proferido um acto administrativo e que este não tenha sido impugnado, mas apenas isso mesmo, isto é, que não tenha feito uso do meio processual adequado, o que nem sempre se resume à reacção judicial direccionada contra determinado acto.[8]
            

           Vieira de Andrade demonstra algumas perplexidades em relação a esta solução legal. Critica o facto de se exigirem várias sentenças (demonstrando tratar-se de uma solução demasiado estreita) e de estas poderem ser imediatamente estendidas, mediante requerimento do interessando, aos restantes. Alerta ainda para o facto de ao se permitir a extensão a quem não se fez valer de via judicial, poder vir a dar origem a uma fragilização da estabilidade do caso decidido. Levanta a questão sobre se não se devia exigir uma prova de diligência processual ou de boa fé dos beneficiados.

           Em minha opinião, existe uma razão de ser quanto à exigência de cinco sentenças transitadas em julgado, a qual assenta tão-só na necessidade de assegurar que as extensões de efeitos tenham por base orientações jurisprudenciais consistentes.[9] Também me parece que o art. 161º não determina excepcionalmente uma situação de fragilização do caso decidido; lembremo-nos, por exemplo, que até os casos de actos favoráveis, constitutivos de direitos, não impugnados podem ser revogados com fundamento em ilegalidade no prazo de um ano (art. 141º/1, do CPA), ou até pode ser posta em causa, mesmo que a título incidental, a legalidade de um acto administrativo que já não pode ser impugnado, nos termos do art. 38º CPTA.

Pretende-se, no fundo, um tratamento igualitário[10] para situações idênticas, procurando-se obviar disparidades materiais entre os administrados pela mesma entidade. Terá como contrapartida e vantagem para a administração, o descongestionamento dos tribunais administrativos, obstando-se a conglomerados processuais semelhantes (estando em causa o princípio da economia processual).



[1] Teve como fonte de inspiração a Ley de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa Espanhola de 1998, de 13 de Júlio, art. 110º.
[2] Cfr. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa” Lições, 2011
[3] Quanto à expressão "casos perfeitamente idênticos", pronunciou-se o Ac. STA de 19-2-2009, rec. 048087-A: “não significa uma igualdade absoluta. Reporta-se a uma identidade de casos em termos de situação fáctica relevante e da sua qualificação e tratamento jurídicos, e não em termos de uma rigorosa coincidência quanto a todos os elementos de facto, mesmo que juridicamente irrelevantes”.
[4] O prazo de três meses deverá contar-se nos termos do art. ° 72° do CPA e o de dois meses nos termos do art. 144 do CPC, por força do disposto no n. 3 do art. 58° do CPTA
[5] Acs. de 18.01.2005 – Rec. 01709A/02 e de 16.11.2004 – Rec. 01709B/02
[6] Mais longe vai Luís Filipe Colaço Antunes: “não será excessivo, creio, admitir que qualquer tribunal administrativo, e não apenas o que decretou a sentença, está capacitado para determinar se existe ou não identidade de situações jurídicas.” In Cadernos de Justiça Administrativa.
[7] Cfr. Mário Aroso de Almeida, o Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2010
[8] Cfr. Ac STA de 12-05-2011, Proc. 07383/11
[9] No mesmo sentido Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, 2010: “pretende evitar-se que a extensão de efeitos se possa basear numa sentença isolada, porventura errónea”.
[10] Contra: Carla Amado Gomes, “Textos Dispersos de Direito do Contencioso Administrativo”, 2009



Liliana Piedade
n,º 19702