domingo, 18 de novembro de 2012

Condenação à prática do acto administrativo devido: um prazo (in)devido?


I. INTRODUÇÃO 

 A forma de acção administrativa especial pode revestir processos relativos a pretensões emergentes da prática ou da omissão de actos administrativos ou de disposições normativas de direito administrativo[1]. 


Estas pretensões enquadram-se num abrangente leque de possibilidades, entre elas podendo o requerente escolher pedir a anulação, a declaração de nulidade ou de inexistência de actos administrativos, bem como pedir a declaração de ilegalidade de normas. Não procurando tratar especificamente da impugnação do acto administrativo – lato sensu, acção destinada ao controlo da sua validade -, cumpre atender às especificidades do pedido de condenação à prática de acto devido.

II. A ACÇÃO DE CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO 


A acção de condenação à prática de acto devido pela administração é recente, resultado da revisão constitucional de 1997, onde se consagrou a previsão do art.º 268.º, n.º4 CRP garantindo, ao nível dos direitos fundamentais, um dos componentes essenciais do principio de tutela jurisdicional plena e efectiva dos direitos dos particulares em face da Administração[2].
 
Surgiu assim a acção de condenação à prática de acto devido como modalidade de acção administrativa especial, ora sendo consagrado um mecanismo processual específico que permite suscitar dois pedidos distintos: a condenação na emissão, pela Administração, do acto omitido e a condenação na produção de acto administrativo (de conteúdo) favorável ao particular, em substituição do acto desfavorável anteriormente praticado [3](art. 66.º, n.º 1, CPA). 

III. O PEDIDO DE CONDENAÇÃO 

 O tipo de situação mais comum em que pode ser deduzido o pedido de condenação à prática de acto administrativo é aquele que se encontra previsto no art. 67.º CPTA, correspondendo à situação pela qual o interessado – mormente um particular, não se aferindo, para já, da legitimidade – apresenta formalmente um requerimento, pedindo que a Administração actue. Pelo art. 67.º CPTA se entenderá – não obstante situações em que tal possa não acontecer[4] - que tudo começa quando o interessado requer, formalmente, uma prestação por parte da Administração. 

 Não sendo bastante para que possa intentar uma acção de condenação à prática do acto em causa, uma de três situações tem de se verificar necessariamente, sendo elas, como enuncia o art. 67.º CPTA, a hipótese de silêncio perante o requerimento apresentado (alínea a)), quando a entidade requerida tenha permanecido omissa [5], a situação de indeferimento do requerimento (alínea b)) apresentado pelo interessado ou quando ocorrer uma recusa de apreciação do requerimento (alínea c)), no sentido em que a entidade requerida expressamente diz que se recusa a apreciar o requerimento. 
Sobre as hipóteses elencadas pela lei, os autores supra citados tecem diversas considerações sobre a forma e o conteúdo da decisão administrativa, sobre os factos que as possam fazer tomar determinados sentidos e, principalmente, sobre a articulação entre o instituto da condenação à prática do acto e a faculdade de impugnação pelo requerente. 
Contudo, incidir-se-á somente quanto à sua tempestividade. 

IV. A OPORTUNIDADE DO PEDIDO. LACUNA. 

Dispõe o art. 69.º quanto aos prazos para proposição desta acção especial de condenação à prática do acto legalmente devido. Dispõe o art. 69.º, n.º 1 quanto aos prazos em caso de inércia da Administração e, por sua vez, o n.º 2 para as situações de indeferimento, que ora se entende, necessariamente expresso. 

Assim, como nos diz a lei, caso a Administração nada faça ou nada diga, dispõe o requerente de 1 ano; caso a Administração negue a pretensão ao requerente, vale o prazo de 3 meses [6]

Qual é, então, o prazo aplicável quando a administração não indefere nem omite, mas antes expressamente se recusa a analisar o requerimento do interessado (art. 67.º, n.º 1 c))?

O artigo 69.º não distingue [7]. 

O professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA – como de resto cremos que também VASCO PEREIRA DA SILVA [8] - não parece ter dúvidas: quando a Administração se recusa a apreciar o requerimento aplica-se, directamente, o prazo de 3 meses, equiparando esta recusa a uma decisão negativa. 

Já VIEIRA DE ANDRADE tem um entendimento diferente[9]. Segundo o autor, como não houve indeferimento, não há acto administrativo válido de directa apreensão e conhecimento pelo particular. Por conseguinte, considera que deverá valer, para os casos em que a administração diz que “não é de apreciar o requerimento apresentado”, não o prazo de 3 meses, mas antes o prazo de 1 ano. 

Concordando com a solução apresentada pelo Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, discordar-se-á do entendimento do Professor VIEIRA DE ANDRADE. Este último entendimento parece sustentar um benefício excessivo para o requerente, face a uma situação em que não se encontra desprotegido, uma vez que conhece a intenção da Administração

Na situação prefigurada, o autor goza de uma escolha arbitrária pelo momento em que pretende propor a acção. Não sendo possível actuar dentro dos três meses, então vale o prazo de um ano. Como um "par de botões de punho" que liga as duas partes da mesma manga, o “útil ao agradável”, aqui o particular fica revestido por uma segurança injustificada, porquanto conhece a intenção de a administração não analisar a sua pretensão, gozando de um prazo apenas aplicável por lei aos casos de inércia absoluta da Administração

 De facto há na recusa de apreciação um acto administrativo, de todo em todo distinto da omissão de pronúncia. Além do mais, o requente poderá sempre apresentar um novo requerimento, uma vez que não houve decisão de fundo sobre o conteúdo do requerimento (sem ter de esperar dois anos, art. 9.º n.º 2 do CPA).




Afonso Scarpa


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[1] VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 6.ª ed., pp. 205 ss. 
[2] VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2.ª ed., pp. 381 ss.
[3] Idem 2.
[4] AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, pp. 316 a 320 e VIEIRA DE ANDRADE, idem 1 elencam um conjunto de situações nas quais o requerimento apresentado à Administração não é requisito necessário.
[5] VASCO PEREIRA DA SILVA, idem, designa esta situação por “omissão administrativa, sempre que não tenha havido qualquer decisão dentro do prazo legalmente estabelecido.
[6] O mesmo prazo para a impugnação do acto por particulares (art. 58.º, n.º 2b)).
[7] VIEIRA DE ANDRADE reconhece que nos encontramos perante uma situação lacunar.
[8] VASCO PEREIRA DA SILVA, idem, pp. 410 e 411, apenas distinguindo entre actos de conteúdo negativo da conduta de inércia.
[9] Vide, supra, pp. 231 e 232

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