quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Declaração de Ilegalidade por Omissão


      Uma das significativas alterações surgidas com a reforma do Contencioso Administrativo foi, sem dúvida, o aparecimento de um mecanismo processual destinado a reagir contra omissões de regulamentos.

      Prevista no artigo 77º CPTA, no âmbito da acção administrativa especial, a possibilidade de reagir judicialmente contra a omissão ilegal de normas administrativas, pressupõe uma implementação que se torna necessária para conferir uma certa funcionalidade aos actos legislativos que careçam de regulamentação, cujo dever em causa de regulamentar, tanto pode advir, de forma directa, da indicação expressa de uma concreta lei, ou decorrer de forma indirecta, como é o caso de uma remissão implícita para o poder regulamentar, devido a uma situação de incompletude ou inexequibilidade do acto legislativo em causa.

    A verificação da omissão do dever regulamentar diz, não só respeito a regulamentos de execução, sendo os que procuram completar e desenvolver uma lei, como também a regulamentos autónomos e independentes, relativamente aos quais a Administração tem maior margem de conformação normativa mas sempre ligada à lei, onde mesmo estes últimos se destinam a conferir “exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação”, desde que a sua emissão diga respeito ao cumprimento de um dever legal.

           Tanto a figura aqui tratada, como a sua fórmula, foram claramente inspiradas na fiscalização da inconstitucionalidade por omissão (283º CRP), mas o artigo 77º CPTA procurou, de facto, distanciar-se deste regime constitucional, na medida em que confere ao tribunal o poder de, não apenas dar conhecimento da situação de omissão ao órgão competente, mas também de fixar um prazo, não inferior a 6 meses, dentro do qual a omissão deverá ser suprida (n.º2). Encontramos, deste modo, uma pronúncia declarativa de conteúdo impositivo, que está a meio caminho entre a simples declaração de omissão e a condenação da Administração à emissão da norma administrativa devida, embora tenha ficado aquém de uma verdadeira sentença condenatória.

        Para Mário Aroso de Almeida, a pronúncia judicial prevista no n.º2 do Art. 77º CPTA estará mais próxima de uma sentença de condenação à emissão de uma norma administrativa, do que propriamente uma sentença meramente declarativa ou de simples apreciação, pois reconhece a existência de um dever e fixa um prazo para o seu cumprimento, decorrido o qual a Administração terá incorrido em desobediência e, consequentemente, sobre ela podem ser impostas sanções pecuniárias compulsórias.

        Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, teria sido benéfico optar pela possibilidade de condenação da administração na produção da norma regulamentar devida, pois nada obstaria contra, mas importa distinguir duas hipóteses distintas:

  1. Situação em que temos um dever legal de emissão de regulamento, mesmo se a lei conferi-se à autoridade dotada de poder regulamentar, uma maior margem de discricionariedade na conformação do conteúdo. Nesta situação, o tribunal limita-se à condenação da emissão do regulamento, cabendo à administração a responsabilidade pela escolha do conteúdo das normas administrativas, dentro dos limites fixados pela lei regulamentada. O juiz somente poderia conceder certas indicações quanto ao modo mais adequado de exercício do poder discricionário.
  1. Situação em que não existe só o dever legal de produzir o regulamento, mas também a obrigatoriedade dele possuir um certo conteúdo, pré-determinado pelo legislador, o que redunda numa espécie de regulamento de execução com forte ligação à lei. 
         
         Quanto ao pressuposto processual da legitimidade, admite-se a acção popular e pública, relativamente aos interesses comunitários presentes no artigo da regra geral do 9º/2 CPTA, incluindo a legitimidade de quem alegue “um prejuízo directamente resultante da situação de omissão” (77º/1 CPTA), mas onde se vai mais longe no próprio conceito de legitimidade, considerando que o prejuízo necessita de ser directo e actual.


          Em suma, embora o preceito legal em causa pareça apontar para uma pronúncia declarativa, uma tal sentença, ligada ao estabelecimento de um prazo, tem de concluir-se como condenatória e não apenas como uma recomendação. O reconhecimento do dever de emissão do regulamento, dentro do prazo ficado pelo juiz, pode ser claramente somado a uma sanção pecuniária compulsória, logo no processo declarativo.




Bibliografia: - ALMEIDA, Mário Aroso de, Manuel de Processo Administrativo, Almedina, 2012.

                        - SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as acções no novo Processo Administrativo, 2ª edição, Almedina, 2009.

                        - ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa, Almedina, 2011.

                       - ALMEIDA, Mário Aroso de/CADILHA, Carlos Alberto, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, Almedina, 2012.




Catarina Baltazar Silva
Nº 19544







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