quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A Impugnação de normas regulamentares



A Impugnação de normas regulamentares

Para uma primeira abordagem do tema, cumpre definir o regulamento administrativo.
Na definição do Professor Freitas do Amaral os regulamentos "são normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei."

Os regulamentos, sendo normas jurídicas, dotados das características "generalidade" e "abstracção", não têm a mesma força jurídica que outras normas, uma vez que necessitam de uma outra lei para serem emitidos, não podendo contrariar a lei ordinária.
A impugnação de normas regulamentares, na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, é uma das grandes marcas que possibilita a distinção do Direito Português recente, com outras vivências a nível europeu, que não autonomizam o contencioso regulamentar do dos actos administrativos – como no caso do modelo francês – ou que prevêem meios processuais de alcance mais restrito, relativos a apenas certas categorias de regulamento – como se verifica no modelo alemão.
Criarem-se mecanismos processuais que controlem a validade dos regulamentos e protegerem-se os direitos dos indivíduos, por eles afectados, é o elemento essencial da proliferação de normas jurídicas emanadas de órgãos administrativos, o que muitas vezes resulta das transformações por que passaram as formas de actuação, em que a “multilateralidade surge como a característica mais marcante da Administração do Estado Pós-Social” [1]
A impugnação de normas administrativas, regulada nos Artigos 72º e seguintes do CPTA é aplicável a todas as actuações jurídicas gerais e abstractas, emanadas de autoridades públicas ou de particulares que com elas colaborem, no exercício da função administrativa.
Ficam excluídos desta previsão normativa os actos materialmente administrativos individuais e concretos, mesmo que contidos em diploma legislativo ou regulamentar, bem como as normas jurídicas emitidas no âmbito da função legislativa.
Antes da reforma havia três formas de reagir contenciosamente contra regulamentos administrativos:
A primeira era a via incidental, onde o regulamento era apreciado apenas indirectamente, como incidente da questão principal;
A segunda era declaração de ilegalidade de normas administrativas, sendo este um meio processual genérico, que era utilizado contra qualquer norma regulamentar, independentemente do órgão que a havia emanado;
A terceira forma de reagir contenciosamente era através de um meio processual especial, nomeadamente através da impugnação de normas. Ainda assim, este meio processual era de cariz muito limitado, porque se destinava apenas aos regulamentos emanados pela Administração local comum.
Após a reforma, largas foram as mudanças, e tornou-se possível verificar a uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar, fazendo surgir uma “nova espécie” de acção administrativa especial, que se qualifica em razão do pedido de impugnação de normas jurídicas, mantendo-se a possibilidade de apreciação incidental dos regulamentos e tornou-se também possível verificar que se estabeleceu um regime uniforme.
Grande diferença se nota ao comparar este regime de impugnação com outros, pois neste em especial, segundo o artigo 74º CPTA não há um prazo para pedir a declaração de ilegalidade das normas regulamentares.
A declaração de ilegalidade das normas regulamentares pode assim ser pedida a todo o tempo.
Actualmente, o âmbito de eficácia de pronúncia que é pedida ao tribunal é um critério distintivo dos dois regimes de impugnação de normas regulamentares que se apresentam no nosso sistema, dependendo depois, cada um dos regimes em especial, de diferentes pressupostos processuais.
Cumpre agora observar a quem incumbe a tarefa de impugnar os actos regulamentares.
Quanto às normas regulamentares com força obrigatória geral:
Pode ser pedida pelo Ministério Público, por força do Artigo 73º nº 3 do CPTA, oficiosamente ou mediante acção popular, para defesa dos valores mencionados no Artigo 9º nº 2 CPTA.;
Deve ser pedida pelo Ministério Público, quando este tenha conhecimento de três decisões de desaplicação da norma com fundamento na sua ilegalidade, segundo o nº 4 do Artigo 73º CPTA.
Tem também legitimidade para propor tal acção quem tenha sido prejudicado pela aplicação da norma ou possa vir a sê-lo, com grande probabilidade. Ainda assim, a mesma só pode ser pedida caso a norma em questão já tenha sido julgada ilegal, em três casos concretos.
Na opinião do Professor Mário Aroso de Almeida o interessado lesado por uma norma já julgada ilegal, não se encontra obrigado a pedir a declaração de ilegalidade dessa mesma norma, ou seja, ele pode limitar-se a pedir que essa seja proferida com efeitos apenas para o seu caso, evitando, assim, o risco de se poder ver confrontado com uma possível decisão do tribunal de limitação dos efeitos da sua pronúncia, no exercício do poder que lhe é conferido pelo nº 2 do Artigo 76º CPTA.
Encontram-se ainda com legitimidade para tal, os interessados a quem a acção tenha vindo a prejudicar directa e concretamente, mesmo sem terem existido as três decisões de desaplicação.  Apresenta-se aqui, então, uma excepção à regra do nº1 do Artigo 73º, presente no nº2 do mesmo Artigo.
Relativamente às normas regulamentares sem força obrigatória geral:
A declaração de ilegalidade destas pode ser pedida por aquele que alegue ser lesado pelos efeitos de normas que se produzam imediatamente na sua esfera jurídica, sem dependência de qualquer acto ou situação.
Ainda dentro do âmbito da questão do contencioso de normas regulamentares, se prende a questão da condenação à emissão de regulamentos.
Importa referir que a utilização deste meio pressupõe que haja inércia de poder administrativo, pois está em causa o incumprimento por parte da Administração do dever de dar exequibilidade, a determinações contidas em actos legislativos, através de regulamentos.
Por força do Artigo 77º CPTA, têm competência para este tipo de acções o Ministério Público, as entidades e pessoas defensoras dos interesses referidos no nº 2 do Artigo 9º CPTA e ainda aquele que alegue um prejuízo que resulta directamente da situação de inexercício por parte da Administração.
 

Bibliografia 

ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2012.
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo Processo Administrativo, 2ª Edição, Almedina, 2009.
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Vol. I e II, 3ª Edição, Almedina, 2010

Sara Varela Cruz


[1] Vasco Pereira da Silva, «O Contencioso Administrativo no divã da psicanálise», cit., p. 412.

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