A Impugnação
de normas regulamentares
Para
uma primeira abordagem do tema, cumpre definir o regulamento administrativo.
Na
definição do Professor Freitas do Amaral os regulamentos "são normas
jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da
Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por
lei."
Os regulamentos, sendo normas jurídicas, dotados das características "generalidade" e "abstracção", não têm a mesma força jurídica que outras normas, uma vez que necessitam de uma outra lei para serem emitidos, não podendo contrariar a lei ordinária.
Os regulamentos, sendo normas jurídicas, dotados das características "generalidade" e "abstracção", não têm a mesma força jurídica que outras normas, uma vez que necessitam de uma outra lei para serem emitidos, não podendo contrariar a lei ordinária.
A
impugnação de normas regulamentares, na opinião do Professor Vasco Pereira da
Silva, é uma das grandes marcas que possibilita a distinção do Direito Português
recente, com outras vivências a nível europeu, que não autonomizam o
contencioso regulamentar do dos actos administrativos – como no caso do modelo
francês – ou que prevêem meios processuais de alcance mais restrito, relativos
a apenas certas categorias de regulamento – como se verifica no modelo alemão.
Criarem-se
mecanismos processuais que controlem a validade dos regulamentos e protegerem-se
os direitos dos indivíduos, por eles afectados, é o elemento essencial da
proliferação de normas jurídicas emanadas de órgãos administrativos, o que
muitas vezes resulta das transformações por que passaram as formas de actuação,
em que a “multilateralidade surge como a característica mais marcante da
Administração do Estado Pós-Social” [1]
A
impugnação de normas administrativas, regulada nos Artigos 72º e seguintes do
CPTA é aplicável a todas as actuações jurídicas gerais e abstractas, emanadas
de autoridades públicas ou de particulares que com elas colaborem, no exercício
da função administrativa.
Ficam
excluídos desta previsão normativa os actos materialmente administrativos
individuais e concretos, mesmo que contidos em diploma legislativo ou
regulamentar, bem como as normas jurídicas emitidas no âmbito da função
legislativa.
Antes
da reforma havia três formas de reagir contenciosamente contra regulamentos
administrativos:
A
primeira era a via incidental, onde o regulamento era apreciado apenas
indirectamente, como incidente da questão principal;
A
segunda era declaração de ilegalidade de normas administrativas, sendo este um
meio processual genérico, que era utilizado contra qualquer norma regulamentar,
independentemente do órgão que a havia emanado;
A
terceira forma de reagir contenciosamente era através de um meio processual
especial, nomeadamente através da impugnação de normas. Ainda assim, este meio
processual era de cariz muito limitado, porque se destinava apenas aos regulamentos
emanados pela Administração local comum.
Após
a reforma, largas foram as mudanças, e tornou-se possível verificar a
uniformização do regime jurídico do contencioso regulamentar, fazendo surgir
uma “nova espécie” de acção administrativa especial, que se qualifica em razão
do pedido de impugnação de normas jurídicas, mantendo-se a possibilidade de
apreciação incidental dos regulamentos e tornou-se também possível verificar
que se estabeleceu um regime uniforme.
Grande
diferença se nota ao comparar este regime de impugnação com outros, pois neste
em especial, segundo o artigo 74º CPTA não há um prazo para pedir a declaração
de ilegalidade das normas regulamentares.
A
declaração de ilegalidade das normas regulamentares pode assim ser pedida a
todo o tempo.
Actualmente,
o âmbito de eficácia de pronúncia que é pedida ao tribunal é um critério
distintivo dos dois regimes de impugnação de normas regulamentares que se
apresentam no nosso sistema, dependendo depois, cada um dos regimes em
especial, de diferentes pressupostos processuais.
Cumpre
agora observar a quem incumbe a tarefa de impugnar os actos regulamentares.
Quanto
às normas regulamentares com força obrigatória geral:
Pode
ser pedida pelo Ministério Público, por força do Artigo 73º nº 3 do CPTA,
oficiosamente ou mediante acção popular, para defesa dos valores mencionados no
Artigo 9º nº 2 CPTA.;
Deve
ser pedida pelo Ministério Público, quando este tenha conhecimento de três
decisões de desaplicação da norma com fundamento na sua ilegalidade, segundo o
nº 4 do Artigo 73º CPTA.
Tem
também legitimidade para propor tal acção quem tenha sido prejudicado pela
aplicação da norma ou possa vir a sê-lo, com grande probabilidade. Ainda assim,
a mesma só pode ser pedida caso a norma em questão já tenha sido julgada
ilegal, em três casos concretos.
Na
opinião do Professor Mário Aroso de Almeida o interessado lesado por uma norma
já julgada ilegal, não se encontra obrigado a pedir a declaração de ilegalidade
dessa mesma norma, ou seja, ele pode limitar-se a pedir que essa seja proferida
com efeitos apenas para o seu caso, evitando, assim, o risco de se poder ver
confrontado com uma possível decisão do tribunal de limitação dos efeitos da
sua pronúncia, no exercício do poder que lhe é conferido pelo nº 2 do Artigo
76º CPTA.
Encontram-se
ainda com legitimidade para tal, os interessados a quem a acção tenha vindo a
prejudicar directa e concretamente, mesmo sem terem existido as três decisões
de desaplicação. Apresenta-se aqui,
então, uma excepção à regra do nº1 do Artigo 73º, presente no nº2 do mesmo Artigo.
Relativamente
às normas regulamentares sem força obrigatória geral:
A
declaração de ilegalidade destas pode ser pedida por aquele que alegue ser lesado
pelos efeitos de normas que se produzam imediatamente na sua esfera jurídica,
sem dependência de qualquer acto ou situação.
Ainda
dentro do âmbito da questão do contencioso de normas regulamentares, se prende a
questão da condenação à emissão de regulamentos.
Importa
referir que a utilização deste meio pressupõe que haja inércia de poder
administrativo, pois está em causa o incumprimento por parte da Administração
do dever de dar exequibilidade, a determinações contidas em actos legislativos,
através de regulamentos.
Por
força do Artigo 77º CPTA, têm competência para este tipo de acções o Ministério
Público, as entidades e pessoas defensoras dos interesses referidos no nº 2 do
Artigo 9º CPTA e ainda aquele que alegue um prejuízo que resulta directamente
da situação de inexercício por parte da Administração.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2012.
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da
Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo Processo Administrativo, 2ª Edição,
Almedina, 2009.
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo,
Vol. I e II, 3ª Edição, Almedina, 2010
Sara Varela Cruz
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