sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O Contencioso Administrativo, a Reforma de 2002-2004 e o Regime Jurídico da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas


O Contencioso Administrativo, a Reforma de 2002-2004 e o Regime Jurídico da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas




Constitui, num Estado de Direito, um dos mais importantes pilares em que assenta a atuação dum Estado - a responsabilização do mesmo pelos atos que pratique.

Sendo que o produto legislativo, é o principal limite à atuação e orientação da administração, e se baseia na consagração em lei fundamental (nos art. 16º; 17º; 22º e 212º/3) e em lei ordinária (ETAF, CPTA e Lei 67/2007), estes concretizam em si o regime da responsabilização extracontratual da administração (lato sensu).

Contudo não foi logo que se deu a necessária harmonia, entre o procedimento administrativo e o novo regime de responsabilidade civil do Estado, sendo preciso então por diversas vezes pelo menos até 2008 (entrada em vigor da Lei 67/2007) análises doutrinárias pormenorizadas para se acertar a desejada conformidade dos regimes.

Objetivamente falando, no art. 1º/1 ETAF, estatui que os tribunais administrativos têm jurisdição em todas as relações jurídicas administrativas e fiscais. Significa isto dizer que se decidiu clarificar esta questão, pois antes qualquer relação jurídica administrativa podia tornar-se cinzenta caso se verificasse a prática de um ato administrativo por parte de uma entidade privada, dificultando a atribuição de jurisdições.

Quando se colocou esta dificuldade no século XIX, causou estranheza qualquer tribunal judicial poder apreciar e decidir litígios derivados de relações jurídicas administrativas, que como consequência, se passou a declarar incompetente pelo facto de uma das partes em litigio ser uma entidade pública, gerando uma situação completamente nova, passando a ser necessário a distinção de pelo menos 2 grandes ramos do Direito, o Privado e o Público (pelo menos a nível processual), que se veio a alastrar pela maioria dos países da Europa.

Após a concretização ou resolução do problema de atribuição de jurisdição e competência, surge um novo problema, o da bipolarização dos atos administrativos em atos de gestão pública (praticados no âmbito das funções público-administrativas) e de gestão privada (praticados fora do âmbito das funções público-administrativas).

Atos estes que, na ordem jurídica portuguesa eram tratados até à reforma de 2002-2004 do contencioso administrativo, eram tratados em jurisdições diferentes os de gestão pública nos tribunais administrativos e os de gestão privada nos tribunais judiciais. Esta dualidade acontecia pelo facto da administração ser uma autoridade e atuar por atos administrativos; pela dificuldade de se conseguir fazer a distinção de atos informais, técnicos, operações matérias baseadas na dicotomia de gestões.

Como se verificou a distinção então definida não fazia qualquer sentido, pela inexistência de critérios lógicos e coerentes.

Com a reforma de 2002-2004, veio criar as condições necessárias e desenhar as linhas orientadoras para as situações de responsabilidade civil extracontratual da administração, que passa a consagrar a unidade jurisdicional, mais precisamente o art. 212º/3 CRP e com o art. 1º/1 ETAF, que é especificado pelo art. 4º/1/g/h/i também do ETAF (responsabilização civil extracontratual das pessoas coletivas de Direito Público no exercício das funções do Estado; titulares de cargos em órgãos públicos, agentes e funcionários; pessoas coletivas privadas às quais se aplica o regime das responsabilidade do Estado, ou seja exerçam funções público-administrativas).

Com esta uniformização jurisdicional conseguiu-se perceber a ampliação da mesma em relação às pessoas coletivas privadas que exercem funções administrativas, passando a estar consagrada e deixar de se considerar a relevância da dicotomia entre gestões. Contudo a falta dum regime substantivo que concretizasse a consagração da uniformização jurisdicional, deixa na prática tudo na mesma, permanecendo a dualidade de gestões, que só com a lei 67/2007 acaba em definitivo com esse problema, na teoria e na prática.

Em suma o art. 4º/1 ETAF define a que jurisdição dos tribunais administrativos passa a ser feita por um critério teleológico, ou seja o fim da atuação (principalmente das pessoas coletivas privadas) e não como até então utilizado um critério de poder administrativo efetivo.

Também no ETAF se refere no art. 4º/3, que se exclui do âmbito da sua jurisdição as situações de responsabilização por erro judiciário, pois devem pertencer a jurisdição (que não a administrativa) do tribunal que proferiu sentença.

A descoordenação do CPTA, com a falta dum regime substantivo que especificasse a questa da responsabilidade civil extracontratual e apenas a existência dum regime substantivo de direito privado (completamente pensado para as situações entre particulares) levou à criação do regime atual que consta da Lei 67/2007, que do ponto de vista do contencioso administrativo, no seu art. 1º/1 consagra a uniformização jurisdicional dos atos administrativos (que incluem os atos de privados no exercício de funções administrativas) e no número 2 a definição desse exercício de funções administrativas, que se define por ações ou omissões no exercício de prerrogativas do poder público ou reguladas por disposições ou princípios de Direito Administrativo.

Havendo ainda nos números seguintes a clarificação da antiga dificuldade de distinção dos atos de gestão pública e gestão privada e também em relação aos cargos e pessoas que por elas estão abrangidas, números 3, 4 e 5 do art. 1º Lei 67/2007.

Em conclusão deste tema de coordenação entre o regime processual e jurisdicional, só com esta última referida lei se tomou consciência e ultrapassou o que o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva refere como “um dos traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo”.

Uma vez neste âmbito do contencioso, a matéria da responsabilização civil extracontratual do Estado em sede dos meios processuais é possível de duas maneiras que descreveremos.

Consagra então o CPTA, nos meios principais não urgentes, o primeiro meio processual, a ação administrativa comum, art. 37º.

Tal como em toda a ação judicial, o processo inicia-se com, de entre vários outros pressupostos processuais, a formulação de um pedido. Pedido este, em especial, de responsabilização civil extracontratual da administração, que é tutelado pela ação administrativa comum art. 37º/2/f CPTA, que incluem direitos de regresso; pedidos de condenação ao pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse público (atos lícitos ou pelo sacrifício, art. 16º Lei 67/2007); pedidos de condenação da administração à adoção de condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados (reconstituição natural como preferencial e a indemnização em dinheiro apenas na impossibilidade da primeira).

Também o art. 38º CPTA toca num ponto sensível da responsabilidade civil extracontratual dos atos (ilegais) que já não possam ser impugnados.

Permite-se então distanciar esta “mini-ação” comum das “mini-ações” especiais, pois consagra a independência dos 2 possíveis pedidos, o de responsabilização ou indemnização e o de impugnação de ato administrativo. Ajudando com isso o art. 6º da lei 67/2007 que preceitua, em caso de não ter sido usada a via contenciosa ou processual para acabar com o ato jurídico, pode ainda o lesado pedir ao tribunal que analise o grau da culpa da entidade pública e consoante isso atribua o valor da indemnização em sede de violação de um direito ou interesse legalmente protegido.

O segundo meio processual possível para responsabilizar a administração pelos seus atos é a ação administrativa especial (que inclui a impugnação de atos; condenação à prática de atos; impugnação de normas e regulamentos) cumulando o pedido com uma indemnização, nos termos do art. 47º/1/2, sendo esta uma inovação da reforma de 2002-2004 do contencioso administrativo, que teve a intenção de poupar tempo e dinheiro aos tribunais e conseguir fazer numa só ação o que antes só se podia fazer no mínimo com duas ( ação administrativa de impugnação e posteriormente uma ação de responsabilização da administração) e no máximo com três (as duas referidas anteriormente e eventualmente uma ação executiva).

Concluindo retirou-se da experiencia histórica, o necessário para resolver problemas do passado e adequar à realidade atual, a questão da jurisdição, competência, e ambiguidades linguísticas na letra da lei.

 

Bruno Costa       Nº17207

Subturma 1

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