O Contencioso Administrativo, a Reforma de 2002-2004 e o
Regime Jurídico da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais
Entidades Públicas
Constitui, num Estado de Direito,
um dos mais importantes pilares em que assenta a atuação dum Estado - a responsabilização do mesmo pelos atos que pratique.
Sendo que o produto legislativo, é
o principal limite à atuação e orientação da administração, e se baseia na consagração
em lei fundamental (nos art. 16º; 17º; 22º e 212º/3) e em lei ordinária (ETAF, CPTA
e Lei 67/2007), estes concretizam em si o regime da responsabilização extracontratual
da administração (lato sensu).
Contudo não foi logo que se deu a
necessária harmonia, entre o procedimento administrativo e o novo regime de
responsabilidade civil do Estado, sendo preciso então por diversas vezes pelo
menos até 2008 (entrada em vigor da Lei 67/2007) análises doutrinárias pormenorizadas
para se acertar a desejada conformidade dos regimes.
Objetivamente falando, no art.
1º/1 ETAF, estatui que os tribunais administrativos têm jurisdição em todas as relações
jurídicas administrativas e fiscais. Significa isto dizer que se decidiu
clarificar esta questão, pois antes qualquer relação jurídica administrativa
podia tornar-se cinzenta caso se verificasse a prática de um ato administrativo
por parte de uma entidade privada, dificultando a atribuição de jurisdições.
Quando se colocou esta
dificuldade no século XIX, causou estranheza qualquer tribunal judicial poder
apreciar e decidir litígios derivados de relações jurídicas administrativas,
que como consequência, se passou a declarar incompetente pelo facto de uma das
partes em litigio ser uma entidade pública, gerando uma situação completamente
nova, passando a ser necessário a distinção de pelo menos 2 grandes ramos do
Direito, o Privado e o Público (pelo menos a nível processual), que se veio a
alastrar pela maioria dos países da Europa.
Após a concretização ou resolução
do problema de atribuição de jurisdição e competência, surge um novo problema,
o da bipolarização dos atos administrativos em atos de gestão pública
(praticados no âmbito das funções público-administrativas) e de gestão privada
(praticados fora do âmbito das funções público-administrativas).
Atos estes que, na ordem jurídica
portuguesa eram tratados até à reforma de 2002-2004 do contencioso
administrativo, eram tratados em jurisdições diferentes os de gestão pública
nos tribunais administrativos e os de gestão privada nos tribunais judiciais. Esta
dualidade acontecia pelo facto da administração ser uma autoridade e atuar por
atos administrativos; pela dificuldade de se conseguir fazer a distinção de
atos informais, técnicos, operações matérias baseadas na dicotomia de gestões.
Como se verificou a distinção então
definida não fazia qualquer sentido, pela inexistência de critérios lógicos e
coerentes.
Com a reforma de 2002-2004, veio
criar as condições necessárias e desenhar as linhas orientadoras para as situações
de responsabilidade civil extracontratual da administração, que passa a
consagrar a unidade jurisdicional, mais precisamente o art. 212º/3 CRP e com o
art. 1º/1 ETAF, que é especificado pelo art. 4º/1/g/h/i também do ETAF (responsabilização
civil extracontratual das pessoas coletivas de Direito Público no exercício das
funções do Estado; titulares de cargos em órgãos públicos, agentes e funcionários;
pessoas coletivas privadas às quais se aplica o regime das responsabilidade do
Estado, ou seja exerçam funções público-administrativas).
Com esta uniformização jurisdicional
conseguiu-se perceber a ampliação da mesma em relação às pessoas coletivas
privadas que exercem funções administrativas, passando a estar consagrada e
deixar de se considerar a relevância da dicotomia entre gestões. Contudo a
falta dum regime substantivo que concretizasse a consagração da uniformização jurisdicional,
deixa na prática tudo na mesma, permanecendo a dualidade de gestões, que só com
a lei 67/2007 acaba em definitivo com esse problema, na teoria e na prática.
Em suma o art. 4º/1 ETAF define a
que jurisdição dos tribunais administrativos passa a ser feita por um critério
teleológico, ou seja o fim da atuação (principalmente das pessoas coletivas
privadas) e não como até então utilizado um critério de poder administrativo
efetivo.
Também no ETAF se refere no art. 4º/3,
que se exclui do âmbito da sua jurisdição as situações de responsabilização por
erro judiciário, pois devem pertencer a jurisdição (que não a administrativa) do
tribunal que proferiu sentença.
A descoordenação do CPTA, com a
falta dum regime substantivo que especificasse a questa da responsabilidade
civil extracontratual e apenas a existência dum regime substantivo de direito
privado (completamente pensado para as situações entre particulares) levou à
criação do regime atual que consta da Lei 67/2007, que do ponto de vista do
contencioso administrativo, no seu art. 1º/1 consagra a uniformização jurisdicional
dos atos administrativos (que incluem os atos de privados no exercício de funções
administrativas) e no número 2 a definição desse exercício de funções administrativas,
que se define por ações ou omissões no exercício de prerrogativas do poder
público ou reguladas por disposições ou princípios de Direito Administrativo.
Havendo ainda nos números
seguintes a clarificação da antiga dificuldade de distinção dos atos de gestão pública
e gestão privada e também em relação aos cargos e pessoas que por elas estão abrangidas,
números 3, 4 e 5 do art. 1º Lei 67/2007.
Em conclusão deste tema de coordenação
entre o regime processual e jurisdicional, só com esta última referida lei se
tomou consciência e ultrapassou o que o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva
refere como “um dos traumas da infância difícil do Contencioso Administrativo”.
Uma vez neste âmbito do contencioso,
a matéria da responsabilização civil extracontratual do Estado em sede dos
meios processuais é possível de duas maneiras que descreveremos.
Consagra então o CPTA, nos meios
principais não urgentes, o primeiro meio processual, a ação administrativa
comum, art. 37º.
Tal como em toda a ação judicial,
o processo inicia-se com, de entre vários outros pressupostos processuais, a formulação
de um pedido. Pedido este, em especial, de responsabilização civil
extracontratual da administração, que é tutelado pela ação administrativa comum
art. 37º/2/f CPTA, que incluem direitos de regresso; pedidos de condenação ao
pagamento de indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões
de interesse público (atos lícitos ou pelo sacrifício, art. 16º Lei 67/2007);
pedidos de condenação da administração à adoção de condutas necessárias ao
restabelecimento de direitos ou interesses violados (reconstituição natural como
preferencial e a indemnização em dinheiro apenas na impossibilidade da
primeira).
Também o art. 38º CPTA toca num
ponto sensível da responsabilidade civil extracontratual dos atos (ilegais) que
já não possam ser impugnados.
Permite-se então distanciar esta “mini-ação”
comum das “mini-ações” especiais, pois consagra a independência dos 2 possíveis
pedidos, o de responsabilização ou indemnização e o de impugnação de ato
administrativo. Ajudando com isso o art. 6º da lei 67/2007 que preceitua, em
caso de não ter sido usada a via contenciosa ou processual para acabar com o
ato jurídico, pode ainda o lesado pedir ao tribunal que analise o grau da culpa
da entidade pública e consoante isso atribua o valor da indemnização em sede de
violação de um direito ou interesse legalmente protegido.
O segundo meio processual possível
para responsabilizar a administração pelos seus atos é a ação administrativa
especial (que inclui a impugnação de atos; condenação à prática de atos; impugnação
de normas e regulamentos) cumulando o pedido com uma indemnização, nos termos
do art. 47º/1/2, sendo esta uma inovação da reforma de 2002-2004 do contencioso
administrativo, que teve a intenção de poupar tempo e dinheiro aos tribunais e
conseguir fazer numa só ação o que antes só se podia fazer no mínimo com duas (
ação administrativa de impugnação e posteriormente uma ação de
responsabilização da administração) e no máximo com três (as duas referidas
anteriormente e eventualmente uma ação executiva).
Concluindo retirou-se da
experiencia histórica, o necessário para resolver problemas do passado e adequar
à realidade atual, a questão da jurisdição, competência, e ambiguidades linguísticas
na letra da lei.
Bruno Costa Nº17207
Subturma 1
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