quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O PROCEDIMENTO SUBJACENTE À IMPUGNAÇÃO DE NORMAS NO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO


     Num processo de impugnação de normas pode pedir-se, a título principal, a declaração de ilegalidade de normas que são emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, com fundamento em vícios próprios (invalidade própria) ou decorrentes da invalidade de actos praticados no âmbito do procedimento de aprovação (invalidade derivada).
       ​O novo regime administrativo, que actualmente se encontra em vigor, primou pela uniformização do contencioso regulamentar. Foi criada uma acção qualificada em razão do pedido de impugnação das normas jurídicas.
       Manteve-se a possibilidade de apreciação incidental dos regulamentos, aquando do pedido principal de anulação de actos administrativos, que já vinha do regime anterior. 
​       Ao contrário do novo regime, antes da Reforma de 1984/1985, o contencioso regulamentar era caracterizado pela ideia de dualidade de meios processuais. Tal era de muito difícil compreensão,  uma vez que se apresentavam requisitos diferentes para realidades idênticas e possuiam também um âmbito de aplicação algo sobreposto. 
​       Esta matéria veio mesmo a encontrar consagração constitucional no art. 268°/5 CRP - há uma garantia de tutela plena e efectiva dos direitos dos paticulares em impugnar as normas administrativas que lesem os seus direitos. 
       ​A impugnação de normas administrativas é aplicável a todas as actuações jurídicas gerais e abstractas ou que têm uma dessas características, emanadas de autoridades públicas ou de particulares que com elas coaborem, no exercício da função administrativa (art. 72° e ss CPTA). 
 
​       Como era o modo de impugnação antes da Reforma de 1984/1985?    
       Podia reagir-se contenciosamente contra os regulamentos administrativos de três formas diferentes:
​​               • Via Incidental -  o regulamento era apreciado apenas indirectamente, como incidente da questão principal, pois estava em causa o recurso directo de anulação do acto administrativo; 
               • Meio Processual Genérico - era a declaração de ilegalidade de normas administrativas, independentemente do órgão ou entidade de que fosse proveniente; 
​               • Meio Processual Especial - era a impugnação de normas, mas era um meio limitado pois só respeitava a regulamentos provenientes da denominada administração local comum. 

       E actualmente, depois de finda a dicotomia dos meios processuais, como tudo se processa? O legislador também distingue três diferentes regras: 
               • Regra Geral - a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral depende da existência de três casos concretos " em que a aplicação da norma tenha sido recusada por um tribunal com fundamento de ilegalidade", independentemente de quem propõe a acção ( art. 73°/1 CPTA);
               • Regras Especiais:
                         • O art. 73°/2 CPTA indica que,  nas acções para defesa de direitos e nas acções populares pode haver impugnação de norma jurídica imediatamente exequível, não sendo necessária a prévia impugnação em três casos. No entanto, há uma especificidade,  pois a decisão apenas produz efeitos no caso concreto. Tal redacção é pouco feliz para o Professor Vasco Pereira da Silva uma vez que parece confundir a desaplicação da norma com a declaração de ilegalidade, que é o mesmo que dizer a apreciação dos regulamentos a título incidental com a principal.
                         • O art. 73°/3 CPTA indica que, tratando-se de uma acção pública, o Ministério Público pode pedir a declaração de ilegalidade sem que seja necessário que se verifiquem os três casos concretos de impugnação da norma;

       Com isto, o Ministério Público é tido como o principal responsável pelos impugnação de normas, enquanto que a actuação do particular e do actor popular fica condicionada à exigência de três casos concretos ou à limitação da produção de efeitos somente ao caso concreto.
       Esta evolução consagrou um regime jurídico mais objectivista apontando-se, no entanto, graves violações do princípio da legalidade, com a subsistência da norma considerada ilegal na ordem jurídica. Porém a dimensão subjectiva, deste novo contencioso regulamentar, também não representa uma evolução positiva, relativamente ao regime anterior à Reforma de 1984/1985.

       Para que se possa impugnar uma norma jurídica há que respeitar determinados pressupostos, são eles: 
               • Legitimidade - pertence a qualquer pessoa que alegue ser prejudicado pela aplicação da norma ou que possa vir a sê-lo num momento próximo, bem como ao Ministério Público e também, em alguns casos, aos autores populares, para  defesa dos valores comunitários referidos no art. 9° CPTA.
O CPTA assegura completamente a protecção dos titulares de direitos e interesses legalmente protegidos ao nível do caso concreto, tal como decorre da imposição constitucional;
               • Interesse - não tem que ser actual pode ser só futuro, dada a abertura à impugnação de normas por quem se sinta prejudicado ( art. 73°/1 CPTA). Há dispensa do carácter directo do interesse como condição de legitimidade;
               • Oportunidade - nos termos do art. 74° CPTA, a declaração de ilegalidade pode ser pedida a todo o tempo, enquanto a norma estiver em vigor, sem prejuízo do diferimento temporal que decorre da necessidade de verificação da recusa em três casos concretos, quando seja exigida.

       Quais os efeitos da declaração de nulidade?
       No art. 76° CPTA, a lei só se refere à declaração de ilegalidade com força obrigatória geral. Deu-se uma alteração importante que constituiu uma aproximação ao modelo de fiscalização da constitucionalidade. Os efeitos produzem-se determinando a representação das normas revogadas, sem prejuízo de o tribunal poder determinar que os efeitos se produzam apenas no futuro, quanto tal se justifique por razoes de segurança jurídica , de equidade ou de interesse público relevante. Em caso de ilegalidade superveniente da norma, os efeitos invalidatórios só se produzem a partir da entrada em vigor da norma legal violada.

       O caso de declaração de ilegalidade por omissão encontra-se previsto no art. 77° CPTA.  Verificação de uma omissão de normas, cuja adopção ao abrindo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a actos legislativos carentes de regulamentação. Verificada a existência do dever de regulamentar e julgada a ilegalidade decorrente da omissão do respectivo cumprimento, a sentença tem como efeito dar conhecimento à entidade competente, fixando o prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida (art. 77°/2 CPTA). 
       Quanto à legitimidade para a declaração de igualdade por omissão admite-se a acção popular e pública, relativamente aos interesses comunitários referidos no art. 9° bem como a a legitimidade de quem alegue um prejuízo directamente resultante da situação de omissão e tem que ser um prejuízo directo e actual. Numa situação destas o tribunal dá conhecimento à entidade competente, mas fixa um prazo não inferior a seis meses para a emanação da norma. Tal pode entender-se como uma sentença condenatória e não somente como uma recomendação ou uma comunicação.

       Fica assim explanado o modo algo complexo de como se pode impugnar as normas regulamentares no Contencioso Administrativo, quem o pode fazer, com que intuito e em que prazos. 


                                  MAFALDA  INÊS TRINDADE, 19710

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