sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Um Recurso Hierárquico Necessário ao Sabor da Maré

Que mares percorrem as ondas de normas especiais avulsas que salpicam as conquistas do novo Contencioso?

Começamos este comentário com um excerto do Acórdão 04122/08, 3/12/09, CA, 2º Juízo que decide sobre a ininpugnabilidade, contenciosa, de um ato administrativo por considerar que, nos casos especialmente previstos na lei[i], se mantém a precedência obrigatória de impugnação administrativa, através de recurso hierárquico necessário.
Segue o referido trecho:
“Conforme resulta do probatório, na ação administrativa especial que intentou contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública a aqui Recorrente impugna o Aviso nº 9579/2005, publicado no D.R., II Série, de 03/3 1/2005, e através do qual se publica, nos termos do nº 5 do art.º 34.º do DL nº 204/98, de 11 de Julho, a lista dos candidatos excluídos, entre os quais figura a A..
Sustente a Recorrente que à luz da nova ordem jurídica do CPTA (máxime dos seus 51º/1 e 59º/5), estando, como está, em causa ato imediatamente lesivo, não obsta à sua impugnação judicial a existência, no procedimento administrativo de um ato autonomamente impugnável - o ato de indeferimento do recurso hierárquico interposto.”
O concurso em causa é regulado pelo DL. nº 204/98, de 11/7, que dispõe no seu art. 43º, nº 1, que: “Da exclusão do concurso cabe recurso hierárquico, a interpor no prazo de oito dias úteis, para o dirigente máximo ou, se este for membro do júri, para o membro do Governo competente”.
Ora, o próprio Aviso nº 9579/2005 informa os candidatos da necessidade de, caso queiram impugnar a decisão de exclusão, interporem recurso hierárquico, dirigido ao Director-Geral dos Impostos, invocando expressamente o referido nº 1 do art. 43º.
Não pode, assim, considerar-se, face à indicação deste normativo legal, que o aviso configure uma mera faculdade.
(…) Efetivamente, embora o CPTA nada disponha quanto às diversas disposições legais avulsas anteriores que prevêem mecanismos de impugnação administrativa necessária, de que é exemplo o citado nº 1 do art. 43º do DL nº 204/98, o certo é que (…) a precedência obrigatória da impugnação administrativa mantém-se em relação aos casos especialmente previstos na lei.
Acórdão 04122/08, 3/12/09



Numa abordagem critica ás afirmações supra, podemos desde logo concluir que novo CPTA deixou de fazer referência no seu artigo 51º ao requisito de definitividade vertical e que, atualmente, esta é uma questão controvertida, não pacifica e manifesta, discutida na doutrina e jurisprudência.
Três questões relevantes importam clarificar aqui: A primeira relativamente à constitucionalidade ou inconstitucionalidade do antigo artigo 25º do LPTA face à nova redação do texto constitucional do artigo 268/4 CRP. A Segunda, acerca da averiguação da definitividade vertical enquanto pressuposto de impugnabilidade dos atos administrativos. E uma Terceira, conclusiva, no seguimento das anteriores, saber se as disposições legais especiais que, na vigência da revogada LPTA[ii] expressamente previam uma impugnação administrativa necessária, como condição de abertura da via contenciosa de determinados atos administrativos, se mantêm. (Com esta prende-se outra, menos relevante, o surgimento de normas, após a entrada em vigor do CPTA, que imponham recurso hierárquico como condição de impugnabilidade contenciosa).
Relativamente à primeira é largamente tratada pela Jurisprudência[iii] que se manifesta pela constitucionalidade da norma face ao consagrado na CRP. Segundo a conceção por ela seguida, observando-se a relação desta norma (já revogada, artigo 25ºLPTA) com o artigo 268º/4 da CRP, não resulta que o ato se torna irrecorrível definitivamente, nem se retira ao interessado qualquer direito, mantendo-se por isso a plenitude da tutela dos direitos dos particulares. Mais, acrescenta a Jurisprudência que do recurso hierárquico até poderão decorrer benefícios ao administrado, pois que a sua situação pode ficar logo decidida a seu favor. Assim, não pode falar-se de qualquer desconformidade entre aquele regime e a CRP, pois está em causa “um condicionamento legítimo, adequado, proporcionado e constitucionalmente fundado, do direito do recurso contencioso, e não de uma sua restrição, pois o ato é recorrível mediatamente, incorporado no ato, expresso ou silente, que decide o recurso hierárquico[iv] A acompanhar esta posição encontramos também o texto das atas da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional demostram que a alteração do texto da Constituição se baseia em razões garantísticas dos administrados, isto é, visa encontrar um meio de resposta para todos os atos lesivos dos direitos e dos interesses legalmente protegidos, evitando a “exasperação formalista” da jurisprudência em tomo dos conceitos de definitividade e executoriedade, com a consequência de ter levado a uma limitação do universo dos atos impugnáveis. Assim, o desaparecimento do requisito da definitividade não teve qualquer relação com uma eventual intenção subjetiva de desvalorizar o princípio hierárquico.
Em sentido contrário seguem outros autores, defendendo que a nova redação do artigo 268º/4 visa a “possibilidade de controlo judicial imediato dos atos dos subalternos[v] e que, por imposição constitucional, o recurso hierárquico se tomou facultativo e com ele inconstitucional o 25º da LPTA. A expurgação dos critérios da definitividade e executoriedade do texto Constitucional (artigo 268º/4), implicam a perda da ratio de norma ordinária do LPTA. Esta ideia decorre, desde logo, porque a 2ª revisão constitucional eliminou a referência à definitividade e executoriedade do ato administrativo, constante do nº3 do artº268º, na redação inicial, como condição da sua recorribilidade contenciosa, passando a referir a garantia de recurso contencioso à lesividade do ato. MARIA RIBEIRO diz-nos[vi] que, “por imposição constitucional, o recurso hierárquico se tomou facultativo e com ele inconstitucional o 25º da LPTA. O direito ao recurso contencioso contra todos os atos administrativos que lesem os direitos ou interesses legítimos particulares é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias e que beneficia do regime jurídico-constitucional especial previsto para estes direitos". Também os mais constitucionalistas, com fundamento no princípio da plenitude da tutela dos direitos dos particulares, como GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA em anotação ao artigo 268º/4 da CRP o defendem: " visto que a definitividade (ou definitividades- verticais e horizontais) do ato impugnado já não constitui um pressuposto processual para a proposição do recurso jurisdicional, então o recurso hierárquico administrativo tem de ser meramente facultativo, sendo constitucionalmente duvidoso que a lei possa estabelecer recursos hierárquicos obrigatórios." Também PAULO OTERO, afirma que na revisão constitucional de 1989 uma das inovações introduzidas pela foi retirar a exigência de definitividade e executoriedade dos atos administrativos, “não é preciso especificar que a anterior regulamentação jurídica da matéria fica revogada, (…) há uma outra ideia de direito (…) que envolve a existência de um animus abrogandi implícito”. Assim, se demonstra que a questão não é pacífica e que o entendimento Jurisprudencial merece crítica.
Quanto à segunda questão, parece resultar do art.º51/1 CPTA que o critério de impugnabilidade contenciosa dos atos é a sua lesividade ou a sua eficácia externa[vii]. Das soluções consagradas nos artº51º e 59º, nº4 e 5 decorre a regra de que a utilização de vias de impugnação administrativa não é necessária à impugnabilidade contenciosa. Assim, na ausência de uma determinação legal expressa e de acordo com a nova lógica do CPTA, os artigos 51º e 59º/4 e 5, deve entender-se que os atos administrativos com eficácia externa são imediatamente impugnáveis perante tribunais administrativos.
No entanto, na mesma linha da controvérsia acerca da inconstitucionalidade da norma do LPTA, também agora se levantam algumas dúvidas na doutrina e na jurisprudência sobre a manutenção do critério da definitividade vertical, nomeadamente, face à existência de normas avulsas que mantém o recurso hierárquico na mira prévia à impugnação nos tribunais. Assim, trataremos a segunda e a terceira questão como sendo uma só, pois são indissociáveis nesta matéria.
Na defesa da manutenção de um critério de definitividade vertical, não enquanto requisito[viii] geral[ix], mas enquanto critério aplicável a algumas disposições legais especificas de opção consciente e deliberada pelo legislador, encontramos também em sua defesa a jurisprudência[x] e algumas correntes na doutrina[xi] que expõem um leque de argumentos em sua defesa. O primeiro e mais frequentemente apontado, nomeadamente por MARIO AROSO DE ALMEIDA e MÁRIO E RODRIGO DE OLIVEIRA, é a natureza especial das normas avulsas. A norma do artigo 51º/1 tratar-se-ia de uma norma geral, e as leis avulsas com impugnações administrativas necessárias leis especiais, desde que se possa afirmar “não existir uma lesão injustificada ou desproporcionada do princípio da tutela jurisdicional efetiva”. Desta forma, o novo artigo não tem como consequência revogação das “múltiplas determinações legais avulsas que instituem impugnações administrativas necessárias, disposições que só poderiam desaparecer mediante disposição expressa que determinasse que todas elas se considerassem extintas”. Um outro argumento para esta ideia é o da economia processual, assim, para evitar gastos desnecessários, e entupimento da justiça administrativa, bastaria a instauração de recurso hierárquico, pois o mesmo poderia ser até favorável ao particular. Nesta situação, estar-se-ia a assim a recorrer aos tribunais como uma forma de resolução de litígios que nunca precisariam de por ele ser julgados. Lógica semelhante á do processo civil, em que primeiramente é possível utilizar meios de resolução dos litígios que não levem a uma utilização desnecessária dos tribunais. E assim se compreende o terceiro argumento, relacionado com a falta de interesse em agir, pois a partir do momento em que se instaura um recurso hierárquico o sistema de justiça deve estar disponível situações de situações de necessidade de tutela judicial que nas se concretizem num interesse em agir em juízo, o que de todo não se verifica em que a decisão do recurso hierárquico fosse deferida, pois, com o deferimento não se vislumbra qualquer interesse e necessidade na tutela judicial. Segue-se a posição desta parte da doutrina no que toca à desconcentração, pois esclarecem o porquê da não violação da desconcentração da administração consagrada no artigo 267º/2 CRP. Ainda que esta implique a recorribilidade direta de atos dos subalternos sempre que lesivos, as situações em que o recurso hierárquico é necessário têm haver respeito pelo disposto na CRP, que, como se verifica após a sua leitura, não exige uma desconcentração total, prevendo exceções: “sem prejuízo da eficácia e unidade da Administração e dos poderes de direção, tutela e superintendência dos órgãos competentes.” Assim, é a intenção constitucional haver lugar a esta impugnação administrativa sempre que se mostre adequado e conveniente e, como se acrescenta, apenas nas situações em que a lei não tenha optado por competências exclusivas dos subalternos ou não abra a possibilidade de delegação (ou esta não tenha sido utilizada).Quanto à discussão do artigo 268º/4, diz-nos VIEIRA DE ANDRADE que esse artigo “visa conferir aos cidadãos o direito ao recurso contencioso, contra qualquer ato de autoridade lesivo dos seus direitos” sendo o recurso hierárquico necessário comparável a qualquer outro pressuposto processual que se possa impor
Pelo contrario, pelo abandono, total, do critério da definitividade vertical e inconstitucionalidade/ ou esvaziamento (conforme se considerem essas normas inconstitucionais desde a revisão constitucional, ou conforme se considerem revogadas face á nova redação do CPTA) das normas especiais que o consagram pronuncia-se outra parte da doutrina. É defendido também que o que existe são norma antigas avulsas, com base num regime jurídico material e processual diferente da atualidade e do direito administrativo. O artigo 51º/1 permite a impugnabilidade de qualquer ato, quer de subalterno, quer de superior hierárquico, o que vale quer para as normas do CPTA quer para disposições que leis avulsas consagrem. Esta ideia restritiva de apenas alguns atos se encontrarem necessariamente sujeitos a recurso hierárquico, não pode ser aceite, trata-se de uma interpretação “minimalista[xii]. Porque, observando as regras especiais que impõe recurso, como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, do ponto de vista do novo contencioso, sendo desnecessária a impugnação administrativa prévia, porquê a sua exigência quanto a algumas normas? Tal tratar-se-ia de “criar uma nova categoria conceptual: a do recurso hierárquico necessário desnecessário.” Mais, a própria ideia de manutenção das regras especiais em face de uma regra geral perde o seu sentido, o artigo 51ºnº1, enquanto ideia subjacente ao novo CPTA, tem implicitamente em vista a revogação de todas as normas que após a sua entrada em vigor tenham diferente regime jurídico. As leis avulsas seriam meramente confirmativas e portanto com a revogação da regra geral, não é necessário referir que todas as outras repetições dessa regra são também revogadas Entendimento contrario valeria, no máximo, para normas posteriores à reforma, que no entanto, sofreriam de caducidade por falta de objeto. Assim, a exigência de recurso hierárquico em normas avulsas anteriores ao regime, para este sector da doutrina, é uma questão que perde o seu fundamento e utilidade, a partir do momento em que nascem novas garantias de acesso à via contenciosa. Se o recurso hierárquico necessário tinha como pressuposto a possibilidade de recorrer aos meios contenciosos, porque razão mante-lo, se todo e qualquer ato é passível de ser impugnado direitamente? Com esta justificação se afastam os argumentos de economia processual e interesse em agir. A partir do momento em que entra em vigor o novo CPTA, o artigo 51ºdota todo e qualquer ato e, por isso, quem o impugna de interesse, nada resta para manter esse entendimento. Acrescenta VASCO PEREIRA DA SILVA a inconstitucionalidade do artigo 27º da LCTA face ao artigo 268/4, e a consequente inconstitucionalidade de normas avulsas posteriores à revisão constitucional e anteriores ou posteriores à alteração legislativa do CPTA, ainda que rejeitada, deveria pelo menos ser repensada. Pois a nova reforma propugna exatamente esse entendimento ao excluir no artigo 51º do CPTA aquilo que autores já haviam defendido excluir da LPTA, e acrescentando princípios, como o do artigo 7º CPTA que postulam que o “mérito” deve prevalecer sobre as formalidades, devendo ser evitadas diligências inúteis (artigo 8º/2). São também relevantes, além do princípio constitucional da plenitude da tutela dos direitos dos particulares e tutela (artigo 268º/4 CRP), outros princípios como o da separação de poderes (artigo 114º e 205 CRP) do qual se extraí a ausência de dependência das garantias judiciais e garantias administrativas, o princípio da desconcentração (artigo 267º/2), que postula a recorribilidade dos atos dos subalternos, quando lesivos, de forma imediata, sem impedir o modelo hierárquico de organização administrativa (artigo 142º CPA, o superior hierárquico mantém a competência revogatória). A favor destas teses temos ainda a importância do artigo 59/4 e 5º CPTA no que toca ao efeito suspensivo do prazo de impugnação contenciosa quando utilizada garantia administrativa. O particular pode impugnar administrativamente sem que precluda o prazo de impugnação contenciosa e pode até, nos termos no número 5, impugnar contenciosamente e imediatamente, mesmo que previamente utilize garantia administrativa. Assim, parece também aqui que o recurso hierárquico se torna desnecessário e não assume a função de medida prévia à impugnação em tribunal, pois o particular pode usar primeiramente a via judicial, ou escolhendo usar primeiro a via administrativa não deixa de poder utilizar imediatamente a via judicial. Com base nos argumentos supra encontramos, assim, as razões justificativas para a correta interpretação do artigo 51º/1 e da sua relação com as diversas normas avulsas que impõe o recurso hierárquico: uma relação meramente facultativa, que deixa de fazer depender o acesso ao juiz de um prévio recurso hierárquico.
Com, base nas três questões supra expostas e no leque de argumentos apresentados, não posso deixar de tomar posição. Ainda que dúvidas tinha acerca da inconstitucionalidade do artigo 27º da LPTA, estou convicta que o recurso hierárquico necessário é hoje uma realidade ultrapassada. Primeiramente, quanto à primeira problemática, é certo que, com a consagração do princípio da plenitude da tutela dos direitos dos particulares no artigo 268º/4, se vise totalmente o acesso dos particulares aos meios contenciosos, no entanto, não resulta que o ato se torna irrecorrível nem se retira ao interessado qualquer direito e até porque as funções garantisticas não colidem com a manutenção do recurso hierárquico desde que, na sequência deste, não se vede o acesso ao meios contenciosos. Não obstante, é uma discussão delicada e não deixo de indagar se, ao expurgar os critérios da definitividade e executoriedade do texto Constitucional (art. 268º nº 4), tal não manifesta uma intenção inequívoca de qualquer manifestação de definitividade. Este entendimento não choca também com o princípio da separação de poderes e da desconcentração face á ressalva feita no artigo 267º/2, Ainda assim, se tenho algumas dúvidas nesta questão, com a alteração legislativa de 2004, que foi a meu ver fundamental, alterando complemente este cenário. Se dúvidas tinha que da alteração constitucional resultava a desnecessidade de recurso hierárquico, com o desaparecimento do artigo 27º, a única chama que mantinha o nexo de existência deste mecanismo, com a sua revogação (do artigo 27º), essa chama desapareceu, deixando de haver qualquer paralelismo a fazer entre as normas constitucionais e as exigências legais de impugnação administrativa. Pois resulta agora expressamente do artigo 51º/1 a ausência da definitividade vertical enquanto pressuposto de impugnabilidade e, consequentemente, a eliminação do mesmo em todas as normas avulsas confirmativas do regime em vigor com a LPTA. Se anteriormente podia duvidar que princípios constitucionais chocassem com a existência de recurso hierárquico, isto é, que se pudesse manter em conformidade com os mesmos, hoje desaparece essa possibilidade de “choque” com a sua eliminação enquanto requisito de impugnabilidade. Assim, quanto à segunda e à terceira questões, adoto a posição rejeitada pela jurisprudência e defendida, entre outros, por VASCO PEREIRA DA SILVA, PAULO OTERO, GOMES CANOTILHO e MARIA RIBEIRO. Inclino-me a concordar com a posição que mais se identifica com um contencioso de cariz subjetivista, sem qualquer exigência de esgotamento prévio das garantias administrativas como condição de acesso à via contenciosa. Tal como afirma VASCO PEREIRA DA SILVA, essa não é mais do que uma manifestação do velho contencioso baseado num sistema de administrador juiz. São de rejeitar argumentos como o da especialidade, pois não se tratam aqui de normas especiais, mas sim de normas que foram implicitamente revogadas pelo artigo 51º/1, pois o seu sentido confirmativo (face ao artigo 25º) perde agora o sentido. Rejeita-se também a defesa da economia processual e interesse em agir, pois sendo garantido o acesso judicial sem prévio recurso hierárquico seria contraditório, face à sua desnecessidade, exigi-lo por razões de economia processual, sobrepondo-a à tutela pena dos direitos dos particulares. O próprio artigo 51º/1 recusa qualquer ideia de definitividade vertical, tratando-se de um ato lesivo, ou com eficácia externa, pode ser impugnado, não há aqui falta de interesse pela ausência de impugnação prévia administrativa, quando foi intenção do legislador eliminar essa exigência. Mais, a dupla garantia quer de não preclusão do prazo, quer de na pendencia de impugnação administrativa se facultar a impugnação contenciosa, demonstram que o recurso hierárquico como desnecessário à via judicial foi a ratio da construção deste artigo, pois ele demonstra que em qualquer caso, sem prévio recurso, é possível impugnar contenciosamente, ou seja, que é facultativo. Nesta medida, toda a “onda” de normas avulsas perdidas pelas “mares” das leis ordinárias foram implicitamente revogadas, perderam a sua função confirmativa e colidem com a lógica de um novo contencioso, subjetivista, sem prévias garantias administrativas das quais dependa o acesso ao juiz. Essa lógica advém claramente do novo CPTA e manifesta também a opção constitucional que, embora eliminando a exigência de definitividade vertical, deixava ainda margem ao legislador ordinário em manter um recurso hierárquico que não vedasse a possibilidade de impugnação contenciosa. Discordo assim do acórdão que abriu esta crítica e reitero uma nova ponderação das razões que justificam a opção pela manutenção do recurso hierárquico necessário, principalmente, pela jurisprudência. Se novas marés nascem de uma intervenção legislativa, velhas gotas se rendem à força das novas ondas. O velho recurso hierárquico necessário navega agora, facultativamente, pelas novas correntes do Contencioso Administrativo.



[i] Por exemplo: artº73º/75º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local
[ii] Artigo 25º LPTA: Atos recorríveis 1 – “Só é admissível recurso dos atos definitivos e executórios”.
[iii] Por exemplo, os acórdãos: 499/96, STA de 16.02.94 (AD 400-383), o 17.11.94 (AD 401 -512, o STA de 4.5.95, R. 35259, o STA de 9.07.96, R. 38827, STA de 16.02.94, R. 32904, STA de 27.05.97). De todos eles extraímos o mesmo entendimento: “Com efeito, haverá de concluir-se que o nº 1 do artº 25º da LPTA não é materialmente inconstitucional” Acórdão 01510/98
[iv] Ac. do STA de 4.5.95, R. 35259.
[v] Vasco Pereira da Silva, Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, p. 347
[vi] Maria Teresa de Melo Ribeiro - In revista "Direito e Justiça" da F.D.U. Católica Portuguesa (vol. VI pag. 365 e segs. e Vol. Vll, pag. 191 e segs.)
[vii] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divâ da Psicanálise, p. 342
[viii] Deixou de ser requisito expresso a exigência dos atos provirem de órgãos superiores da pessoa coletiva, com poderes para vincular em última instância, para que pudessem ser diretamente e imediatamente impugnáveis
[ix]Mário Aroso de Almeida, o Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, p.174
[x]Quer o acórdão citado 04122/08, bem como o acórdão 01061/06, ambos posteriores à grande reforma, quer o, posteriores à revisão Constitucional de 1989, seguem este entendimento: “quer o TC, quer o STA, têm mantido o entendimento da não inconstitucionalidade de tais normas, alegando que a eliminação do conceito de ato administrativo e executório e a sua substituição, no texto do artigo 268.º, n.º 4 da CRP, pelo ato lesivo não impede o legislador ordinário de estipular pressupostos processuais específicos para a impugnação contenciosa dos atos administrativos” Acórdão 04122/08.
[xi] Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vo. I p.347.. No mesmo sentido, Mário Aroso de Almeida: “se essa imposição envolve um condicionamento excessivo, desproporcionado e, por isso ilegítimo do direito fundamental de acesso à justiça administrativa.”
[xii] Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, p. 355



Daniela Tavares
Nº 19566

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