No contencioso administrativo vigora o princípio da livre
cumulabilidade de pedidos. Este princípio, entendido como um corolário do
princípio da tutela jurisdicional efectiva[1],
encontra-se plasmado no artº 4º CPTA, resultando do mesmo que os vários tipos
de pretensões podem ser deduzidos conjuntamente, no âmbito de um só processo,
desde que haja uma conexão entre eles no que respeite ao facto de a causa de
pedir ser idêntica e única, ou de os pedidos se encontrarem numa relação de
prejudicialidade e dependência entre si, ou de a sua procedência depender
essencialmente da apreciação dos mesmos factos e da aplicação das mesmas
normas. Deste modo, a possibilidade de cumulação de pedidos no âmbito de um
único processo para além de simplificar o acesso à justiça, consiste num
importante mecanismo de efectivação da plena tutela jurisdicional[2].
No âmbito da temática em análise destaca-se uma questão
relevante que diz respeito à eventual existência, neste domínio, de um ónus, quando
o interessado pretenda que um determinado acto administrativo de conteúdo
positivo seja substituído por outro acto de conteúdo diferente. A cumulação de
pedidos é uma faculdade do interessado, ou seja, este pode optar por exercê-la
ou não. No entanto parece que neste caso não é possível que o interessado peça
a condenação sem proceder à impugnação do acto[3].
O acto administrativo em causa constitui uma vantagem na
esfera jurídica de um beneficiário , vantagem essa que é incompatível com a
satisfação das pretensões do interessado. No entanto, não basta a anulação do
acto, uma vez que o que o interessado pretende acima de tudo é a sua
substituição. Assim, o art. 42º nº2 a) CPTA permite que o interessado cumule o
pedido de impugnação com um pedido de substituição do acto por outro: este
artigo adequa-se na perfeição a estes actos de conteúdo ambivalente[4].
O art. 42º nº3 CPTA
consagra uma solução que surgiu com a reforma do contencioso administrativo e que
teve por influência a evolução a nível do direito comparado (esta solução já
era permitida na Alemanha e em França, por exemplo)[5].
Tendo em conta o artigo referido, parece evidente que o interessado pode
impugnar apenas o acto sem que tenha de cumular esse pedido de impugnação com o
pedido de substituição do mesmo.
Então e quando o interessado peça a substituição do acto
sem pedir a sua anulação ou declaração de nulidade? Neste caso parece que se
exige uma cumulação. Quem pede que a Administração Pública substitua um acto apontando
como fundamento a sua ilegalidade, coloca em causa essa ilegalidade, ou seja,
pede ao tribunal que anule o acto[6].
Consequentemente, o tribunal não deve ser dispensado de se pronunciar sobre o
mérito da causa[7].
São apontadas pela doutrina algumas considerações que o
tribunal pode/deve tomar quando se verifique a situação supra referida. Assim,
entende-se que o tribunal tem a possibilidade de considerar que o pedido de
impugnação se encontra implicitamente deduzido no pedido de condenação,
nomeadamente, para que se profira a respectiva pronúncia constitutiva[8].
Por outro lado, aponta-se, igualmente, a possibilidade de o tribunal qualificar
o pedido como um pedido de condenação da Administração Pública a revogar por
substituição o acto administrativo existente, sendo o mesmo admitido, desde que
se verifiquem os seus pressupostos processuais[9].
Vera
Martins
Nº 19893
[1] AMARAL, Diogo Freitas do,/ALMEIDA,
Mário Aroso de, Grandes Linhas da Reforma
do Contencioso Administrativo, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 67.
[2] AMARAL, Diogo Freitas do,/ALMEIDA,
Mário Aroso de, Grandes Linhas da Reforma
do Contencioso Administrativo, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 67.
[3] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra,
Almedina, 2012, p. 70.
[4] Estes
actos definem positivamente a situação dos seus beneficiários e, por outro
lado, mesmo que apenas de forma implícita, negativamente a situação de outros
interessados.
[5] AMARAL, Diogo Freitas do,/ALMEIDA,
Mário Aroso de, Grandes Linhas da Reforma
do Contencioso Administrativo, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p.73.
[6]
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra,
Almedina, 2012, pp. 295 e 296.
[7] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra,
Almedina, 2012, p. 295.
[8] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra,
Almedina, 2012, p. 296.
[9] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra,
Almedina, 2012, p. 296 – aponta-se, no entanto um risco inerente a esta
solução: o de já ter expirado o prazo dentro do qual a Administração Pública tem
a possibilidade de revogar o acto no momento em que o tribunal se pronuncie a
título final.
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