quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A cumulação de pedidos e os actos de conteúdo ambivalente


No contencioso administrativo vigora o princípio da livre cumulabilidade de pedidos. Este princípio, entendido como um corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva[1], encontra-se plasmado no artº 4º CPTA, resultando do mesmo que os vários tipos de pretensões podem ser deduzidos conjuntamente, no âmbito de um só processo, desde que haja uma conexão entre eles no que respeite ao facto de a causa de pedir ser idêntica e única, ou de os pedidos se encontrarem numa relação de prejudicialidade e dependência entre si, ou de a sua procedência depender essencialmente da apreciação dos mesmos factos e da aplicação das mesmas normas. Deste modo, a possibilidade de cumulação de pedidos no âmbito de um único processo para além de simplificar o acesso à justiça, consiste num importante mecanismo de efectivação da plena tutela jurisdicional[2].

No âmbito da temática em análise destaca-se uma questão relevante que diz respeito à eventual existência, neste domínio, de um ónus, quando o interessado pretenda que um determinado acto administrativo de conteúdo positivo seja substituído por outro acto de conteúdo diferente. A cumulação de pedidos é uma faculdade do interessado, ou seja, este pode optar por exercê-la ou não. No entanto parece que neste caso não é possível que o interessado peça a condenação sem proceder à impugnação do acto[3].
O acto administrativo em causa constitui uma vantagem na esfera jurídica de um beneficiário , vantagem essa que é incompatível com a satisfação das pretensões do interessado. No entanto, não basta a anulação do acto, uma vez que o que o interessado pretende acima de tudo é a sua substituição. Assim, o art. 42º nº2 a) CPTA permite que o interessado cumule o pedido de impugnação com um pedido de substituição do acto por outro: este artigo adequa-se na perfeição a estes actos de conteúdo ambivalente[4].

O  art. 42º nº3 CPTA consagra uma solução que surgiu com a reforma do contencioso administrativo e que teve por influência a evolução a nível do direito comparado (esta solução já era permitida na Alemanha e em França, por exemplo)[5]. Tendo em conta o artigo referido, parece evidente que o interessado pode impugnar apenas o acto sem que tenha de cumular esse pedido de impugnação com o pedido de substituição do mesmo.

Então e quando o interessado peça a substituição do acto sem pedir a sua anulação ou declaração de nulidade? Neste caso parece que se exige uma cumulação. Quem pede que a Administração Pública substitua um acto apontando como fundamento a sua ilegalidade, coloca em causa essa ilegalidade, ou seja, pede ao tribunal que anule o acto[6]. Consequentemente, o tribunal não deve ser dispensado de se pronunciar sobre o mérito da causa[7].

São apontadas pela doutrina algumas considerações que o tribunal pode/deve tomar quando se verifique a situação supra referida. Assim, entende-se que o tribunal tem a possibilidade de considerar que o pedido de impugnação se encontra implicitamente deduzido no pedido de condenação, nomeadamente, para que se profira a respectiva pronúncia constitutiva[8]. Por outro lado, aponta-se, igualmente, a possibilidade de o tribunal qualificar o pedido como um pedido de condenação da Administração Pública a revogar por substituição o acto administrativo existente, sendo o mesmo admitido, desde que se verifiquem os seus pressupostos processuais[9].

Vera Martins
Nº 19893



[1] AMARAL, Diogo Freitas do,/ALMEIDA, Mário Aroso de, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 67.
[2] AMARAL, Diogo Freitas do,/ALMEIDA, Mário Aroso de, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p. 67.
[3] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012, p. 70.
[4]  Estes actos definem positivamente a situação dos seus beneficiários e, por outro lado, mesmo que apenas de forma implícita, negativamente a situação de outros interessados.
[5] AMARAL, Diogo Freitas do,/ALMEIDA, Mário Aroso de, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2007, p.73.
[6] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 295 e 296.
[7] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012, p. 295.
[8] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012, p. 296.
[9] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012, p. 296 – aponta-se, no entanto um risco inerente a esta solução: o de já ter expirado o prazo dentro do qual a Administração Pública tem a possibilidade de revogar o acto no momento em que o tribunal se pronuncie a título final.

Sem comentários:

Enviar um comentário