domingo, 16 de dezembro de 2012

Duas questões que surgem a propósito do processo urgente do contencioso eleitoral


Este pequeno estudo, que se insere no âmbito do blogue “Sofá do Contencioso” da subturma 1 do 4º ano da Faculdade de Direito de Lisboa, pretende abordar a temática relativa ao contencioso eleitoral, incidindo mais especificamente tanto na delimitação deste conceito, como também nos pressupostos exigidos (no âmbito desta forma de processo especial urgente) para que os actos sejam susceptíveis de impugnação.

O contencioso eleitoral corresponde a um tipo de processo abrangido pelas impugnações urgentes, previstas nos artigos 97º a 103º CPTA, que consistem em formas de processo urgentes. Assim, adianta-se, desde já, que nas situações em análise existe uma necessidade urgente de se obter uma decisão sobre o mérito da causa.

O contencioso eleitoral em questão é referido no artigo 4º nº1 m) ETAF que o define como “contencioso eleitoral  relativo a órgãos de pessoas colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal” e que atribui aos tribunais administrativos a jurisdição de litígios que o tenham por objecto. Aliás, o próprio artigo 97º nº1 CPTA afirma que o âmbito dos processos urgentes do contencioso eleitoral coincide com a impugnação de actos administrativos em matéria eleitoral cuja apreciação tenha sido atribuída à jurisdição administrativa. Mas importa densificar de forma mais concreta este conceito de contencioso eleitoral, distinguindo, nomeadamente, o contencioso eleitoral administrativo  do contencioso eleitoral político.
Esta distinção releva particularmente,  tendo em conta, não só o artigo 113º nº7 CRP que afirma a competência dos tribunais  para o “julgamento da regularidade e da validade dos actos de processo eleitoral”, mas também o facto de o Tribunal Constitucional ser competente para o julgamento de recursos em matéria de contencioso eleitoral relativos às eleições  para a Assembleia da República, as Assembleias Legislativas Regionais, os órgãos do poder local e a escolha dos deputados para o Parlamento Europeu[1].

Há quem proceda à distinção supra referida atendendo à qualidade do eleitor. Segundo este critério, o contencioso eleitoral político abrange os litígios em que a capacidade eleitoral se baseia na qualidade do cidadão, enquanto que o contencioso eleitoral administrativo engloba os litígios em que essa capacidade advém de um determinado estatuto (ou seja, da inserção numa específica categoria profissional, ou de uma certa qualidade que se define em cada eleição).[2]  No entanto, parece mais adequado considerar a instrumentalidade do contencioso eleitoral político relativamente à formação da vontade política do povo a nível nacional, regional e local e entender o contencioso eleitoral administrativo como respeitante, tanto a actos de segundo grau em relação aos actos eleitorais políticos, como a órgãos electivos da Administração autónoma[3].
Seguindo este último entendimento , facilmente se conclui que apesar de o contencioso eleitoral ser um contencioso constitucional  (decorrendo daí a opção de o confiar ao Tribunal Constitucional), a sua estrutura corresponde à estrutura de um contencioso administrativo, não apenas porque o seu objecto diz respeito a conflitos resultantes de uma actividade administrativa, mas também por os recursos eleitorais seguirem o processo das acções contenciosas administrativas[4].

Surge ainda uma outra questão relativa ao âmbito dos processos urgentes do contencioso eleitoral: há quem entenda que as eleições nas pessoas colectivas privadas (ainda que sejam de interesse público, ou de utilidade pública administrativa, e mesmo que estejam em causa funções públicas de autoridade), não integram o âmbito de jurisdição administrativa[5].

Igualmente inserido na temática do contencioso eleitoral, destaca-se um outro assunto: no âmbito dos processos urgentes do contencioso eleitoral, quais os actos impugnáveis?
O artigo 98º CPTA estabelece alguns desvios ao artigo 97º CPTA, que, por sua vez, remete, em matéria de pressupostos processuais no âmbito dos processos urgentes do contencioso eleitoral, para o regime da acção administrativa especial.
Assim, para que um acto administrativo seja susceptível de ser impugnado, é necessário que o mesmo respeite ao acto eleitoral propriamente dito ou que implique a exclusão ou omissão nos cadernos ou nas listas eleitorais. Por outro lado, esse acto (a menos que seja relativo à exclusão ou omissão de eleitores nos cadernos/listas eleitorais) se for anterior ao acto eleitoral, isto é, se consistir num acto que não corresponda ao acto final do procedimento relativo ao apuramento de resultados, não é impugnável (assim o dispõe o artigo 98º nº3 CPTA)[6].  Deste modo, deve observar-se o princípio da impugnação unitária e a regra da definitividade horizontal, apesar de os mesmos terem sido abandonados pelo artigo 51º CPTA[7].


Vera Martins
Nº 19893



[1] Conforme indicam o artigo 223º nº2 c) CRP e o artigo 8º da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
[2] BARROS, Manuel Freire,  Conceito e natureza jurídica do recurso contencioso eleitoral, Coimbra, Almedina, 1998, pp. 65 e ss., apud MIRANDA, Jorge, O contencioso eleitoral português, p. 699.
[3] MIRANDA, Jorge, “O contencioso eleitoral português”, p. 700.
[4] MIRANDA, Jorge, “O contencioso eleitoral português”, p. 700; MOREIRA, Vital, “O Direito Administrativo na Constituição”, AB UNO AD OMNES – 75 anos da Coimbra editora, Coimbra, 1998, pp.1151 e ss. apud MIRANDA, Jorge, “O contencioso eleitoral português”, p. 700.
[5] ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, Almedina, 2012, pp. 223 e 224.
[6] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012, p. 339.
[7] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012, p. 339. Diferentemente, o prof. Vieira de Andrade considera que os litígios resolvidos pelo contencioso eleitoral podem dizer respeito ao acto eleitoral, mas também podem ser relativos ao respectivo procedimento, devendo observar-se o princípio da aquisição progressiva - ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, Almedina, 2012, p. 225.

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