Este pequeno estudo, que se
insere no âmbito do blogue “Sofá do Contencioso” da subturma 1 do 4º ano da
Faculdade de Direito de Lisboa, pretende abordar a temática relativa ao
contencioso eleitoral, incidindo mais especificamente tanto na delimitação
deste conceito, como também nos pressupostos exigidos (no âmbito desta forma de
processo especial urgente) para que os actos sejam susceptíveis de impugnação.
O contencioso eleitoral
corresponde a um tipo de processo abrangido pelas impugnações urgentes,
previstas nos artigos 97º a 103º CPTA, que consistem em formas de processo
urgentes. Assim, adianta-se, desde já, que nas situações em análise existe uma
necessidade urgente de se obter uma decisão sobre o mérito da causa.
O contencioso eleitoral em
questão é referido no artigo 4º nº1 m) ETAF que o define como “contencioso
eleitoral relativo a órgãos de pessoas
colectivas de direito público para que não seja competente outro tribunal” e
que atribui aos tribunais administrativos a jurisdição de litígios que o tenham
por objecto. Aliás, o próprio artigo 97º nº1 CPTA afirma que o âmbito dos
processos urgentes do contencioso eleitoral coincide com a impugnação de actos
administrativos em matéria eleitoral cuja apreciação tenha sido atribuída à jurisdição
administrativa. Mas importa densificar de forma mais concreta este conceito de
contencioso eleitoral, distinguindo, nomeadamente, o contencioso eleitoral
administrativo do contencioso eleitoral
político.
Esta distinção releva
particularmente, tendo em conta, não só
o artigo 113º nº7 CRP que afirma a competência dos tribunais para o “julgamento da regularidade e da
validade dos actos de processo eleitoral”, mas também o facto de o Tribunal
Constitucional ser competente para o julgamento de recursos em matéria de
contencioso eleitoral relativos às eleições
para a Assembleia da República, as Assembleias Legislativas Regionais, os
órgãos do poder local e a escolha dos deputados para o Parlamento Europeu[1].
Há quem proceda à distinção
supra referida atendendo à qualidade do eleitor. Segundo este critério, o
contencioso eleitoral político abrange os litígios em que a capacidade
eleitoral se baseia na qualidade do cidadão, enquanto que o contencioso
eleitoral administrativo engloba os litígios em que essa capacidade advém de um
determinado estatuto (ou seja, da inserção numa específica categoria
profissional, ou de uma certa qualidade que se define em cada eleição).[2] No entanto, parece mais adequado considerar a
instrumentalidade do contencioso eleitoral político relativamente à formação da
vontade política do povo a nível nacional, regional e local e entender o
contencioso eleitoral administrativo como respeitante, tanto a actos de segundo
grau em relação aos actos eleitorais políticos, como a órgãos electivos da
Administração autónoma[3].
Seguindo este último
entendimento , facilmente se conclui que apesar de o contencioso eleitoral ser
um contencioso constitucional
(decorrendo daí a opção de o confiar ao Tribunal Constitucional), a sua
estrutura corresponde à estrutura de um contencioso administrativo, não apenas porque
o seu objecto diz respeito a conflitos resultantes de uma actividade
administrativa, mas também por os recursos eleitorais seguirem o processo das
acções contenciosas administrativas[4].
Surge ainda uma outra questão
relativa ao âmbito dos processos urgentes do contencioso eleitoral: há quem
entenda que as eleições nas pessoas colectivas privadas (ainda que sejam de
interesse público, ou de utilidade pública administrativa, e mesmo que estejam
em causa funções públicas de autoridade), não integram o âmbito de jurisdição
administrativa[5].
Igualmente inserido na
temática do contencioso eleitoral, destaca-se um outro assunto: no âmbito dos
processos urgentes do contencioso eleitoral, quais os actos impugnáveis?
O artigo 98º CPTA estabelece
alguns desvios ao artigo 97º CPTA, que, por sua vez, remete, em matéria de
pressupostos processuais no âmbito dos processos urgentes do contencioso
eleitoral, para o regime da acção administrativa especial.
Assim, para que um acto
administrativo seja susceptível de ser impugnado, é necessário que o mesmo
respeite ao acto eleitoral propriamente dito ou que implique a exclusão ou
omissão nos cadernos ou nas listas eleitorais. Por outro lado, esse acto (a
menos que seja relativo à exclusão ou omissão de eleitores nos cadernos/listas
eleitorais) se for anterior ao acto eleitoral, isto é, se consistir num acto
que não corresponda ao acto final do procedimento relativo ao apuramento de
resultados, não é impugnável (assim o dispõe o artigo 98º nº3 CPTA)[6]. Deste modo, deve observar-se o princípio da
impugnação unitária e a regra da definitividade horizontal, apesar de os mesmos
terem sido abandonados pelo artigo 51º CPTA[7].
Vera
Martins
Nº
19893
[1] Conforme indicam o artigo 223º nº2 c) CRP e o artigo
8º da Lei 28/82 de 15 de Novembro.
[2] BARROS, Manuel Freire,
Conceito e natureza jurídica do recurso contencioso eleitoral,
Coimbra, Almedina, 1998, pp. 65 e ss., apud
MIRANDA, Jorge, O contencioso eleitoral
português, p. 699.
[3] MIRANDA, Jorge, “O contencioso
eleitoral português”, p. 700.
[4] MIRANDA, Jorge, “O contencioso
eleitoral português”, p. 700; MOREIRA, Vital, “O Direito Administrativo na
Constituição”, AB UNO AD OMNES – 75 anos da Coimbra editora, Coimbra, 1998,
pp.1151 e ss. apud MIRANDA, Jorge, “O
contencioso eleitoral português”, p. 700.
[5] ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administrativa (Lições),
Coimbra, Almedina, 2012, pp. 223 e
224.
[6] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo,
Coimbra, Almedina, 2012, p. 339.
[7] ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo,
Coimbra, Almedina, 2012, p. 339. Diferentemente, o prof. Vieira de Andrade
considera que os litígios resolvidos pelo contencioso eleitoral podem dizer
respeito ao acto eleitoral, mas também podem ser relativos ao respectivo
procedimento, devendo observar-se o princípio da aquisição progressiva -
ANDRADE, José Carlos Vieira de, A Justiça
Administrativa (Lições), Coimbra, Almedina, 2012, p. 225.
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