terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Arbitragem no Contencioso Administrativo


Justiça não é o monopólio exclusivo do Estado. Os conflitos judiciais podem ser resolvidos através dos tribunais arbitrais, por acordo ou convenção das partes, atribuindo-se assim legitimidade a estes, que não são órgãos de soberania, para deliberarem e resolverem os litígios através de sentenças com força de caso julgado, observando-se um exercício privado da função jurisdicional. 
Este acordo pode ter como objecto um litígio já existente (compromisso arbitral) ou um litígio que possa emergir potencialmente (cláusula compromissória), e podem conformar os poderes de decisão do tribunal arbitral, atribuindo o poder de decidir de acordo com equidade, e se assim não for, estes tribunais devem aplicar o direito como fariam os tribunais comuns.
O art 209º/2  da CRP, confere este exercício, a estas instituições, e fundamenta a existência das mesmas pelo corrolário retirado do art 20/1 "acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva", considerando-se assim um direito de natureza constitucional, que não se esgota na tutela judicial dispensada através dos tribunais comuns.
Podemos assim caracterizar a arbitragem como um instrumento geral de resolução de conflitos por acordo entre as partes, alternativa ao tribunal estatal, não sendo a função jurisdicional exclusiva dos tribunais estatais.

A admissibilidade do recurso à arbitragem no Direito Público revelou inicialmente algumas dificuldades, pelo simples facto, de se observar uma fuga da Administração para o campo do Direito Privado, pela celebração de convenções de arbitragem. No entanto, são ultrapassadas na medida em que as pessoas colectivas públicas têm a mesma capacidade de direito privado do que as pessoas colectivas privadas, e o que não quer dizer que a via arbitral seja generalizada a todos os casos, pois o tribunal arbitral é vocacionado para lidar com interesses das partes, mas não se conjuga com outros interesses como o interesse público, pelo que não seria adequada a vinculação da Administração ao juízo de árbitros em relaçao a matérias que envolvam o risco de prejudicar o interesse público.

A recente abertura da justiça administrativa à arbitragem é vista como uma vantagem face aos tribunais Estaduais. Este sistema de justiça é capaz de dar uma resposta cabal para os múltiplos litígios de cariz juridico-administrativo e fiscal. Essa resposta é requisito de justiça e cidadania e também de condição de reforma e bom funcionamento da administração pública. A sua natureza mais reservada e menos formalista do processo arbitral tem potencial para favorecer uma justiça célere, humanizada e próxima. Esta proximidade permite uma discussão construtiva dos diferendos administrativos e fiscais, conseguindo-se evitar o efeito colateral não desejado, de um funcionamento mais solene e com um andamento processual mais pesado, dos tribunais do Estado.
Cria-se assim um procedimento que seja realmente eficiente e capaz de produzir decisões isentas, rápidas e tecnicamente sólidas que resolvem os conflitos, pois o prazo para a decisão arbitral, desde a constituição do tribunal, é de seis meses (prorrogavel por mais seis meses) e para além de que já nao cabe recurso, atingindo-se assim mais facilmente a decisão arbitral final.
À parte de todos estes ganhos, o Estado também vai beneficiar com o facto de se transferir para o sector privado, alguns custos do orçamento judicial,  e consequentemente desentupindo o trabalho dos tribunais judiciais.

A arbitrabilidade é a qualidade ou aptidão para que o litígio possa ser submetido a arbitragem, ou seja, a um tribunal arbitral. A mesma surge como requisito de validade da convenção da arbitragem, da constituição do tribunal arbitral e da validade da sentença arbitral, sob pena de ser considerada nula segundo o disposto no art.3º da Nova Lei da Arbitragem Voluntária (NLAV).
A aferição da arbitrabilidade passa pela distinção entre dois planos: a arbitrabilidade objectiva e a subjectiva. A primeira respeita à natureza do litígio, ou seja, o seu objecto, e a segunda à qualidade das partes envolvidas.
A arbitrabilidade objectiva torna-se muito importante para analisar e estudar a nova versão da LAV, de 2011, e o contexto da versão antiga de 1986. Os critérios para a sua determinação passam pela: disponibilidade do direito, patrimonialidade da pretensão e ordem pública.

Na sua versão de 1986, reconduzia-se à disponibilidade do direito controvertido como critério geral e principal para aferir a arbitrabilidade dos litígios, os restantes critérios funcionavam apenas subsidiariamente. O art 1.º/1 da lei nº. 31/86 (antiga LAV), dispõe que não seriam arbitráveis os litígios que respeitassem a direitos indisponíveis, ou seja, direitos que não podem constituir ou extinguir por acto da vontade como por exemplo, direitos de alimentos, ou de personalidade. 
O critério da disponibilidade reconduz-se à disponibilidade absoluta ou forte, o que significa que se consideram inarbitráveis aqueles litígios em que se impede, em todos os casos e circunstancias a constituição ou disposição por vontade das partes. No entanto nas situações em que as partes após a constituiçao efectiva do direito na sua esfera jurídica, podem dispor dele livremente, já será admissivel a sua submissão a arbitragem, o que significa que são arbitráveis os litígios relativos a direitos indisponíveis em sentido fraco.
Os critérios subsidiários não estavam previstos na antiga LAV, surgiram por referência à insuficiência da aplicação do critério da disponibilidade do direito. Raul Ventura criticou a disponibilidade como requisito da arbitrabilidade por não descobrir uma ligação necessária entre este e a influência da vontade das partes, mais propriamente, "nega que um julgamento por um tribunal arbitral de litígio sobre direito indisponível afecte a indisponibilidade do direito".
Surge assim a necessidade de se prever um critério da patrimonialidade da pretensão, como subsidiário, que assenta na arbitrabilidade dos litígios atinentes a direitos cujo interesse seja susceptível de uma avaliação pecuniária. No entanto este também não resolve todos os problemas, pois há direitos patrimoniais sobre os quais os seus titulares não podem dispor livremente devido à natureza dos interesses que lhes estão subjacentes, como por exemplo, certas matérias relativas a contratos de trabalho, logo seriam insusceptíveis de serem submetidos a arbitragem.
Já o critério da ordem pública, que dominou durante largos anos a doutrina francesa, assume que sempre que estivesse na presença de uma norma de ordem pública, ficaria excluida a possibilidade de submissão do litígio à arbitragem, funcionando como um limite ao poder decisório dos árbitros.

Face à actual versão da LAV (lei nº 63/2011) o critério geral aplicavél para aferir a arbitrabilidade dos litígios altera-se e passa a ser o critério da patrimonialidade da pretensão. A mudança fundamenta-se nas dificuldades de aplicação do critério da disponibilidade a certas matérias e as dúvidas que levantava nesse sentido. Assim segundo o art 1º./1 da NLAV os litígios que respeitem a interesses de natureza patrimonial serão arbitráveis , desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do estado ou a arbitragem necessária. 
Num plano secundário está o critério da transigibilidade/ disponibilidade do direito controvertido (nº2).
A arbitrabilidade face ao critério geral, assume uma maior flexibilidade, na medida em que independentemente da natureza da relação jurídica controvertida manifestar-se-ão sempre afloramentos patrimoniais, mesmo que sobre os direitos controvertidos possa ser celebrada transacção, daí podendo resultar interesses de carácter patrimonial e consequentemente atribuir-se as partes o direito de submeter o litígio a arbitragem. Este critério possibilita o alargamento máximo das situações susceptíveis de serem arbitradas, até um limite do considerado razoável no nosso ordenamento jurídico.

Relativamente à arbitrabilidade subjectiva, considera-se que todos os sujeitos jurídicos privados podem submeter litígios à arbitragem, pois dispõem de capacidade de gozo para ser parte numa convenção de arbitragem, isto é, no negócio jurídico bilateral nos termos do qual as partes acordam submeter a arbitragem a um litígio, determinando-se a jurisdição do tribunal.


Este novo corpo normativo da LAV tem por objectivo dotar o país de um quadro normativo moderno em sintonia com standarts internacionais, criandos condições para se desenvolver a arbitragem internacional.
A arbitragem no contencioso administrativo vem prevista nos artigos 180º e ss do CPTA, que deve ser complementado com a NLAV. O CPTA acolhe-a como lei especial, ressalvando também a possibilidade de serem arbitrados conflitos que respeitem a contratos, inclusive a apreciação de actos administrativo relativos à execução dos mesmos (art 4º/b)/e)/f) do ETAF); responsabilidade civil extracontratual; actos administrativos que possam ser revogados sem fundamento na sua invalidade, ou seja, os casos enquadráveis no art 140 do CPA; litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público quando não estejam em causa direitos indisponíveis ou que não resultem de acidente de trabalho ou doença profissiconal.

Especificidades:
A arbitragem está excluida para a responsabilidade civil por prejuizos decorrentes de actos praticados no exercicio da função política e legislativa ou da função jurisdicional, nos termos do art 185 do CPTA, cabendo aos tribunais administrativos a competência exclusiva destas questões nos termos do art 4º/1/ alinea g) do ETAF.

No que toca a contratos administrativos a LAV admite em termos restritivos a sua arbitragem, no que toca ao Estado e outras pessoas colectivas públicas. o art 1º/1 apenas admite-a havendo autorização por lei especial ou se estiverem em causa, relações de direito privado. Nos nossos dias o Código de Contratos Publicos (CCP) serve de lei especial, não obstante de não existir uma referência geral à arbitragem, que também não seria necessária pois trata-se de um problema processual logo a sua solução não teria de ser encontrada num código de direito substantivo que é o CCP. O tratamento específico sera desnecessário pelo facto de o CPTA já a admitir no art 180º/1/a.

Segundo o art 181º do CPTA, o tribunal arbitral funciona nos termos da LAV, não obstante de entender-se que as normas especiais sobre este assunto no âmbito de direito administrativo prevalecem sempre sobre as normas da LAV (lei especial prevalece sobre lei geral). A exigência de lei especial para a constituição de tribunal arbitral no âmbito do direito administrativo vai também nesse sentido.

As partes podem considerar abrangidas na convenção, não só apenas questões de natureza contenciosa em sentido estrito, mas também as relacionadas com a necessidade de precisar, completar, actualizar ou rever contratos, nos termos do art 1º/4 da LAV, disposição esta que também pode ser aplicada no âmbito de relações jurídicas administrativas.

O regime da arbitragem no direito administrativo comporta certas especialidades que o CPTA acautela.
Nos termos do art 184º do CPTA, a outorga do compromisso arbitral por parte do Estado deve ser objecto de despacho do ministro da tutela, despacho esse que compete, tratando-se de outras pessoas colectivas públicas, ao presidente do respectivo órgão dirigente, ou governo regional e ao órgão autárquico que desempenha funções executivas. Não existindo este despacho, não existe compromisso arbitral.
Segundo o art 186º/2 do CPTA, pode haver recurso da sentença arbitral, mais propriamente para o TCA. No entanto há que ter em atenção o art 39º/4 da NLAV (especial face ao CPTA) que só admite recurso para tribunal estadual se as partes tiverem previsto expressamente esta possibilidade na convenção e desde que a causa não tenha sido decidida segundo a equidade.
De acordo com o art 186º/1 do CPTA as decisões dos árbitros podem ser anuladas pelo TCA,nos termos gerais em que um tribunal judicial pode anular as decisões arbitrais, ou seja nos termos do art 46º/4 da NLAV.
A anulação da decisão arbitral é objecto de significativas alterações formais e substanciais. Atendendo aos aspectos formais, a acção de anulação deixa de ser uma acção tramitada sob forma de acção ordinaria recorrível em dois graus, para passar a ser tramitada como se tratasse de um recurso de apelação, da competência do Tribunal da Relação ou do Tribunal Central Administrativo, consoante a natureza do litígio, sendo passível apenas de recurso para o STJ ou STA, dentro dos limites em que este é admitido pela lei processual aplicável.
O prazo para intentar a acçao de anulação passa de trinta para sessenta dias (46/6 NLAV) 


Mariana Silva
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