O âmbito da jurisdição administrativa - Litígios excluídos do
âmbito da jurisdição administrativa. - Notícia: "Madeira gastou cinco milhões em projecto de hospital que
não construiu"
O
art.º 212 nº3 da CRP, indica que “ Compete aos tribunais administrativos e
fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto
dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e
fiscais.” Surge aqui a questão de
saber se neste preceito se consagra uma reserva material absoluta de
jurisdição, atribuída aos tribunais administrativos, que terá assim um duplo
sentido:
-os
tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito administrativo
-Só
os tribunais administrativos poderão julgar tais questões.
Para
o Professor José Carlos Vieira de Andrade, a interpretação mais razoável para
este preceito parece ser aquela que consagra os tribunais administrativos como
tribunais comuns em matéria administrativa. Elucida-nos ainda este professor
que, “foi essa a interpretação, que esteve na base da reforma legislativa de
2002, que redefiniu o âmbito da jurisdição administrativa em termos que não
coincidem inteiramente com a definição substancial da justiça administrativa
determinada pela Constituição”. Porém, ainda que se entenda que existe uma
reserva material absoluta da jurisdição administrativa, não perderia igualmente
sentido o critério orgânico da delimitação da justiça administrativa, dado que,
como veremos adiante com o exemplo da notícia,
a própria constituição atribui a outros tribunais o julgamento de questões
emergentes de relações jurídicas administrativas.
Segundo
o critério orgânico, a justiça administrativa compreende exclusivamente a resolução
das questões de direito administrativo que sejam atribuídas à ordem judicial
dos tribunais administrativos. Dado que não existe uma correspondência directa
entre justiça materialmente administrativa e jurisdição administrativa, tem
este critério uma relevância autónoma. Tal critério, tem relevância na
determinação do âmbito da justiça administrativa sempre que à jurisdição
administrativa não for atribuída a competência para conhecer de todas as
questões de direito administrativo e exclusivamente dessas questões. O que já
considerámos ser possível, dado que, se crê que não esteja previsto no art.º
112º nº3 da CRP, uma reserva material absoluta de jurisdição, mas apenas que se
retira desse preceito que são os tribunais administrativos os tribunais comuns
em matéria administrativa. Todavia, não sendo conclusivo a nível constitucional
o alcance da definição material da justiça administrativa, terá que se
determinar o âmbito da jurisdição administrativa ao nível da legislação
ordinária que regula a competência dos tribunais administrativos. Além da
competência geral prevista no ETAF, temos também em legislação especial
matérias específicas, que acabam por conter normas que podem significar uma
atribuição ou uma subtracção relativamente a essas competências comuns.
Parece,
por isso que se pode considerar que há litígios de matéria administrativa que
ficam excluídos do âmbito da jurisdição administrativa. Sendo que, este assunto
será aqui abordado em torno da notícia.
E ainda daqui, os pontos em que irei incidir serão: O relatório de auditoria
feito pelo Tribunal de contas, que considerou que os factos serão aptos a
originar responsabilidade financeira. E referir-me-ei, muito brevemente, dado
que parece que se encaixa também aqui, ao assunto expropriação.
Nos
termos da nossa Lei Fundamental não pertencem aos tribunais de jurisdição
administrativa os poderes que esta, no art.º 214.º e a lei 98/97 de 26 de
Agosto na redacção mais recente 3-B/2010 de 28 de Abril conferem ao Tribunal de
Contas.
O
Tribunal de Contas é instituído pela Constituição e pela Lei, como tribunal.
Para o professor Mário Aroso de Almeida, trate-se este Tribunal de um órgão
complexo, que para além de uma função jurisdicional, também exerce funções
consultivas e de controlo administrativo, que se concretizam na emissão de
relatórios de auditoria e de verificação de contas, de pareceres sobre a conta
geral do estado, as contas das Regiões Autónomas, de recomendações e de
decisões de concessão ou recusa de vistos prévios. Em todo o caso, considera-se
que o seu âmbito de competência é definido por referência à legalidade
financeira, cuja violação lhe compete, prevenir, apurar e reprimir.
No
confronto entre a jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o
Tribunal de Contas, interessam-nos as funções jurisdicionais do TC, na medida
em que são essas funções, que “colidem” com a competência dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, dado que, são materialmente idênticas às destes.
Porém, as funções do TC, caracterizam-se na apreciação da legalidade de
decisões administrativas, e o que realmente faz com que as funções dos
Tribunais Administrativos não choquem com as do TC, é que essas funções, apesar
de materialmente idênticas, são realizadas para efeitos distintos. A fiscalização
da legalidade administrativa a que procede o Tribunal de Contas é realizada
para efeitos diversos daqueles a que são chamados os tribunais administrativos.
Essas funções processam-se, por isso, segundo formas claramente diversas de
processo.
Com efeito o TC, é um órgão de controlo de
actividade financeira pública, cujos poderes incidem sobre a generalidade da
actividade de gestão relativa às receitas e despesas públicas no propósito de
assegurar a observância da legalidade objectiva. È aqui de referir a opinião do
Professor Mário Aroso de Almeida, que considera, que o que foi referido pode
explicar o facto de o TC ter vindo a adoptar uma concepção clara e crescentemente
mais abrangente, do que os tribunais administrativos, na “definição” do que é o
controlo da legalidade.
Na
notícia, o Governo Regional da Madeira,
gastou mais de cinco milhões de euros, no projecto de um novo Hospital (cuja
construção decidiu suspender há uma ano). Depois de ter expropriado terrenos e
deslocado famílias. O Tribunal de Contas, elaborou um relatório de auditoria,
em que considerou que os factos, que vêm referidos na notícia,
são aptos a originar responsabilidade financeira sancionatória.
Indica
o art.º 57º da lei 97/98 de 26 de Agosto, que “sempre que os relatórios das
acções de controlo do Tribunal, bem como os relatórios das acções dos órgãos de
controlo interno, evidenciem factos constitutivos de responsabilidade
financeira, os respectivos processos são remetidos ao Ministério Público...”
Parece, que se enquadra aqui a nossa notícia, dado que no relatório elaborado
pelo TC se considerou que os factos são aptos a originar responsabilidade
financeira. Por isso, ao abrigo do art.º 57º e 58º da mesma lei, parece que é ao
Ministério público que compete a iniciativa de promover a efectivização de
eventuais responsabilidades financeiras, através de processos de julgamento de
contas e de responsabilidade financeira.
A
questão das expropriações faz parte de uma das disposições normativas contidas
em diplomas legais avulsos, que consagram soluções derrogatórias do critério
geral, impondo aos tribunais judiciais incumbência de dirimir litígios jurídico
administrativos. Logo, o regime de fixação de indemnizações devidas por
expropriações e outros actos impositivos de sacrifícios que vêm regulados no
código das expropriações, fazem também parte dos litígios excluídos do âmbito
da jurisdição administrativa.
Contudo
isto, parece ser então de concluir que a jurisdição administrativa é uma
jurisdição própria e a principal da matéria administrativa. Não obstante, da
possibilidade da atribuição pontual a outros tribunais do julgamento de
questões substancialmente administrativas. Como são exemplos o caso da fiscalização
pelo Tribunal de Contas, referido no art.º 114º da CRP e na lei 98/97 de 26 de
Agosto, e a matéria de expropriações, referida no código das expropriações. A notícia, segue como ilustração de que
realmente, os Tribunais Administrativos e Fiscais são tribunais comuns em
matéria administrativa, mas que não lhes é atribuía uma reserva material e
absoluta dessa matéria.
Liliana
Alexandra Pereira Fernandes nº 19697
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