domingo, 16 de dezembro de 2012

O âmbito da jurisdição administrativa - Litígios excluídos do âmbito da jurisdição administrativa.


O âmbito da jurisdição administrativa - Litígios excluídos do âmbito da jurisdição administrativa. - Notícia: "Madeira gastou cinco milhões em projecto de hospital que não construiu"




O art.º 212 nº3 da CRP, indica que “ Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.” Surge aqui a questão de saber se neste preceito se consagra uma reserva material absoluta de jurisdição, atribuída aos tribunais administrativos, que terá assim um duplo sentido:

-os tribunais administrativos só poderão julgar questões de direito administrativo

-Só os tribunais administrativos poderão julgar tais questões.

Para o Professor José Carlos Vieira de Andrade, a interpretação mais razoável para este preceito parece ser aquela que consagra os tribunais administrativos como tribunais comuns em matéria administrativa. Elucida-nos ainda este professor que, “foi essa a interpretação, que esteve na base da reforma legislativa de 2002, que redefiniu o âmbito da jurisdição administrativa em termos que não coincidem inteiramente com a definição substancial da justiça administrativa determinada pela Constituição”. Porém, ainda que se entenda que existe uma reserva material absoluta da jurisdição administrativa, não perderia igualmente sentido o critério orgânico da delimitação da justiça administrativa, dado que, como veremos adiante com o exemplo da notícia, a própria constituição atribui a outros tribunais o julgamento de questões emergentes de relações jurídicas administrativas.

Segundo o critério orgânico, a justiça administrativa compreende exclusivamente a resolução das questões de direito administrativo que sejam atribuídas à ordem judicial dos tribunais administrativos. Dado que não existe uma correspondência directa entre justiça materialmente administrativa e jurisdição administrativa, tem este critério uma relevância autónoma. Tal critério, tem relevância na determinação do âmbito da justiça administrativa sempre que à jurisdição administrativa não for atribuída a competência para conhecer de todas as questões de direito administrativo e exclusivamente dessas questões. O que já considerámos ser possível, dado que, se crê que não esteja previsto no art.º 112º nº3 da CRP, uma reserva material absoluta de jurisdição, mas apenas que se retira desse preceito que são os tribunais administrativos os tribunais comuns em matéria administrativa. Todavia, não sendo conclusivo a nível constitucional o alcance da definição material da justiça administrativa, terá que se determinar o âmbito da jurisdição administrativa ao nível da legislação ordinária que regula a competência dos tribunais administrativos. Além da competência geral prevista no ETAF, temos também em legislação especial matérias específicas, que acabam por conter normas que podem significar uma atribuição ou uma subtracção relativamente a essas competências comuns.

Parece, por isso que se pode considerar que há litígios de matéria administrativa que ficam excluídos do âmbito da jurisdição administrativa. Sendo que, este assunto será aqui abordado em torno da notícia. E ainda daqui, os pontos em que irei incidir serão: O relatório de auditoria feito pelo Tribunal de contas, que considerou que os factos serão aptos a originar responsabilidade financeira. E referir-me-ei, muito brevemente, dado que parece que se encaixa também aqui, ao assunto expropriação.

Nos termos da nossa Lei Fundamental não pertencem aos tribunais de jurisdição administrativa os poderes que esta, no art.º 214.º e a lei 98/97 de 26 de Agosto na redacção mais recente 3-B/2010 de 28 de Abril conferem ao Tribunal de Contas.

O Tribunal de Contas é instituído pela Constituição e pela Lei, como tribunal. Para o professor Mário Aroso de Almeida, trate-se este Tribunal de um órgão complexo, que para além de uma função jurisdicional, também exerce funções consultivas e de controlo administrativo, que se concretizam na emissão de relatórios de auditoria e de verificação de contas, de pareceres sobre a conta geral do estado, as contas das Regiões Autónomas, de recomendações e de decisões de concessão ou recusa de vistos prévios. Em todo o caso, considera-se que o seu âmbito de competência é definido por referência à legalidade financeira, cuja violação lhe compete, prevenir, apurar e reprimir.

No confronto entre a jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o Tribunal de Contas, interessam-nos as funções jurisdicionais do TC, na medida em que são essas funções, que “colidem” com a competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais, dado que, são materialmente idênticas às destes. Porém, as funções do TC, caracterizam-se na apreciação da legalidade de decisões administrativas, e o que realmente faz com que as funções dos Tribunais Administrativos não choquem com as do TC, é que essas funções, apesar de materialmente idênticas, são realizadas para efeitos distintos. A fiscalização da legalidade administrativa a que procede o Tribunal de Contas é realizada para efeitos diversos daqueles a que são chamados os tribunais administrativos. Essas funções processam-se, por isso, segundo formas claramente diversas de processo.

 Com efeito o TC, é um órgão de controlo de actividade financeira pública, cujos poderes incidem sobre a generalidade da actividade de gestão relativa às receitas e despesas públicas no propósito de assegurar a observância da legalidade objectiva. È aqui de referir a opinião do Professor Mário Aroso de Almeida, que considera, que o que foi referido pode explicar o facto de o TC ter vindo a adoptar uma concepção clara e crescentemente mais abrangente, do que os tribunais administrativos, na “definição” do que é o controlo da legalidade.

Na notícia, o Governo Regional da Madeira, gastou mais de cinco milhões de euros, no projecto de um novo Hospital (cuja construção decidiu suspender há uma ano). Depois de ter expropriado terrenos e deslocado famílias. O Tribunal de Contas, elaborou um relatório de auditoria, em que considerou que os factos, que vêm referidos na notícia, são aptos a originar responsabilidade financeira sancionatória.

Indica o art.º 57º da lei 97/98 de 26 de Agosto, que “sempre que os relatórios das acções de controlo do Tribunal, bem como os relatórios das acções dos órgãos de controlo interno, evidenciem factos constitutivos de responsabilidade financeira, os respectivos processos são remetidos ao Ministério Público...” Parece, que se enquadra aqui a nossa notícia, dado que no relatório elaborado pelo TC se considerou que os factos são aptos a originar responsabilidade financeira. Por isso, ao abrigo do art.º 57º e 58º da mesma lei, parece que é ao Ministério público que compete a iniciativa de promover a efectivização de eventuais responsabilidades financeiras, através de processos de julgamento de contas e de responsabilidade financeira.

A questão das expropriações faz parte de uma das disposições normativas contidas em diplomas legais avulsos, que consagram soluções derrogatórias do critério geral, impondo aos tribunais judiciais incumbência de dirimir litígios jurídico administrativos. Logo, o regime de fixação de indemnizações devidas por expropriações e outros actos impositivos de sacrifícios que vêm regulados no código das expropriações, fazem também parte dos litígios excluídos do âmbito da jurisdição administrativa.

Contudo isto, parece ser então de concluir que a jurisdição administrativa é uma jurisdição própria e a principal da matéria administrativa. Não obstante, da possibilidade da atribuição pontual a outros tribunais do julgamento de questões substancialmente administrativas. Como são exemplos o caso da fiscalização pelo Tribunal de Contas, referido no art.º 114º da CRP e na lei 98/97 de 26 de Agosto, e a matéria de expropriações, referida no código das expropriações. A notícia, segue como ilustração de que realmente, os Tribunais Administrativos e Fiscais são tribunais comuns em matéria administrativa, mas que não lhes é atribuía uma reserva material e absoluta dessa matéria.

Liliana Alexandra Pereira Fernandes nº 19697










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