Na determinação do dever de agir qual o
momento temporalmente relevante?
O objectivo desta reflexão é aferir se as
alterações fácticas e jurídicas supervenientes, têm ou não relevância no âmbito
da ponderação que se realiza para determinar se um acto é legalmente devido ou
não, ou seja, é essencial perceber como modificações legislativas que ocorrem
depois da propositura da acção, por exemplo, têm impacto nas posições jurídicas
tanto da Administração como dos particulares em causa na altura da sentença.
Como posições de princípio, e tendo em conta a
ponderação e análise realizadas pela doutrina e jurisprudência alemãs, podemos
discriminar com base nas diferentes vias processuais e em função da pretensão
manifestada pelo demandante.
Como tal estando em causa o
chamado Anfechtungsklage, ou seja, uma situação em que se pretende a anulação
de um acto através da sua impugnação, e tendo em conta que o que está em causa
é a conformação legal de um acto já ditado previamente à propositura da acção,
então o ponto essencial é escrutinar se o acto em causa estava conforme à lei
vigente à data da sua emissão pela Administração, logo nesta situação,
posteriores modificações legislativas que o pudessem, na teoria, afectar na sua
legalidade serão irrelevantes, permitindo então concluir que o momento
relevante assenta na data de emissão do acto.
Já no âmbito de uma acção de
condenação da Administração, e apontando como tal a pretensão para o futuro,
tendo sempre presente a necessidade clara do respeito pelo direito ao contraditório
no espaço do existente direito de defesa das partes, o momento relevante
assenta em principio no regime jurídico vigente na data da sentença, podendo
ainda assim as partes alegar alterações supervenientes. No entanto uma
distinção pode ser explicitada, dado que se o que está em discussão é um
direito do particular, no âmbito de um reconhecimento de um direito, por
exemplo, cuja satisfação poderá ser alcançada pela pratica de acto
administrativo, então, uma vez preenchidos os pressupostos à data do pedido de
satisfação dessa mesma pretensão, o Tribunal deverá conceder o pedido, como tal
relevando aqui o momento em que a pretensão foi formulada; já se o problema que
se coloca diz respeito à compulsão da Administração a tomar determinado procedimento
que se refira por exemplo (sem pretensão de exaustividade), a uma conduta de
inspecção, de organização de determinado serviço ou mesmo de sanção;
beneficiando essa mesma actuação administrativa o interesse do particular
demandante, então o momento relevante não pode, em principio, ser definido de
outra forma que não pela conformação ao direito vigente no momento da sentença,
e como tal no momento de levar a cabo a actuação administrativa, visto que se
trata aqui da Administração ajustar a sua conduta ao Direito, não podendo o
Tribunal condenar, neste tipo de situação, a Administração a tomar uma atitude
contrária ao Direito vigente, pois não faria, como posição de partida, o menor
sentido.
Não obstante a análise realizada ao transmitir
esta orientação de princípio, não há lugar aqui à sonegação de determinados
problemas que podem ser levantados; uma aplicação demasiado estrita da solução
apontada acima, não pode deixar de nos colocar algumas interrogações, na medida
em que o emprego desta resolução pode conduzir a um benefício totalmente
ilegítimo de uma Administração que recusou ilegalmente uma pretensão do
demandante, prejudicando assim o particular e colocando a Administração
incumpridora em melhor posição do que a que teria se tivesse actuado de acordo
com o Direito, ora não parece aceitável que assim suceda, ou pelo menos que
essa avaliação não tenha de ser ponderada. Basta pensar num particular que
apresenta um pedido a uma determinada prestação, à qual tem direito, vendo essa
pretensão ser-lhe ilegitimamente negada, propondo posteriormente acção de
condenação ao acto legalmente devido, e em que no momento da sentença, segundo
o regime vigente, depois de alterações supervenientes ao momento da
apresentação da sua pretensão inicial, conclui-se que o particular já não tem
direito à referida prestação face à transformação normativa que ocorreu.
Dentro desta linha de raciocínio,
a doutrina tem aludido por exemplo a casos referentes a atribuição de
subvenções, na medida em que a sua concessão não contende à partida com nenhum
interesse superior ou princípio fundamental; como tal daqui se pode retirar que
neste tipo de situação se o demandante tinha direito, à data da formulação da
pretensão, à respectiva subvenção, ainda que o ordenamento jurídico actual e vigente
à data da sentença negue essa possibilidade, deve ser atribuída a referida
subvenção. Isto é assim, por uma ponderação de factores que não pode deixar de
ser realizada, pois não tem sentido penalizar o particular, que agiu
correctamente e de acordo com a lei vigente à data do pedido, pela inactividade
e/ou ilegalidade da actuação administrativa, que como já foi referido não deve
ser colocada numa melhor posição enquanto Administração incumpridora, do que
teria se tivesse actuado de acordo com o regime legal à época da pretensão
formulada, daqui se concluindo pela essencialidade de delinear excepções à
regra de principio apontada acima.
O anteriormente explicado não invalida a
necessidade de nas excepções delineadas à regra de principio, haver uma ponderação
dos limites de aplicação dessas mesmas excepções, nomeadamente quando a solução
que dai resulte possa lesar princípios ou regras superiores de Direito que
estão na base da teleologia das normas excepcionadas; por exemplo, ao tomar em
consideração o pensamento do Prof. Schenke, não se pode deixar de ponderar a
contraposição entre o princípio da irretroactividade de disposições menos
favoráveis para o particular face ao interesse público e sua consequente
graduação e valoração em termos de relevância face ao referido principio.
Entende o autor supramencionado que o momento relevante para análise é o da
sentença, acrescentando depois limites que devem ser apostos a esta solução com
grande realce para o referido principio da irretroactividade de disposições
desfavoráveis ao particular, concluindo pela inadmissibilidade nesses casos de
ser concedida relevância a modificações legislativas posteriores.
Há no entanto que meditar se não
existirão situações em que o referido princípio deve ceder face a considerações
de valor superior, podendo-se invocar aqui para efeito de exposição, um exemplo
de licenciamento urbanístico em que o particular à data da sua demanda, teria
face ao ordenamento jurídico vigente à época, direito à respectiva licença, mas
que por força de uma alteração posterior no âmbito do planeamento urbanístico,
agora segundo o regime actual, impor-se-ia a recusa da licença em causa. Ora nesta
situação há que ponderar se a possível existência de um interesse público
superior, não deve fazer ceder o principio da irretroactividade de disposições
menos favoráveis, derrogando aqui em certa medida o pensamento do Prof. Schenke,
parece que esta possibilidade deve ser ponderada e analisada pelo julgador no
momento de emitir a sentença.
Penso que muitas destas considerações podem
também, no âmbito do Direito português, ter bastante aplicação e utilidade,
sendo que igualmente aqui é de explicitar como posição de principio a ideia de
que prevalecerá à partida o momento em que é emitida a sentença, uma vez que, e
tal como foi explicado atrás, o julgador não pode, como ponto de partida,
condenar a Administração a uma conduta que é no momento contrária ao
ordenamento jurídico; sendo não obstante de vincar que apesar dessa posição de
partida, não deve o particular ser lesado por alterações supervenientes à data
da emissão do seu pedido, quando estão em causa por exemplo, interesses
meramente pecuniários (sendo a atribuição de um subsidio que era devido ao
demandante um bom exemplo), uma vez que o deferimento à pretensão do particular
não põe em causa à partida, interesses superiores, nomeadamente o interesse
público de forma valorativamente suficiente em termos que permitam uma
prevalência da posição da Administração.
Carlos Neves, aluno nº 18047
Sem comentários:
Enviar um comentário