domingo, 16 de dezembro de 2012

Na determinação do dever de agir qual o momento temporalmente relevante?



Na determinação do dever de agir qual o momento temporalmente relevante?

 O objectivo desta reflexão é aferir se as alterações fácticas e jurídicas supervenientes, têm ou não relevância no âmbito da ponderação que se realiza para determinar se um acto é legalmente devido ou não, ou seja, é essencial perceber como modificações legislativas que ocorrem depois da propositura da acção, por exemplo, têm impacto nas posições jurídicas tanto da Administração como dos particulares em causa na altura da sentença.

 Como posições de princípio, e tendo em conta a ponderação e análise realizadas pela doutrina e jurisprudência alemãs, podemos discriminar com base nas diferentes vias processuais e em função da pretensão manifestada pelo demandante.
Como tal estando em causa o chamado Anfechtungsklage, ou seja, uma situação em que se pretende a anulação de um acto através da sua impugnação, e tendo em conta que o que está em causa é a conformação legal de um acto já ditado previamente à propositura da acção, então o ponto essencial é escrutinar se o acto em causa estava conforme à lei vigente à data da sua emissão pela Administração, logo nesta situação, posteriores modificações legislativas que o pudessem, na teoria, afectar na sua legalidade serão irrelevantes, permitindo então concluir que o momento relevante assenta na data de emissão do acto.
Já no âmbito de uma acção de condenação da Administração, e apontando como tal a pretensão para o futuro, tendo sempre presente a necessidade clara do respeito pelo direito ao contraditório no espaço do existente direito de defesa das partes, o momento relevante assenta em principio no regime jurídico vigente na data da sentença, podendo ainda assim as partes alegar alterações supervenientes. No entanto uma distinção pode ser explicitada, dado que se o que está em discussão é um direito do particular, no âmbito de um reconhecimento de um direito, por exemplo, cuja satisfação poderá ser alcançada pela pratica de acto administrativo, então, uma vez preenchidos os pressupostos à data do pedido de satisfação dessa mesma pretensão, o Tribunal deverá conceder o pedido, como tal relevando aqui o momento em que a pretensão foi formulada; já se o problema que se coloca diz respeito à compulsão da Administração a tomar determinado procedimento que se refira por exemplo (sem pretensão de exaustividade), a uma conduta de inspecção, de organização de determinado serviço ou mesmo de sanção; beneficiando essa mesma actuação administrativa o interesse do particular demandante, então o momento relevante não pode, em principio, ser definido de outra forma que não pela conformação ao direito vigente no momento da sentença, e como tal no momento de levar a cabo a actuação administrativa, visto que se trata aqui da Administração ajustar a sua conduta ao Direito, não podendo o Tribunal condenar, neste tipo de situação, a Administração a tomar uma atitude contrária ao Direito vigente, pois não faria, como posição de partida, o menor sentido.

 Não obstante a análise realizada ao transmitir esta orientação de princípio, não há lugar aqui à sonegação de determinados problemas que podem ser levantados; uma aplicação demasiado estrita da solução apontada acima, não pode deixar de nos colocar algumas interrogações, na medida em que o emprego desta resolução pode conduzir a um benefício totalmente ilegítimo de uma Administração que recusou ilegalmente uma pretensão do demandante, prejudicando assim o particular e colocando a Administração incumpridora em melhor posição do que a que teria se tivesse actuado de acordo com o Direito, ora não parece aceitável que assim suceda, ou pelo menos que essa avaliação não tenha de ser ponderada. Basta pensar num particular que apresenta um pedido a uma determinada prestação, à qual tem direito, vendo essa pretensão ser-lhe ilegitimamente negada, propondo posteriormente acção de condenação ao acto legalmente devido, e em que no momento da sentença, segundo o regime vigente, depois de alterações supervenientes ao momento da apresentação da sua pretensão inicial, conclui-se que o particular já não tem direito à referida prestação face à transformação normativa que ocorreu.
Dentro desta linha de raciocínio, a doutrina tem aludido por exemplo a casos referentes a atribuição de subvenções, na medida em que a sua concessão não contende à partida com nenhum interesse superior ou princípio fundamental; como tal daqui se pode retirar que neste tipo de situação se o demandante tinha direito, à data da formulação da pretensão, à respectiva subvenção, ainda que o ordenamento jurídico actual e vigente à data da sentença negue essa possibilidade, deve ser atribuída a referida subvenção. Isto é assim, por uma ponderação de factores que não pode deixar de ser realizada, pois não tem sentido penalizar o particular, que agiu correctamente e de acordo com a lei vigente à data do pedido, pela inactividade e/ou ilegalidade da actuação administrativa, que como já foi referido não deve ser colocada numa melhor posição enquanto Administração incumpridora, do que teria se tivesse actuado de acordo com o regime legal à época da pretensão formulada, daqui se concluindo pela essencialidade de delinear excepções à regra de principio apontada acima.

 O anteriormente explicado não invalida a necessidade de nas excepções delineadas à regra de principio, haver uma ponderação dos limites de aplicação dessas mesmas excepções, nomeadamente quando a solução que dai resulte possa lesar princípios ou regras superiores de Direito que estão na base da teleologia das normas excepcionadas; por exemplo, ao tomar em consideração o pensamento do Prof. Schenke, não se pode deixar de ponderar a contraposição entre o princípio da irretroactividade de disposições menos favoráveis para o particular face ao interesse público e sua consequente graduação e valoração em termos de relevância face ao referido principio. Entende o autor supramencionado que o momento relevante para análise é o da sentença, acrescentando depois limites que devem ser apostos a esta solução com grande realce para o referido principio da irretroactividade de disposições desfavoráveis ao particular, concluindo pela inadmissibilidade nesses casos de ser concedida relevância a modificações legislativas posteriores.
Há no entanto que meditar se não existirão situações em que o referido princípio deve ceder face a considerações de valor superior, podendo-se invocar aqui para efeito de exposição, um exemplo de licenciamento urbanístico em que o particular à data da sua demanda, teria face ao ordenamento jurídico vigente à época, direito à respectiva licença, mas que por força de uma alteração posterior no âmbito do planeamento urbanístico, agora segundo o regime actual, impor-se-ia a recusa da licença em causa. Ora nesta situação há que ponderar se a possível existência de um interesse público superior, não deve fazer ceder o principio da irretroactividade de disposições menos favoráveis, derrogando aqui em certa medida o pensamento do Prof. Schenke, parece que esta possibilidade deve ser ponderada e analisada pelo julgador no momento de emitir a sentença.

 Penso que muitas destas considerações podem também, no âmbito do Direito português, ter bastante aplicação e utilidade, sendo que igualmente aqui é de explicitar como posição de principio a ideia de que prevalecerá à partida o momento em que é emitida a sentença, uma vez que, e tal como foi explicado atrás, o julgador não pode, como ponto de partida, condenar a Administração a uma conduta que é no momento contrária ao ordenamento jurídico; sendo não obstante de vincar que apesar dessa posição de partida, não deve o particular ser lesado por alterações supervenientes à data da emissão do seu pedido, quando estão em causa por exemplo, interesses meramente pecuniários (sendo a atribuição de um subsidio que era devido ao demandante um bom exemplo), uma vez que o deferimento à pretensão do particular não põe em causa à partida, interesses superiores, nomeadamente o interesse público de forma valorativamente suficiente em termos que permitam uma prevalência da posição da Administração.

Carlos Neves, aluno nº 18047

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