quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Sobre a Extensão dos Efeitos das Sentenças




              Na legislação processual administrativa foi introduzido um mecanismo inteiramente novo[1], relativo à extensão extrajudicial de efeitos da sentença a situações de facto alheias ao processo em que é proferida, isto é, permite-se a quem não tenha lançado mão, no momento próprio, do meio processual adequado, fazer valer os seus interesses, em concreto, o direito de exigir que determinada entidade administrativa se comporte para com ele como se ele tivesse obtido uma sentença transitada em julgado que, na realidade, foi proferida contra essa mesma entidade em outro processo, intentado por terceiro, verificados que estejam os pressupostos. Cabe averiguar que pressupostos estão aqui em causa.

                Nos termos do art. 161º/1 CPTA, a extensão pode ser pedida relativa aos efeitos de sentenças que tenham[2]:
  • 1.       Anulado (devendo entender-se abrangidos, por coerência, situações de nulidades, anulabilidades ou inexistência) um acto administrativo desfavorável (acção administrativa especial); ou
  • 2.      Reconhecido uma situação jurídica favorável (em regra, na acção administrativa comum).
São quatro os elementos constitutivos da pretensão de extensão de efeitos de sentença administrativa de acordo com o art. 161º CPTA, a alegar e demonstrar pelo interessado (art. 342º CC):

1.       Que o interessado se encontra na mesma situação jurídica da pessoa a que se reporta a sentença transitada em julgado;
2.       Que, quanto ao interessado, não haja sentença transitada em julgado;
3.       Que os vários casos já decididos sejam perfeitamente idênticos[3];
4.       Que, no mesmo sentido, tenham sido proferidas 5 sentenças transitadas em julgado ou, existindo situações de processos em massa, nesse mesmo sentido tenham sido decididos em 3 casos os processos seleccionados segundo o disposto no artº 48º.
            
           Nos termos dos n.ºs 3 e 4, a extensão deve ser em primeiro lugar solicitada à entidade administrativa demandada e se, indeferida a pretensão ou perante omissão de pronúncia durante 3 meses[4], pode o interessado requerer o tribunal que tenha proferido a sentença, seguindo-se os trâmites do processo de execução de sentenças de anulação de actos administrativos (de notar a localização do artigo 161º no Titulo VII – Processo Executivo). Quanto a esta última situação, levantou-se na jurisprudência[5] a questão de saber se se deve atender ao sentido literal no n.º 4, quando tenha sido o Supremo Tribunal Administrativo a proferir a sentença. Tem-se decidido no sentido de ser reconhecida a competência do tribunal da causa, ou seja, daquele que proferiu decisão em 1ª instância[6], pois a entender-se o contrário, contender-se-ia com as normas de competência, a começar pela regra geral da competência territorial (cf. artº 16º do CPTA), passando pelo que estatui a norma do artº 176º do CPTA e acabando no caso no elenco de competências do STA (art. 24º do ETAF), estando ainda encontrada assim uma via para tornear a ideia de o Supremo Tribunal Administrado assumir o papel de regulador do sistema[7].

O não uso deste meio processual não pressupõe necessariamente que tenha sido proferido um acto administrativo e que este não tenha sido impugnado, mas apenas isso mesmo, isto é, que não tenha feito uso do meio processual adequado, o que nem sempre se resume à reacção judicial direccionada contra determinado acto.[8]
            

           Vieira de Andrade demonstra algumas perplexidades em relação a esta solução legal. Critica o facto de se exigirem várias sentenças (demonstrando tratar-se de uma solução demasiado estreita) e de estas poderem ser imediatamente estendidas, mediante requerimento do interessando, aos restantes. Alerta ainda para o facto de ao se permitir a extensão a quem não se fez valer de via judicial, poder vir a dar origem a uma fragilização da estabilidade do caso decidido. Levanta a questão sobre se não se devia exigir uma prova de diligência processual ou de boa fé dos beneficiados.

           Em minha opinião, existe uma razão de ser quanto à exigência de cinco sentenças transitadas em julgado, a qual assenta tão-só na necessidade de assegurar que as extensões de efeitos tenham por base orientações jurisprudenciais consistentes.[9] Também me parece que o art. 161º não determina excepcionalmente uma situação de fragilização do caso decidido; lembremo-nos, por exemplo, que até os casos de actos favoráveis, constitutivos de direitos, não impugnados podem ser revogados com fundamento em ilegalidade no prazo de um ano (art. 141º/1, do CPA), ou até pode ser posta em causa, mesmo que a título incidental, a legalidade de um acto administrativo que já não pode ser impugnado, nos termos do art. 38º CPTA.

Pretende-se, no fundo, um tratamento igualitário[10] para situações idênticas, procurando-se obviar disparidades materiais entre os administrados pela mesma entidade. Terá como contrapartida e vantagem para a administração, o descongestionamento dos tribunais administrativos, obstando-se a conglomerados processuais semelhantes (estando em causa o princípio da economia processual).



[1] Teve como fonte de inspiração a Ley de la Jurisdicción Contencioso-Administrativa Espanhola de 1998, de 13 de Júlio, art. 110º.
[2] Cfr. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa” Lições, 2011
[3] Quanto à expressão "casos perfeitamente idênticos", pronunciou-se o Ac. STA de 19-2-2009, rec. 048087-A: “não significa uma igualdade absoluta. Reporta-se a uma identidade de casos em termos de situação fáctica relevante e da sua qualificação e tratamento jurídicos, e não em termos de uma rigorosa coincidência quanto a todos os elementos de facto, mesmo que juridicamente irrelevantes”.
[4] O prazo de três meses deverá contar-se nos termos do art. ° 72° do CPA e o de dois meses nos termos do art. 144 do CPC, por força do disposto no n. 3 do art. 58° do CPTA
[5] Acs. de 18.01.2005 – Rec. 01709A/02 e de 16.11.2004 – Rec. 01709B/02
[6] Mais longe vai Luís Filipe Colaço Antunes: “não será excessivo, creio, admitir que qualquer tribunal administrativo, e não apenas o que decretou a sentença, está capacitado para determinar se existe ou não identidade de situações jurídicas.” In Cadernos de Justiça Administrativa.
[7] Cfr. Mário Aroso de Almeida, o Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2010
[8] Cfr. Ac STA de 12-05-2011, Proc. 07383/11
[9] No mesmo sentido Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, 2010: “pretende evitar-se que a extensão de efeitos se possa basear numa sentença isolada, porventura errónea”.
[10] Contra: Carla Amado Gomes, “Textos Dispersos de Direito do Contencioso Administrativo”, 2009



Liliana Piedade
n,º 19702

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