quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Duas perspectivas de um "fumus boni iuris"

A MERA DEMONSTRAÇÃO DE UMA VEROSIMILHANÇA ENTRE OS FACTOS ALEGADOS PELO REQUERENTE E A VERDADE FÁTICA[i]

O legislador através da reforma operada pelo CPTA procurou evitar que julgamento do processo principal venha resultar na inutilidade da sua decisão que poderá, consequentemente, ser responsável pela colocação do interessado numa situação de facto consumado ou numa situação em que os prejuízos sofridos inviabilizem a possibilidade de reverter à situação que teria se a ilegalidade não tivesse sido cometida[ii].
Para evitar estes perigos e de forma a manter a utilidade da decisão da ação principais, veio o art.112.º do CPTA consagrar o decretamento de medidas destinadas a garantir que a decisão a proferir no processo principal possa produzir os efeitos que lhe são próprios e, dessa forma, repor a legalidade ofendida.
Quer a alínea b) como a alínea c) do nº1 do artº120º do CPTA, fazem depender a atribuição de providências cautelares à formulação de um juízo sobre a possibilidade de êxito que o requerente tem no processo principal. Trata-se pois de um critério comum[iii] à atribuição das providências conservatórias bem como de providências antecipatórias que na verdade, postula uma formulação diferenciada[iv], consoante se trate atribuição de providências conservatórias, por um lado, e de providências antecipatórias por outro. Verifica-se então a existência de regimes diferenciados que merecem ser tratados no comentário que se segue.
Circunscrevendo, desde já, nossa análise ao requisito do «fumus boni juris»[v] nos procedimentos cautelares de natureza conservatória temos que este se basta por um juízo de simples verosimilhança que se carateriza no confronto com o exigido naquela ação por um menor grau de probabilidade (ainda que sério e fundado) da verificação da existência do facto e da violação do direito/interesse legalmente protegido. Na alínea b) satisfaz-se, no que a este ponto diz respeito, com uma formulação negativa[vi], nos termos da qual basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» pelo requerente no processo principal «ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito» para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, uma probabilidade de existência do direito «fumus boni iuris» na vertente do «fumus non malus iuris» bastando que não seja evidente a improcedência da pretensão de fundo do requerente ou a falta do preenchimento de pressupostos dos quais dependa a própria obtenção de uma pronúncia sobre o mérito da causa.
Pelo contrário, de acordo com a alínea c) (do artº120º nº1), tem de ser provável que a pretensão a formular no processo principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Nesta, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que uma situação mude a seu favor, como tal, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária, perfunctória, do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal. Consagra-se, por isso, o critério do fumus boni juris (ou da aparência do bom direito)[vii], sendo pois, no essencial, a apreciação perfunctória da aparência de bom direito a que o juiz deve proceder no âmbito dos procedimentos cautelares.
Posto isto, podemos concluir que se verifica uma evidente diferenciação de regimes para o critério da aparência de bom direito, ou seja, um critério gradualista. A sua manifestação é mais exigente quanto às providências antecipatórias, pois aqui o interessado visa obter uma prestação e a adoção de medidas que podem levar ou não à prática de acto administrativos. Sem qualquer dúvida que nestas, a graduação do risco será maior, visto que a possibilidade de atribuição de uma vantagem e de se antecipar uma utilidade da qual o interessado nem sequer possa vir a ser titular podem por em causa a segurança jurídica nunca providencia que se caracteriz por uma “perigosa” alteração do status quo. O risco da tomada de decisões injustas, por se fazer aceder o interessado a uma nova situação de vantagem, é manifestamente agravado no domínio da tutela antecipatória. Pelo contrário, quando o interessado visa a manutenção ou conservação de um direito de forma a evitar que o mesmo seja prejudicado por medidas que venham a ser adotadas, o risco será menor, pois a tutela é meramente conservatória, não se exigindo, portanto, a efetiva existência de um direito, mas sim uma mera possibilidade acompanhada da inexistência de elementos que tornem evidente a improcedência ou inviabilidade da pretensão material.

BIBLIOGRAFIA:
ALMEIDA, Mário Aroso de Almeida, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina 2012
SILVA, Vasco Pereira da, Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, 2ºEdição, Almedina
Roque, Miguel Prata, Providencias Cautelares Administrativas, Revista do Ministério Publico 127: Julho/ Setembro, 2011
ANDRADE, José Carlos Vieira, A Justiça Administrativa (Lições), 2011, 11º Edição
Acórdão TCA de 16-12-2010
Acórdão STA de 12-01-2012
Acórdão TCA 8-06-2012
Acórdão TCA 28-10-2010




[i] Miguel Prata Roque, Novas e velhas andanças do Contencioso Administrativo, cit. pág. 573 e ss
[ii] Como impressivamente se sustentou no Acórdão TCA 8-06-2012.
Outras referências jurisprudenciais se encontram: acórdão do STA de 22.01.2009 ( “… a apreciação do fumus boni iuris em processo cautelar é limitada à verificação da existência do direito invocado pelo requerente pela aparência, sem aprofundamento da questão jurídica …” ou também ainda no acórdão daquele mesmo Supremo de 07.01.2009 “… a decisão jurisdicional a adotar na providência cautelar é limitada à finalidade auxiliar de emprestar efeito útil à decisão a emitir no processo principal, limitada temporalmente e tomada em condições de urgência, sem a segurança e ponderação que são próprias da decisão da causa e, no que respeita ao direito …, consiste numa apreciação tão sumária que fica pela aparência de o direito invocado existir, em virtude de não ostentar traços que desde logo o excluam …”
[iii] Isabel Fonseca sobre este requisito refere que «a condição do fumus boni iuris, que de um modo geral está sempre prevista como condição de decretação da tutela cautelar nos diversos sistemas de direito comparado, afere-se pela provável existência do direito ameaçado ou pela apreciação das probabilidades de êxito da pretensão do requerente na causa principal» (O Debate Universitário, pág. 343).
[iv] Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, p.479
[v] Do quadro legal enunciam-se como requisitos de procedência das providencias cautelares: a) Duas condições positivas de decretamento «periculum in mora» - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação param o requerente; e o «fumus boni iuris» («aparência do bom direito») - reportado ao facto de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou de que inexistam circunstâncias que obstem ao conhecimento de mérito - «fumus non malus iuris»]; e, b) Um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados) - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa. Acórdão TCA 8-06-2012
Como nota Mário Aroso de Almeida, p.479, a atribuição de providencias não depende apenas do preenchimento alternativo das alíneas b) ou c) do arrigo 120º. Sua concessão depende da ponderação de interesses públicos e privados em presença, nº2.
[vi] O STA tem seguido também constantemente esta posição da vertente negativa do instituto do fumus boni iuris. Assim, escreveu-se no acórdão de 1/2/2007 que «o fumus boni iuris tem de dar-se como verificado sempre que a falta de fundamento da pretensão subjacente à providência não seja manifesta (ostensiva, notória), evidentemente, à luz de uma apreciação meramente perfunctória. Para este efeito a aparência de uma acção viável é suficiente» (rec. n.º 27/07; no mesmo sentido: Acs. de 22/6/2004 - rec. n.º 493-A/04, de 7/6/2006 - rec. n.º 359/06, de 14/6/2007 - rec. n.º 420/07, de 3/4/2008 - rec. n.º 18/08, de 12/11/2008 - rec. n.º 969/2008 e do TP de 6/2/2007 - rec. n.º 783/06).
[vii] Critério que, ao longo do tempo, foi elaborado pela jurisprudência e pela doutrina do processo civil



Daniela Tavares
Nº19566

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