terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Os actos destacáveis e o procedimento urgente pré-contratual



Pertencendo o contrato administrativo à categoria de contratos públicos, cabe uma breve referencia à diferença entre estes e os actos administrativos. Ora, como fácil será de depreender, o acto administrativo é mais rígido que o acto administrativo, deixando menos margem de discricionariedade À administração, uma vez que ve a sua actuação limitada pelo preenchimento de pressupostos consignados nas normas, enquanto o contrato amplia as possibilidades de actuação da administração relativamente à discricionariedade, mediante o estabelecimento de clausulas que permitem uma maior flexibilidade e eficácia na definição de uma disciplina mais adaptada À realidade.

Assim se explica o papel do regime do contencioso pré-contratual previsto nos arts. 100º ss do CPTA, tal consiste em que os particulares envolvidos tenham à sua disposição, instrumentos processuais eficazes para garantir os seus direitos e interesses legítimos na contratação pública. Daí o seu caracter urgente e destinado apenas aos contratos de empreitada, concessão de obras públicas, prestação de serviços e de fornecimento de bens (arts. 100º/1, 46º/3 CPTA). Este procedimento pré-contratual visa, não apartar desta  contratualização, os princípios a que a Administração se vê sujeita na prossecução da sua actividade unilateral. Assim, a administração terá sempre que respeitar, no âmbito do procedimento contratual, os princípios da legalidade, da transparência, da prossecução do interesse público e da imparcialidade. 

Por outro lado, não se pode olvidar a vasta legislação comunitária e labor jurisprudencial nos vários Estados Membros, que, aliás deu origem aos diplomas relativos à empreitada de obras publicas, contratos de locação e aquisição de bens e serviços que assim permitem identificar vários tipos de procedimentos administrativos, que não são uniformizáveis.  

Face ao exposto, podemos caracterizar o procedimento pré-contratual como uma sucessão de actos e formalidades mais ou menos articulados, legalmente previstos a partir do momento em que a administração publica decide contratar até ao momento da escolha do contratante (através da aceitação da proposta) e em que se tornam perfeitas as condições da contratação.

Logo e perante os actos que constituem o procedimento pré-contratual, pergunta-se quais os susceptíveis de impugnação contenciosa.

Cabe então referencia à teoria dos actos destacáveis, que teve origem em França durante o século XX, mais exactamente com o Acordão Martin. Ora, defende-se nesta teoria a possibilidade de se poder impugnar os actos que antecedem o contrato, como independentes deste, após a sua conclusão, ao contrário do que se propõe na teoria da incorporação que que todos os actos de formação do contrato, formam com este, um todo indivisível, não podendo, como tal ser analisados autonomamente.


Não obstante a discussão acerca da definição exacta de actos destacáveis, tem-se entendido que são actos que produzem efeitos jurídicos externos, autonomamente, mesmo inseridos num procedimento, e que portanto não necessitam do acto final para a produção desses efeitos (Segundo Sérvulo Correia)



Como ordem jurídica influenciada pela matriz francesa, a par de outras, entendeu-se em Portugal, que estes tipos de actos, impugnáveis autonomamente, poderiam ser praticados na fase pré-contratual e na fase de execução do contrato. Porém a exposição cingir-se-á apenas aos actos preparatórios do contrato.

Pouco consensual tem sido definir quais os actos que cabem na categoria de actos destacáveis. acáveis. Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, a adjudicação a hierarquização e a selecção de propostas, cabem no conceito de actos destacáveis. Por outro lado, Vieira de Andrade, aponta a recusa de contratar a adjudicação, a revogação da adjudicação e a selecção de propostas, como actos destacáveis. Alexandra Leitão alargou o elenco de actos destacáveis, na sua opinião, têm cabimento nesta classificação a escolha do procedimento concursal, entre outros: a omissão de actos administrativos legalmente impostos para cada um dos procedimentos concursais, a falta de convite nos procedimentos restritos, a adjudicação ou a não correspondência da minuta do contrato com as condições impostas pelo procedimento.

Vasco Pereira da Silva considerou que todos os actos administrativos são susceptiveis de impugnação contenciosa desde que visassem “(…)a produção de efeitos jurídicos” não exigindo outros pressupostos cumulativos como a criação, modificação ou extinção de direitos e deveres, excluindo apenas as meras opções materiais daqueles.



Como se sabe, tendo sido afastado, o requisito da definitividade Horizontal, esta questão dos actos destacáveis ganha ainda maior relevo, pelo que não pode deixar de ser analisado o art.51º nº1 do C.P.T.A: “Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptivel de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.” Vindo ainda o art.51º nº3 prever a possibilidade do interessado impugnar o acto final, mesmo quando não impugnou qualquer acto procedimental. Bastantes são os requisitos do interesse em agir e da legitimidade para impugnar os actos administrativos. Porém, Mário Aroso de Almeida pensa que se deve excluir a impugnação de actos meramente preparatórios, uma vez que não se projecta da esfera jurídica do interessado
Posto isto, parece estar consagrada legalmente, a teoria dos actos destacáveis, questão ainda menos duvidosa depois da reforma de 2002 que integrou no âmbito da jurisdição administrativa, as questões relativas a validade dos actos pre-contratuais e a validade e execução dos contratos em que a lei submete a um procedimento pre-contratual, regulado por normas de direitos publico.
Assim, o CPTA criou um conjunto de mecanismos que aumentaram a tutela do particular, como aliás já se fez referencia, de modo a evitar a violação de interesses e direitos legalmente protegidos, com a celebração do contrato. Estão nele abrangidos, o alargamento da legitimidade processual, a possibilidade de cumulação de pedidos e a modificação objectiva da instancia.

·         Legitimidade Processual

A legitimidade no respeitante as acçoes sobre contratos, é bastante alargada no art. 40º do CPTA.
Desta forma, é possível a quem tenha conseguido obter a anulação de um acto, ou a sua declaração de nulidade de que dependeu a celebração do contrato, através da acção especial ou do processo urgente de contencioso pré-contratual e posteriormente intentar uma acção comum sobre contratos. Estamos assim perante dois meios processuais distintos, sem no entanto, se especificar como ambos os meios se articulam.
Tem que se ter em conta porem, o interesse processual para a declaração de invalidade do acto, que coloque em causa a validade do contrato, sob pena de um qualquer terceiro aceder ao contrato sem estar nele minimamente envolvido.


·         Cumulação de pedidos

Face ao art. 4º do CPTA é possível a cumulação de pedidos, nomeadamente o pedido da impugnação de acto administrativo com o pedido de anulação ou declaração de nulidade do contrato em cujo procedimento de formação se integrava o acto impugnado.  Pela cumulação de pedidos procura-se estabelecer uma conexão mais forte entre aqueles dois meios processuais  de que o particular dispõe perante efeitos negativos sofridos pela pratica de actos administrativos relativos a formação do contrato. Cabe acrescentar que a prévia interposição de impugnação do acto destacável suspende o prazo de seis meses previsto no art. 41º do CPTA, caso em que se assim não fosse ia contra a finalidade deste mecanismo.
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       Modificação objectiva da instancia

     De acordo com o art. 63º do CPTA se durante o processo que tenha por objecto a impugnação de acto relativo a formação de contrato, este vier a ser celebrado, haverá a possibilidade de alargar o objecto daquele de forma a abranger a impugnação do próprio contrato. Neste caso estamos perante uma cumulação sucessiva (oposta à cumulação inicial do art. 47º do CPTA). Porém, coloca-se a questão de, o particular ter perdido o interesse na anulação de um acto relativo a formação do contrato, como é por exemplo, o acto concursal e por isso, já não o cumular com a impugnação do próprio contrato. Perante estes problemas não deveria estabelecer-se como obrigatória a cumulação sucessiva? Não se afigura qualquer desvantagem face a cumulação de pedidos e desta feita caso se estabelecesse como obrigatória a cumulação de pedidos de impugnação de acto relativo a formação de contrato (acto destacável) com a impugnação do proprio contrato, unificavam-se as acções no contencioso contratual, tornando-se mais salvaguardados os interesses dos particulares. Posto isto, é legitimo perguntar se face a tal consagração, não voltaríamos à velha teoria da incorporação. Porém não parece ser correcto, na medida em que a impugnação do contrato dependeria sempre da anterior impugnação do acto destacável, alias… se assim não fosse nem se falaria em cumulação de pedidos. 


        ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012.

SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2009.
NUNES, Adolfo Mesquita, O processo urgente de contencioso pré-contratual no novo código de processo dos tibunais administrativos, 2003



Teresa Fanico 
aluna nº 19496





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