terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Sentenças substitutivas - o antes, o agora (art 109º/3), e seu futuro

Durante muito tempo, vigorou em Portugal o princípio da proibição de sentenças de condenação, que basicamente definia que a Administração não poderia ser condenada em algo diferente e diverso  do pagamento de prestações pecuniárias, traço marcante do recurso de anulação. A esta proibição também se juntava a proibição de emissão de medidas cautelares de conteúdo positivo. Este entendimento baseava-se na violação do princípio da separação de poderes gerada pela emissão de sentenças condenatórias, na medida em que seria retirar à Administração a função judicial e retirar aos tribunais a função administrativa, criando uma relativa confusão entre as funções e basicamente concluiria-se que "julgar a Administração seria ainda administrar". 
Tomando em atenção aos artigos 2.º, 111.º e 216.º da CRP, retira-se que existe independência da Administração perante a Justiça, e dos seus respectivos órgãos, no entanto esta independência actualmente não significa uma proibição do juiz condenar ou ordenar comportamentos à Administração (art 268.º, nº4), mas significa uma proibição funcional de o Juiz poder ofender ou afectar o funcionamento do sistema de administração executiva.
Estávamos assim, perante uma hipervalorização do principio da separação de poderes que poderia-se avaliar como injustificável na medida em que este princípio não tem valorização absoluta, podendo ceder ou compatibilizar-se perante outros princípios como o princípio da tutela jurisdicional efectiva administrativa.

Com a Reforma de 2004, o tribunal passa a poder condenar a Administração a praticar actos devidos aos particulares, pelo simples facto de no antigo "recurso de contencioso de anulação" verificarem-se limitações à efectiva tutela jurídica das posições dos particulares, avançando-se assim para uma protecção da garantia de uma tutela jurisdicional efectiva e adequada aos interesses/direitos dos particulares exprimida pelo art 2.º do CPTA e figurada pelos artigos 20.º e 268.º/4/5 da CRP, e que basicamente é perspectiva global de toda esta reforma.

A admissibilidade de propor uma acção condenatória, marca a passagem de um contencioso administrativo objectivista em excesso, para um modelo maioritariamente subjectivista. Nas palavras de Vasco P. da Silva, em 1997 assiste-se a uma "revolução coperniciana" na Constituição portuguesa, no ramo do direito administrativo. Como consta do art 66.º/2 do CPTA, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação resulta directamente da pronúncia condenatória, e nos termos do art 71.º/1 o tribunal pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, indo assim para além do acto, aplicando o Direito (ficando assim o direito subjectivo do particular, melhor tutelado).

Após analisar a linha anterior do contencioso administrativo, e a actual, é de perspectivar o futuro do mesmo, através da extracção de uma lógica de continuidade relativa à intensificação e aperfeiçoamento dos meios de tutela das posições jurídicas dos particulares.
A partir daqui avançaríamos para a possibilidade de admissão de sentenças substitutivas de actos administrativos. O art 109.º/3 do CPTA é a única norma plasmada neste código que admite estas sentenças, na fase declarativa do processo, para os casos em que o interessado pretenda a emissão de um acto administrativo estritamente vinculado, tornando-se a sentença constitutiva, produzindo esta os efeitos do acto devido. Ocorrendo a "substituição" da Administração, pelo tribunal na prática do acto devido, que fundamenta-se pelo carácter urgente do processo, colmatando-se numa antecipação do processo executivo. Distinguem-se das sentenças condenatórias que por sua vez estabelecem um comando imposto à Administração de fazer, realizar ou prestar algo.
Tomando a noção de sentença substitutiva, define-se como o acto da função jurisdicional, de natureza constitutiva e de per si exequível, sem necessidade de qualquer intermediação posterior administrativa ou judicial para a produção dos efeitos  (pré-estabelecidos por norma jurídica prévia) por si determinados. No fundo estas produzem ou autorizam uma alteração da ordem jurídica, substituindo o acto administrativo, devido pela Administração.



Estamos perante um regime de excepcionalidade das sentenças substitutivas no CPTA.
No entanto é legitimo averiguar se num futuro, e numa eventual reforma do contencioso administrativo, se poderia-se abranger não só a excepção retirada do artigo 109.º/3, como generaliza-la, com o intuito de garantir uma maior tutela jurisdicional efectiva. 

Assim o sentido da evolução do contencioso é de continuidade, aprofundamento e aperfeiçoamento dos meios de tutela dos direitos dos particulares, evidenciando-se a necessidade de argumentar para afastar este regime de excepcionalidade, destas sentenças, e a admitir a sua generalização de modo a continuar-se a subjectivação no contencioso administrativo.
De entre os argumentos favoráveis a esta generalização, podemos dizer que as sentenças substitutivas são a revelação de um juízo jurisdicional de restauração da ordem jurídica, sem qualquer produção de efeitos jurídicos ex novo, ou seja, sem que implique a  modificação, constituição ou extinção de efeitos que não estejam juridicamente pré-determinados, razão fundamental pela qual se deverá perspectivar o interessado em juízo, como um credor de um acto com um conteúdo preciso e devido, que corresponde a um crédito que deverá sempre que possível, ser imediatamente satisfeito através da adequada prestação jurisdicional (sentença substitutiva). Isto porque o tribunal só emite o acto que o direito impõe, pois esta actividade substitutiva subscreve-se aos domínios da estrita vinculação jurídica, ou melhor, onde  não exista qualquer reserva de valoração ou ponderação, típicas do exercício da função administrativa ou nos casos de discricionaridade zero da Administração.
Trata-se apenas de um caso de substituição integrativa, na qual se confere a um orgão jurisdicional a faculdade de suprir uma omissão de actividade de um orgão administrativo, por este ter sido inadimplente, e desde que tenha tido oportunidade de não o ser, como o Direito lhe impunha, sobre certa matéria (que está determinada em norma jurídica prévia), possibilitando através da intervenção substitutiva a integração da ilegalidade.

Não se trata de conferir um sentido inovador à função jurisdicional cometendo-lhe uma actuação positiva legislativa, mas apenas de pensar que o facto administrativo é criado pela norma jurídica ou que a juricidade do facto está na sua relação criadora com a norma jurídica, e assim compreender que a decisão jurisdicional não se pode resumir a um juízo sobre o juízo jurídico operado antes pela Administração. Se o facto administrativo é posterior à norma e a sentença sucede àquele, então a decisão judicial pode adquirir natureza substitutiva, quando se trate de actividade administrativa vinculada ou de discricionariedade nula.

Duas conclusões: o princípio da separação de poderes não impede um efeito substitutivo das sentenças, em casos de actividade administrativa estritamente vinculada; a interpretação actualista do mesmo princípio prescreve a necessidade de controlo recíproco de poderes, enquanto pressuposto para o restabelecimento da paz jurídica, sem prejuízo do respeito pelo núcleo essencial de cada um dos poderes estaduais.





Mariana Silva
aluna nº 18292


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