sábado, 15 de dezembro de 2012

Doutrina alemã em analise comparativa com ordenamento jurídico português (no âmbito dos poderes de pronúncia do julgador no âmbito da acção de condenação no acto legalmente devido)



 Doutrina alemã em analise comparativa com ordenamento jurídico português (no âmbito dos poderes de pronúncia do julgador no âmbito da acção de condenação no acto legalmente devido)

 A doutrina alemã discutiu qual o conteúdo possível de uma sentença no contexto da verpflichtungsklage, sendo que de forma sintética: ou a sentença emite uma condenação da administração num acto determinado, existindo nos autos prova suficiente para possibilitar concretizar o acto devido; ou sentenceia a Administração a reexaminar a situação e resolver a mesma, isto sucede quando durante o processo não foi possível esclarecer completamente o acto exacto a que a Administração está obrigada (estes casos contemplam a chamada discricionariedade administrativa, partindo do pressuposto que essa margem não esteja esvaziada).

 Nesta linha de raciocínio são possíveis de contemplar e reconhecer quatro tipos de sentenças de acordo com a doutrina alemã, sendo que tentarei estabelecer concomitantemente uma análise comparativa com o ordenamento jurídico português:

 Numa concretização mais rudimentar temos as sentenças de mérito, que não fazem mais do que anular o acto impugnado e remeter o assunto novamente à Administração (sendo que a doutrina alemã aponta o exemplo dos vícios formais do acto de indeferimento, nesta situação os tribunais não se pronunciam sobre o mérito do pedido de condenação em si mesmo, circunscrevendo-se à anulação do acto e encaminhando o assunto à Administração para que esta repita o procedimento desde o momento da verificação do vicio.
Quando está em causa este género de sentença, o Tribunal cinge-se a condenar a Administração a praticar um acto administrativo, sem no entanto precisar ou concretizar o seu conteúdo, ora é precisamente esta conclusão que podemos retirar da análise dos números 1 e 2 do art. 71º do CPTA.

Este tipo de sentença é aplicável em casos de inércia ou omissão da Administração, quando esta não responde ao pedido que lhe foi dirigido, não existindo assim substrato material da actuação administrativa que possa ser objecto de análise pelo julgador, podendo-se concluir que nestas situações não existem dados de facto e direito que são objectivamente essenciais para uma pronuncia mais ampla, ou seja, mais concretizada. O Tribunal não pode, com os “instrumentos” que tem ao seu dispor no caso concreto, fixar os parâmetros da actuação administrativa. É ainda de referir um outro caso típico destas sentenças, a situação de recusa de apreciação de requerimento dirigido pelo demandante à Administração, o caso denominado de “recusa liminar”, invocando esta questões prévias que impedem a análise do mérito do pedido. Portanto, nestes casos, uma vez que se verifique a ausência dessas mesmas questões prévias, o Tribunal na sua pronúncia condenará a Administração a analisar a pretensão em termos de mérito.
Nos exemplos referidos não existe por parte da Administração uma avaliação material do caso concreto, isto significa que não foi realizada uma valoração administrativa, o que consubstancia grande obstáculo a uma pronúncia judicial mais ampla e concreta; que não possui assim uma actuação administrativa ou decisão de mérito em que se possa deter, para determinar parâmetros de actuação para a Administração para o futuro. Tendo a Administração tomado uma decisão, isso proporcionaria obviamente ao julgador mais instrumentos para poder concretizar o acto devido.
Ainda assim, e de acordo com o CPTA (art. 71º nº1 nomeadamente), o juiz deverá procurar, sempre que seja possível uma decisão de mérito e não se limitar a remeter o problema de volta para a Administração.

 Já num desenvolvimento mais intenso, temos as denominadas “sentenças-marco”, circunstâncias em que o Tribunal limita-se a indicar quais os deveres e obrigações que são impostos à Administração e que possíveis actuações dai decorrem, não estando na disponibilidade do Tribunal determinar com elevado grau de concretização o que é que a Administração deve fazer para que o interesse de quem demanda seja satisfeito, visto que nestas situações a simples interpretação e aplicação das normas relevantes não consente ao Tribunal chegar a esse fim.
A doutrina alemã apelida estas sentenças de “sentenças-marco”, uma vez que de acordo com o ordenamento jurídico alemão, estas constituem a Administração numa vinculação para actuações futuras. A chamada Bescheidungsurteil determina à Administração parâmetros dentro dos quais ela obrigatoriamente terá que se manter na posterior decisão, mas é ainda esta (a Administração) que tem a faculdade de decidir; logo podemos concluir que estas “sentenças-marco” não impõem a realização de uma conduta concreta, mas o que fazem é disciplinar a actuação administrativa, através de imposição de tramitação especifica de determinados procedimentos, indicando medidas a eleger e também pelo contrario medidas a não eleger, podendo até (e desejavelmente) identificar os interesses públicos a proteger; mas sempre sem retirar dai a ordenação de um resultado completamente determinado e concretizado.
A sentença abrange assim a declaração de que a recusa ou omissão da Administração foi oposta ao ordenamento jurídico, e a condenação desta a decidir a pretensão do demandante, dentro dos parâmetros concretizados na sentença, que são vinculantes no momento da decisão da Administração, o que segundo Alejandro Lora constitui uma “programação normativa de futura actuação administrativa”.

Exemplificando situações em que este tipo de sentença pode ocorrer (e sem pretensão de ser exaustivo); temos as situações em que existe discricionariedade por parte da Administração, ou seja, quando segundo o ordenamento jurídico mais do que uma solução é aceitável, ora ai o Tribunal não pode simplesmente forçar a Administração a perfilhar uma actuação que é apenas uma de entre diversas possibilidades que estão dentro do âmbito da discricionariedade (dado que a escolha de uma dessas opções não constitui um problema exclusivamente jurídico, tendo que contemplar no seu processo decisório uma valoração administrativa (própria da função que lhe esta subjacente), avaliando os interesses públicos em disputa (processo esse que claramente já ultrapassa o âmbito da função do julgador, podendo-se argumentar que colocaria em causa o principio da separação de poderes). Temos ainda, por exemplo situações em que está em causa a aplicação de normas com conceitos indeterminados.

No primeiro caso referido a discricionariedade constitui de forma efectiva uma limitação dos poderes de pronúncia do julgador (sendo que no nosso ordenamento isso também sucede como tentarei explicitar); já no segundo exemplo não parece ficar totalmente impossibilitada a existência de uma sentença condenatória mais ampla, uma vez que estando em causa a interpretação de conceitos com grau, mais ou menos elevado, de indeterminação o tribunal é a entidade em melhor posição e com maior habilitação para concretizar essa tarefa, visto que a tarefa interpretativa de conceitos jurídicos faz plenamente parte da sua função e obrigação de aplicação do Direito.

Neste tipo de sentenças, estamos perante uma condenação à prática de um acto dentro de determinadas margens, sentenças essas, aplicáveis quando estejam em causa zonas de actuação administrativa que por natureza são discricionárias (e não sendo exequível operar a redução dessa discricionariedade a zero). Ora o art. 71º nº2 determina que o Tribunal deve “explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido”, sendo como tal nestas sentenças fixados pelo juiz critérios quanto aos aspectos com vinculados da actuação, estabelecendo aquilo que é permitido e o que não o é, ficando com efeito excluídas certas formas de actuação, o que o Tribunal na prática profere são assim “directivas de juridicidade” que impedem a repetição da ilegalidade cometida. O julgador condena a Administração à prática do acto (mas não a um acto determinado e concretizado), o que o julgador pretende é apontar as áreas de vinculação e/ou limites à margem de discricionariedade.
A Administração não pode assim evidentemente, actuar em sentido contrário ao estipulado na sentença, retirando-se da sentença de alguma forma um efeito preclusivo (com maior ou menor amplitude consoante as áreas de vinculação) sobre a actuação posterior da Administração; ficando ainda como é claro impedida de praticar acto semelhante ao anteriormente praticado.
A demarcação dos princípios pelos quais a Administração terá que se guiar não poderá ser uma mera repetição daquilo que já esta previsto na lei, o julgador deve perscrutar o caso concreto à luz dos Princípios fundamentais de Direito (justiça, proporcionalidade, equidade, igualdade, boa-fé, etc) e concretiza-los, de forma a que se possa concluir que por exemplo apenas as actuações C e D são viáveis por respeitarem a proporcionalidade e serem efectivamente necessárias, enquanto que as actuações A e B não seriam possíveis por violação do principio(s) em causa pelas circunstancias x, y e z. O apelo aos princípios referidos ou a outras regras tem que ser algo para alem de uma simples remissão para aquilo que esta consagrado no ordenamento jurídico; é essencial dar uma configuração concreta aos princípios, submetendo o caso concreto a uma filtragem jurídica.

A discricionariedade contém sempre aspectos vinculados, que podem naturalmente ser vigiados e controlados pelo Tribunal, designadamente os seus pressupostos de facto, a extensão dos seus poderes, o fim para que esses poderes são atribuídos; como tal a prerrogativa da discricionariedade está sujeita a fiscalização, na medida em que seja necessário verificar a sua adequação ao ordenamento jurídico.

 Num âmbito já de concretização plena, temos as sentenças de condenação em sentido estrito, cujo objecto é essencialmente declarar que a Administração tem uma obrigação para com o demandante (aquela que ele afirma), condenando aquela ao cumprimento dessa obrigação, definindo claramente qual é o acto em que se funda o cumprimento devido, aclarando à Administração aquilo que lhe é imposto realizar (a denominada Vornahmeurteile); ou seja este tipo de sentença já estabelece uma clara e concretizada vinculação da actuação administrativa, tendo sido possível esgotar a margem de discricionariedade e que como tal só existe uma actuação administrativa que é conforme ao ordenamento jurídico. Este tipo de situações é descrito pela doutrina alemã como de redução da discricionariedade a zero ou Ermessensschrumpfung.

A doutrina alemã exemplifica esta situação de redução de discricionariedade (ou seja situações em que na pratica não há discricionariedade no caso concreto) com casos como o da Administração ter que intervir para a protecção dos bens jurídicos da maior relevância no ordenamento como a vida ou saúde, sendo que existindo de facto essa possibilidade de acção, a Administração só pode agir de determinado modo; ou o caso de vinculação a um precedente administrativo, que obriga a Administração a actuar de modo semelhante ao antes verificado, a não ser que exista causa adequada que a desobrigue dessa vinculação; podendo ainda referir-se os exemplos clássicos, do concurso com classificação (em que se a primeira escolha for considerada nula, então obviamente que a Administração não tem alternativa a adjudicar ao segundo graduado na classificação do concurso) ou do caso em que só existem dois desfechos possíveis, a que foi anulada e outra, caso em que evidentemente terá que ser esta última a aplicada. A redução da discricionariedade traz consigo um elemento de grande utilidade, possibilitando um instrumento de grande controlo da Administração, uma vez que desta forma consegue-se revelar e fazer cair os subterfúgios a que recorre a máquina administrativa, que invoca muitas vezes a existência de discricionariedade para não actuar, pois bem desta forma consegue-se esvaziar esse espaço de discricionariedade até existir apenas uma única conduta possível. Podendo-se concluir que à partida poderia parecer existirem múltiplas vias de actuação por parte da Administração no abstracto, mas no concreto e depois de analisado apenas uma das vias se manifesta como legal no caso concreto, revelando a vinculação ao invés da discricionariedade, e a única saída ao invés do cruzamento de vias alternativas.

Portanto este tipo de sentença, que pode ser denominada de plena, uma vez que condena a Administração na prática de um acto com um conteúdo definido e concretizado; pode ser aplicada quando estejam em causa actos administrativos de natureza vinculada não só quanto à sua verificação mas também quanto ao seu conteúdo, ou actos que, sendo à partida aparentemente discricionários, vêem na situação em particular reduzida a zero essa margem de discricionariedade, verificando-se que só é conforme ao ordenamento um determinado desfecho, que se consubstancia naquele acto administrativo concretizado na sentença.
A operação de redução de discricionariedade a zero sucede quando existem abstractamente múltiplas soluções possíveis, mas no entanto com as circunstancias presentes no caso concreto, apenas uma delas corresponde ao acto devido pela Administração, ou seja o julgador (tal como é referido pela doutrina alemã) pode proceder a uma spruchreif, ou seja, conduzindo o caso até ao ponto de saber qual é o acto devido, chegando-se a uma situação “madura” para decidir, obtendo assim as condições essenciais para decidir sobre o substrato da questão e proferir uma sentença ampla e concretizada.

Esta hipótese no nosso ordenamento jurídico resulta de uma conjugação do nº1 e do nº2 do art. 71º do CPTA, sendo necessário realizar uma interpretação a contrario do art. 71º nº 2 para poder concluir que havendo uma zona de decisão que não envolva valorações próprias da Administração, ou que implicando-as, seja exequível, no âmbito do caso concreto, determinar a única actuação conforme ao direito, a Administração deve ser condenada num acto devido com conteúdo concretizado e determinado.
Poder-se-ia dizer que estão em análise actos que ab initio seriam discricionários mas quanto aos quais já foi esgotada ou ultrapassada a discricionariedade, portanto evidentemente este tipo de sentença tem um conteúdo mais amplo, dado que condena a Administração de forma mais abrangente, a esta é dito qual a actuação especifica que deve realizar, fixando-lhe assim o seu conteúdo concreto, limites e fim.

 A doutrina alemã refere ainda um quarto tipo de sentença, a denominada sentença substitutiva, sendo explicitadas três figuras possíveis deste tipo de sentença: a condenação a determinado acto com um conteúdo detalhado na sentença (possibilidade prevista no CPTA); a sentença declarativa substituir expressamente o acto da Administração (sendo que não existe essa possibilidade no espaço da acção declarativa do nosso CPTA); e temos ainda a hipótese de na fase de execução, o Tribunal levar a cabo o próprio acto a termo face a recusa da Administração em efectuar a conduta a que foi condenada (situação prevista no nosso ordenamento quanto aos actos vinculados).

Carlos Neves, aluno 18047

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