Doutrina
alemã em analise comparativa com ordenamento jurídico português (no âmbito dos
poderes de pronúncia do julgador no âmbito da acção de condenação no acto
legalmente devido)
A doutrina alemã discutiu qual o conteúdo
possível de uma sentença no contexto da verpflichtungsklage, sendo que de forma
sintética: ou a sentença emite uma condenação da administração num acto
determinado, existindo nos autos prova suficiente para possibilitar concretizar
o acto devido; ou sentenceia a Administração a reexaminar a situação e resolver
a mesma, isto sucede quando durante o processo não foi possível esclarecer
completamente o acto exacto a que a Administração está obrigada (estes casos
contemplam a chamada discricionariedade administrativa, partindo do pressuposto
que essa margem não esteja esvaziada).
Nesta linha de raciocínio são possíveis de
contemplar e reconhecer quatro tipos de sentenças de acordo com a doutrina
alemã, sendo que tentarei estabelecer concomitantemente uma análise comparativa
com o ordenamento jurídico português:
Numa concretização mais rudimentar temos as
sentenças de mérito, que não fazem mais do que anular o acto impugnado e
remeter o assunto novamente à Administração (sendo que a doutrina alemã aponta
o exemplo dos vícios formais do acto de indeferimento, nesta situação os
tribunais não se pronunciam sobre o mérito do pedido de condenação em si mesmo,
circunscrevendo-se à anulação do acto e encaminhando o assunto à Administração
para que esta repita o procedimento desde o momento da verificação do vicio.
Quando está em causa este género
de sentença, o Tribunal cinge-se a condenar a Administração a praticar um acto
administrativo, sem no entanto precisar ou concretizar o seu conteúdo, ora é
precisamente esta conclusão que podemos retirar da análise dos números 1 e 2 do
art. 71º do CPTA.
Este tipo de sentença é aplicável
em casos de inércia ou omissão da Administração, quando esta não responde ao
pedido que lhe foi dirigido, não existindo assim substrato material da actuação
administrativa que possa ser objecto de análise pelo julgador, podendo-se
concluir que nestas situações não existem dados de facto e direito que são
objectivamente essenciais para uma pronuncia mais ampla, ou seja, mais
concretizada. O Tribunal não pode, com os “instrumentos” que tem ao seu dispor
no caso concreto, fixar os parâmetros da actuação administrativa. É ainda de
referir um outro caso típico destas sentenças, a situação de recusa de
apreciação de requerimento dirigido pelo demandante à Administração, o caso denominado
de “recusa liminar”, invocando esta questões prévias que impedem a análise do
mérito do pedido. Portanto, nestes casos, uma vez que se verifique a ausência
dessas mesmas questões prévias, o Tribunal na sua pronúncia condenará a
Administração a analisar a pretensão em termos de mérito.
Nos exemplos referidos não existe
por parte da Administração uma avaliação material do caso concreto, isto
significa que não foi realizada uma valoração administrativa, o que
consubstancia grande obstáculo a uma pronúncia judicial mais ampla e concreta;
que não possui assim uma actuação administrativa ou decisão de mérito em que se
possa deter, para determinar parâmetros de actuação para a Administração para o
futuro. Tendo a Administração tomado uma decisão, isso proporcionaria
obviamente ao julgador mais instrumentos para poder concretizar o acto devido.
Ainda assim, e de acordo com o
CPTA (art. 71º nº1 nomeadamente), o juiz deverá procurar, sempre que seja
possível uma decisão de mérito e não se limitar a remeter o problema de volta
para a Administração.
Já num desenvolvimento mais intenso, temos as
denominadas “sentenças-marco”, circunstâncias em que o Tribunal limita-se a
indicar quais os deveres e obrigações que são impostos à Administração e que
possíveis actuações dai decorrem, não estando na disponibilidade do Tribunal
determinar com elevado grau de concretização o que é que a Administração deve
fazer para que o interesse de quem demanda seja satisfeito, visto que nestas
situações a simples interpretação e aplicação das normas relevantes não
consente ao Tribunal chegar a esse fim.
A doutrina alemã apelida estas
sentenças de “sentenças-marco”, uma vez que de acordo com o ordenamento
jurídico alemão, estas constituem a Administração numa vinculação para
actuações futuras. A chamada Bescheidungsurteil determina à Administração
parâmetros dentro dos quais ela obrigatoriamente terá que se manter na posterior
decisão, mas é ainda esta (a Administração) que tem a faculdade de decidir;
logo podemos concluir que estas “sentenças-marco” não impõem a realização de
uma conduta concreta, mas o que fazem é disciplinar a actuação administrativa,
através de imposição de tramitação especifica de determinados procedimentos,
indicando medidas a eleger e também pelo contrario medidas a não eleger,
podendo até (e desejavelmente) identificar os interesses públicos a proteger;
mas sempre sem retirar dai a ordenação de um resultado completamente
determinado e concretizado.
A sentença abrange assim a
declaração de que a recusa ou omissão da Administração foi oposta ao
ordenamento jurídico, e a condenação desta a decidir a pretensão do demandante,
dentro dos parâmetros concretizados na sentença, que são vinculantes no momento
da decisão da Administração, o que segundo Alejandro Lora constitui uma
“programação normativa de futura actuação administrativa”.
Exemplificando situações em que
este tipo de sentença pode ocorrer (e sem pretensão de ser exaustivo); temos as
situações em que existe discricionariedade por parte da Administração, ou seja,
quando segundo o ordenamento jurídico mais do que uma solução é aceitável, ora
ai o Tribunal não pode simplesmente forçar a Administração a perfilhar uma
actuação que é apenas uma de entre diversas possibilidades que estão dentro do
âmbito da discricionariedade (dado que a escolha de uma dessas opções não
constitui um problema exclusivamente jurídico, tendo que contemplar no seu
processo decisório uma valoração administrativa (própria da função que lhe esta
subjacente), avaliando os interesses públicos em disputa (processo esse que
claramente já ultrapassa o âmbito da função do julgador, podendo-se argumentar
que colocaria em causa o principio da separação de poderes). Temos ainda, por
exemplo situações em que está em causa a aplicação de normas com conceitos
indeterminados.
No primeiro caso referido a
discricionariedade constitui de forma efectiva uma limitação dos poderes de
pronúncia do julgador (sendo que no nosso ordenamento isso também sucede como
tentarei explicitar); já no segundo exemplo não parece ficar totalmente
impossibilitada a existência de uma sentença condenatória mais ampla, uma vez
que estando em causa a interpretação de conceitos com grau, mais ou menos
elevado, de indeterminação o tribunal é a entidade em melhor posição e com
maior habilitação para concretizar essa tarefa, visto que a tarefa
interpretativa de conceitos jurídicos faz plenamente parte da sua função e
obrigação de aplicação do Direito.
Neste tipo de sentenças, estamos
perante uma condenação à prática de um acto dentro de determinadas margens,
sentenças essas, aplicáveis quando estejam em causa zonas de actuação
administrativa que por natureza são discricionárias (e não sendo exequível
operar a redução dessa discricionariedade a zero). Ora o art. 71º nº2 determina
que o Tribunal deve “explicitar as vinculações a observar pela Administração na
emissão do acto devido”, sendo como tal nestas sentenças fixados pelo juiz
critérios quanto aos aspectos com vinculados da actuação, estabelecendo aquilo
que é permitido e o que não o é, ficando com efeito excluídas certas formas de
actuação, o que o Tribunal na prática profere são assim “directivas de
juridicidade” que impedem a repetição da ilegalidade cometida. O julgador
condena a Administração à prática do acto (mas não a um acto determinado e
concretizado), o que o julgador pretende é apontar as áreas de vinculação e/ou
limites à margem de discricionariedade.
A Administração não pode assim
evidentemente, actuar em sentido contrário ao estipulado na sentença,
retirando-se da sentença de alguma forma um efeito preclusivo (com maior ou
menor amplitude consoante as áreas de vinculação) sobre a actuação posterior da
Administração; ficando ainda como é claro impedida de praticar acto semelhante
ao anteriormente praticado.
A demarcação dos princípios pelos
quais a Administração terá que se guiar não poderá ser uma mera repetição
daquilo que já esta previsto na lei, o julgador deve perscrutar o caso concreto
à luz dos Princípios fundamentais de Direito (justiça, proporcionalidade,
equidade, igualdade, boa-fé, etc) e concretiza-los, de forma a que se possa
concluir que por exemplo apenas as actuações C e D são viáveis por respeitarem
a proporcionalidade e serem efectivamente necessárias, enquanto que as
actuações A e B não seriam possíveis por violação do principio(s) em causa
pelas circunstancias x, y e z. O apelo aos princípios referidos ou a outras
regras tem que ser algo para alem de uma simples remissão para aquilo que esta
consagrado no ordenamento jurídico; é essencial dar uma configuração concreta
aos princípios, submetendo o caso concreto a uma filtragem jurídica.
A discricionariedade contém
sempre aspectos vinculados, que podem naturalmente ser vigiados e controlados
pelo Tribunal, designadamente os seus pressupostos de facto, a extensão dos
seus poderes, o fim para que esses poderes são atribuídos; como tal a
prerrogativa da discricionariedade está sujeita a fiscalização, na medida em
que seja necessário verificar a sua adequação ao ordenamento jurídico.
Num âmbito já de concretização plena, temos as
sentenças de condenação em sentido estrito, cujo objecto é essencialmente
declarar que a Administração tem uma obrigação para com o demandante (aquela
que ele afirma), condenando aquela ao cumprimento dessa obrigação, definindo
claramente qual é o acto em que se funda o cumprimento devido, aclarando à
Administração aquilo que lhe é imposto realizar (a denominada Vornahmeurteile);
ou seja este tipo de sentença já estabelece uma clara e concretizada vinculação
da actuação administrativa, tendo sido possível esgotar a margem de
discricionariedade e que como tal só existe uma actuação administrativa que é
conforme ao ordenamento jurídico. Este tipo de situações é descrito pela
doutrina alemã como de redução da discricionariedade a zero ou Ermessensschrumpfung.
A doutrina alemã exemplifica esta
situação de redução de discricionariedade (ou seja situações em que na pratica
não há discricionariedade no caso concreto) com casos como o da Administração
ter que intervir para a protecção dos bens jurídicos da maior relevância no
ordenamento como a vida ou saúde, sendo que existindo de facto essa
possibilidade de acção, a Administração só pode agir de determinado modo; ou o
caso de vinculação a um precedente administrativo, que obriga a Administração a
actuar de modo semelhante ao antes verificado, a não ser que exista causa
adequada que a desobrigue dessa vinculação; podendo ainda referir-se os
exemplos clássicos, do concurso com classificação (em que se a primeira escolha
for considerada nula, então obviamente que a Administração não tem alternativa
a adjudicar ao segundo graduado na classificação do concurso) ou do caso em que
só existem dois desfechos possíveis, a que foi anulada e outra, caso em que
evidentemente terá que ser esta última a aplicada. A redução da
discricionariedade traz consigo um elemento de grande utilidade, possibilitando
um instrumento de grande controlo da Administração, uma vez que desta forma
consegue-se revelar e fazer cair os subterfúgios a que recorre a máquina
administrativa, que invoca muitas vezes a existência de discricionariedade para
não actuar, pois bem desta forma consegue-se esvaziar esse espaço de
discricionariedade até existir apenas uma única conduta possível. Podendo-se
concluir que à partida poderia parecer existirem múltiplas vias de actuação por
parte da Administração no abstracto, mas no concreto e depois de analisado
apenas uma das vias se manifesta como legal no caso concreto, revelando a
vinculação ao invés da discricionariedade, e a única saída ao invés do cruzamento
de vias alternativas.
Portanto este tipo de sentença,
que pode ser denominada de plena, uma vez que condena a Administração na
prática de um acto com um conteúdo definido e concretizado; pode ser aplicada
quando estejam em causa actos administrativos de natureza vinculada não só
quanto à sua verificação mas também quanto ao seu conteúdo, ou actos que, sendo
à partida aparentemente discricionários, vêem na situação em particular
reduzida a zero essa margem de discricionariedade, verificando-se que só é
conforme ao ordenamento um determinado desfecho, que se consubstancia naquele
acto administrativo concretizado na sentença.
A operação de redução de
discricionariedade a zero sucede quando existem abstractamente múltiplas
soluções possíveis, mas no entanto com as circunstancias presentes no caso
concreto, apenas uma delas corresponde ao acto devido pela Administração, ou
seja o julgador (tal como é referido pela doutrina alemã) pode proceder a uma
spruchreif, ou seja, conduzindo o caso até ao ponto de saber qual é o acto
devido, chegando-se a uma situação “madura” para decidir, obtendo assim as
condições essenciais para decidir sobre o substrato da questão e proferir uma
sentença ampla e concretizada.
Esta hipótese no nosso
ordenamento jurídico resulta de uma conjugação do nº1 e do nº2 do art. 71º do
CPTA, sendo necessário realizar uma interpretação a contrario do art. 71º nº 2
para poder concluir que havendo uma zona de decisão que não envolva valorações
próprias da Administração, ou que implicando-as, seja exequível, no âmbito do
caso concreto, determinar a única actuação conforme ao direito, a Administração
deve ser condenada num acto devido com conteúdo concretizado e determinado.
Poder-se-ia dizer que estão em
análise actos que ab initio seriam discricionários mas quanto aos quais já foi
esgotada ou ultrapassada a discricionariedade, portanto evidentemente este tipo
de sentença tem um conteúdo mais amplo, dado que condena a Administração de
forma mais abrangente, a esta é dito qual a actuação especifica que deve
realizar, fixando-lhe assim o seu conteúdo concreto, limites e fim.
A doutrina alemã refere ainda um quarto tipo
de sentença, a denominada sentença substitutiva, sendo explicitadas três
figuras possíveis deste tipo de sentença: a condenação a determinado acto com
um conteúdo detalhado na sentença (possibilidade prevista no CPTA); a sentença
declarativa substituir expressamente o acto da Administração (sendo que não
existe essa possibilidade no espaço da acção declarativa do nosso CPTA); e temos
ainda a hipótese de na fase de execução, o Tribunal levar a cabo o próprio acto
a termo face a recusa da Administração em efectuar a conduta a que foi
condenada (situação prevista no nosso ordenamento quanto aos actos vinculados).
Carlos Neves, aluno 18047
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