terça-feira, 11 de dezembro de 2012


Delimitação das fronteiras entre a tutela cautelar e a intimação para protecção dos direitos, liberdades e garantias
O contencioso administrativo foi originariamente concebido como um processo de recurso contra actos praticados pela administração, daí que a tutela cautelar estava, praticamente, limitada à figura da suspensão da eficácia.
Até à reforma do contencioso administrativo, o mecanismo de suspensão da eficácia dos actos foi muitas vezes desvirtuado, servindo com “tábua de salvação” de situações aparentemente não urgentes. Com a reforma, deu-se uma revolução em relação ao que era a realidade do contencioso administrativo, uma vez que a realidade portuguesa era muito marcada pela ausência da tutela cautelar, sendo o único mecanismo existente o da suspensão da eficácia de actos administrativos. Para além disso, havia ainda uma prática nos tribunais que era ainda mais limitativa do que a letra da lei, uma vez que os juízes raramente conferiam a suspensão de eficácia.
O actual regime do CPTA  prevê um regime específico para o processo cautelar que consta do título V (artigos 112º a 134º), e que introduziu um princípio de tutela cautelar. O artigo 112º, no seu nº1 consagra uma cláusula aberta, havendo aqui também uma lógica de proporcionalidade que permite ao particular requerer qualquer providência cautelar que seja considerada necessária. O nº2 do artigo 112º introduz ainda uma remissão genérica para as providências especificadas no CPC, para além de designar ainda alguns tipos de providências que se têm por admitidas.
Enquanto os processos urgentes decidem o litígio, as providências cautelares dispõem uma solução transitória, para acautelar interesses em perigo.
A tutela cautelar é unanimemente qualificada como instrumental. As providências cautelares administrativas visarão apenas assegurar a efectividade da acção administrativa principal.
A instrumentalidade das providências cautelares administrativas revela-se pela consequente caducidade sempre que não seja instaurada a correspondente acção administrativa principal, sempre que esteja parada por responsabilidade do requerente ou sempre que a acção principal se extinga (seja por que razão for), nos termos do art. 123ºCPTA.
O juízo cautelar será, deste modo, sempre provisório.
Surge-nos no então um problema. É que, o recurso à acção administrativa especial com carácter urgente prevista no art.109º nº1 do CPTA só será possível quando não seja possível, ou seja insuficiente, a decretação provisória da providencia cautelar em 48 horas que vem prevista no art.131ºCPTA. Assim, para que seja possível recorrer à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, é imperativo que o requerente não tenha ao seu dispor qualquer outro meio processual que permita a defesa bastante daqueles interesses. Deste modo, o art.109º, nº1 afigura-se subsidiário em relação ao 131º, ambos do CPTA.
Cabe no entanto perceber o que será impossibilidade ou insuficiência da providência cautelar.
 Carla Amado Gomes defende que sempre que o exercício do direito possa ser repetido, por não se encontrar sujeito a qualquer prazo, deverá preferir-se a tutela cautelar à tutela urgente. Já nas situações contrárias, em que o exercício do direito está temporalmente condicionado, deverá prevalecer a acção urgente.
 Por outro lado, Isabel Celeste Fonseca entende que o recurso à tutela cautelar será impossível ou insuficiente sempre que o juíz cautelar seja forçado a intrometer-se na questão controvertida alvo do processo principal, uma vez que isso esgotaria o objecto da acção administrativa principal, para além de atentar contra o carácter provisório da providência. Assim, impor-se-ia sempre uma avaliação casuística das situações de urgência, de forma a detectar quais delas exigiriam o proferimento imediato de uma decisão de fundo. A insuficiência da tutela cautelar para assegurar o exercício em tempo útil de direitos, liberdades e garantias, afere-se pela inaptidão da providência cautelar para antecipar integralmente os efeitos proevenientes da acção principal, em virtude da sua natureza instrumental.
A dificuldade na delimitação das fronteiras entre a tutela cautelar e a intimação para protecção dos direitos, liberdades e garantias é ainda acrescida pela consagração da possibilidade de antecipação da decisão judicial, quando o juiz conclua que a tutela da questão concreta que lhe foi submetida não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar, nos termos do disposto no artigo 121º, nº1 CPTA.
Poder-se-ia dizer que a tutela cautelar nunca seria insuficiente para assegurar a tutela dos direitos, liberdades e garantias, uma vez que o juiz poderia sempre antecipar a decisão final nos termos do art.121º CPTA. No entanto, para que isso seja possível, é necessário que tenham sido trazidas ao processo todas as provas necessárias ao proferimento da decisão final, o que demonstra que a tutela cautelar seria sempre insuficiente.
A tutela cautelar é, assim, insuficiente sempre que o particular tenha em vista a obtenção de efeitos que só poderão advir da sentença final.
No entanto, com refere Miguel Prata Roque e Maria Fernanda Maçãs, neste âmbito, o legislador terá pretendido abranger as situações em que não seria possível requerer providências cautelares administrativas por inexistência da acção principal da qual aquela dependesse. Parece, no entanto, que isso faria sentido antes da reforma do contencioso administrativo. Actualmente, já não fará tanto sentido, uma vez que a consagração de uma acção especial para condenação à prática de acto devido (art.66ºCPTA), supriu a inexistência de acção principal do qual viesse a depender a providência cautelar em causa.
Para Miguel Prata Roque, só não será possível recorrer á tutela cautelar para protecção de direitos, liberdades e garantias (no sentido da expressão "por não ser possível" do art.109º, nº1CPTA), quando o particular não esteja em condições de preencher o requisito de decretação provisória da providência, ou seja, de demonstrar a possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade e garantia invocado (art.131º,nº3CPTA), nomeadamente porque o particular não está em condições de apresentar de imediato a prova necessária à decretação da providência porque, por exemplo, a prova encontra-se na posse da administração ou de terceiro.
Assim, só haverá lugar à intimação do art.109º CPTA em duas situações, quando não seja possível ao particular provar de imediato a potencial lesão (impossibilidade), ou quando o mesmo pretenda uma antecipação total dos efeitos produzidos pela decisão final (insuficiência).
Carla Amado Gomes e Mário Aroso de Almeida defendem ainda que, quando não se encontrem preenchidos os requisitos que permitem o prosseguimento do processo com acção principal urgente, deverá haver uma convolação oficiosa do processo urgente em processo cautelar, decretando-se provisoriamente a providência decretada.

Inês Oliveira nº18165

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