Delimitação das fronteiras entre a
tutela cautelar e a intimação para protecção dos direitos, liberdades e
garantias
O contencioso
administrativo foi originariamente concebido como um processo de recurso contra
actos praticados pela administração, daí que a tutela cautelar estava,
praticamente, limitada à figura da suspensão da eficácia.
Até à reforma do contencioso administrativo, o
mecanismo de suspensão da eficácia dos actos foi muitas vezes desvirtuado,
servindo com “tábua de salvação” de situações aparentemente não urgentes. Com a
reforma, deu-se uma revolução em relação ao que era a realidade do contencioso
administrativo, uma vez que a realidade portuguesa era muito marcada pela
ausência da tutela cautelar, sendo o único mecanismo existente o da suspensão
da eficácia de actos administrativos. Para além disso, havia ainda uma prática
nos tribunais que era ainda mais limitativa do que a letra da lei, uma vez que
os juízes raramente conferiam a suspensão de eficácia.
O actual regime do CPTA prevê um regime específico para o processo
cautelar que consta do título V (artigos 112º a 134º), e que introduziu um
princípio de tutela cautelar. O artigo 112º, no seu nº1 consagra uma cláusula
aberta, havendo aqui também uma lógica de proporcionalidade que permite ao
particular requerer qualquer providência cautelar que seja considerada
necessária. O nº2 do artigo 112º introduz ainda uma remissão genérica para as
providências especificadas no CPC, para além de designar ainda alguns tipos de
providências que se têm por admitidas.
Enquanto os processos
urgentes decidem o litígio, as providências cautelares dispõem uma solução
transitória, para acautelar interesses em perigo.
A tutela cautelar é
unanimemente qualificada como instrumental. As providências cautelares
administrativas visarão apenas assegurar a efectividade da acção administrativa
principal.
A instrumentalidade das
providências cautelares administrativas revela-se pela consequente caducidade
sempre que não seja instaurada a correspondente acção administrativa principal,
sempre que esteja parada por responsabilidade do requerente ou sempre que a
acção principal se extinga (seja por que razão for), nos termos do art.
123ºCPTA.
O juízo cautelar será,
deste modo, sempre provisório.
Surge-nos no então um
problema. É que, o recurso à acção administrativa especial com carácter urgente
prevista no art.109º nº1 do CPTA só será possível quando não seja possível, ou
seja insuficiente, a decretação provisória da providencia cautelar em 48 horas
que vem prevista no art.131ºCPTA. Assim, para que seja possível recorrer à
intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, é imperativo que
o requerente não tenha ao seu dispor qualquer outro meio processual que permita
a defesa bastante daqueles interesses. Deste modo, o art.109º, nº1 afigura-se
subsidiário em relação ao 131º, ambos do CPTA.
Cabe no entanto perceber o
que será impossibilidade ou insuficiência da providência cautelar.
Carla Amado Gomes defende que sempre que o
exercício do direito possa ser repetido, por não se encontrar sujeito a
qualquer prazo, deverá preferir-se a tutela cautelar à tutela urgente. Já nas
situações contrárias, em que o exercício do direito está temporalmente
condicionado, deverá prevalecer a acção urgente.
Por outro lado, Isabel Celeste Fonseca entende
que o recurso à tutela cautelar será impossível ou insuficiente sempre que o
juíz cautelar seja forçado a intrometer-se na questão controvertida alvo do
processo principal, uma vez que isso esgotaria o objecto da acção
administrativa principal, para além de atentar contra o carácter provisório da
providência. Assim, impor-se-ia sempre uma avaliação casuística das situações
de urgência, de forma a detectar quais delas exigiriam o proferimento imediato
de uma decisão de fundo. A insuficiência da tutela cautelar para assegurar o
exercício em tempo útil de direitos, liberdades e garantias, afere-se pela
inaptidão da providência cautelar para antecipar integralmente os efeitos proevenientes da
acção principal, em virtude da sua natureza instrumental.
A dificuldade na
delimitação das fronteiras entre a tutela cautelar e a intimação para protecção
dos direitos, liberdades e garantias é ainda acrescida pela consagração da
possibilidade de antecipação da decisão judicial, quando o juiz conclua que a
tutela da questão concreta que lhe foi submetida não se compadece com a adopção
de uma simples providência cautelar, nos termos do disposto no artigo 121º, nº1
CPTA.
Poder-se-ia dizer que a
tutela cautelar nunca seria insuficiente para assegurar a tutela dos direitos,
liberdades e garantias, uma vez que o juiz poderia sempre antecipar a decisão
final nos termos do art.121º CPTA. No entanto, para que isso seja possível, é
necessário que tenham sido trazidas ao processo todas as provas necessárias ao
proferimento da decisão final, o que demonstra que a tutela cautelar seria
sempre insuficiente.
A tutela cautelar é,
assim, insuficiente sempre que o particular tenha em vista a obtenção de
efeitos que só poderão advir da sentença final.
No entanto, com refere
Miguel Prata Roque e Maria Fernanda Maçãs, neste âmbito, o legislador terá pretendido
abranger as situações em que não seria possível requerer providências
cautelares administrativas por inexistência da acção principal da qual aquela
dependesse. Parece, no entanto, que isso faria sentido antes da reforma do
contencioso administrativo. Actualmente, já não fará tanto sentido, uma vez que
a consagração de uma acção especial para condenação à prática de acto devido
(art.66ºCPTA), supriu a inexistência de acção principal do qual viesse a
depender a providência cautelar em causa.
Para Miguel Prata Roque,
só não será possível recorrer á tutela cautelar para protecção de direitos,
liberdades e garantias (no sentido da expressão "por não ser possível" do art.109º, nº1CPTA), quando o particular
não esteja em condições de preencher o requisito de decretação provisória da
providência, ou seja, de demonstrar a possibilidade de lesão iminente e
irreversível do direito, liberdade e garantia invocado (art.131º,nº3CPTA),
nomeadamente porque o particular não está em condições de apresentar de
imediato a prova necessária à decretação da providência porque, por exemplo, a
prova encontra-se na posse da administração ou de terceiro.
Assim, só haverá lugar à
intimação do art.109º CPTA em duas situações, quando não seja possível ao
particular provar de imediato a potencial lesão (impossibilidade), ou quando o
mesmo pretenda uma antecipação total dos efeitos produzidos pela decisão final
(insuficiência).
Carla Amado Gomes e Mário
Aroso de Almeida defendem ainda que, quando não se encontrem preenchidos os
requisitos que permitem o prosseguimento do processo com acção principal
urgente, deverá haver uma convolação oficiosa do processo urgente em processo
cautelar, decretando-se provisoriamente a providência decretada.
Inês Oliveira nº18165
Inês Oliveira nº18165
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