O acórdão em análise, em cumprimento de um outro acórdão do
STA, respondeu à questão de saber se devido à anulação de uma determinada
deliberação, com fundamento na sua ilegalidade, deve ser concedida uma
indemnização ao autor, com base na impossibilidade absoluta da condenação da
Administração Pública.
Determinada empresa de restauração, interpôs recurso da
sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que havia considerado
improcedente a pretensão da autora contra o Instituto de Emprego e Formação
Profissional, no sentido da anulação de um concurso público internacional
relativo à prestação de serviços e fornecimento de refeições e serviços de bar
no Centro de Formação Profissional. Como fundamento desta improcedência, determinou
o TAF de Sintra que não tinham sido apresentados os encargos directos e
obrigatórios com o pessoal.
O Tribunal Central Administrativo do Sul negou provimento ao
recurso, confirmando a sentença recorrida.
Decidiu, por isso, a autora recorrer para o Supremo Tribunal
Administrativo, utilizando para isso o recurso de revista. Por sua vez, o STA
concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e anulou a
deliberação que a autora vinha impugnando. Por fim, o STA determinou a baixa
dos autos, para que fosse reapreciado o recurso, para o TCA, tendo como
pressuposto a ilegalidade, declarada por aquele Tribunal, da deliberação.
Assim, este segundo acórdão do TCA, analisou esta mesma
questão.
A autora havia cumulado com o pedido de anulação da
deliberação que determinava a sua exclusão do concurso, um pedido de condenação
do réu na prática do acto devido, que se consubstanciava na admissão da
proposta da autora e na adjudicação dos serviços à sua empresa.
Não esquecendo a ilegalidade da deliberação declarada pelo
STA e que, nos termos do nº3 do artigo 150.º do CPTA, constitui regime jurídico
definitivo, entendeu o TCA-Sul que o facto de já ter sido celebrado o
contrato de fornecimento de refeições e serviço de bar entre o IEFP e outra
empresa de restauração e ter decorrido o prazo da vigência do mesmo,
determinaria a impossibilidade absoluta da satisfação dos interesses da
recorrente.
Converteu, por isso, este Tribunal, o pedido de anulação do
acto pré-contratual ( neste caso, a deliberação lesiva dos interesses da autora
), em pedido de indemnização, cujo montante seria acordado pelas partes ou
fixado pelo tribunal, na falta desse acordo. Considerou, assim, haver uma
impossibilidade absoluta de condenar a Administração na prática do acto devido,
reconhecendo, à autora, o direito a uma indemnização.
·
Da modificação objectiva da instância
-
O CPTA prevê no seu artigo 45.º uma situação de modificação objectiva
da instância, isto é, uma modificação do objecto do processo ( pedido e causa
de pedir ).
Esta disposição insere-se numa secção que o Código dedica à acção
administrativa comum. Não deixa, no entanto, de ser aplicável, tanto à acção
administrativa especial, como ao contencioso pré-contratual, por força dos
artigos 49.º e 102.º/5, respectivamente.
Para analisarmos o acórdão em causa, apoiar-nos-emos na regra geral prevista
no artigo 45.º do CPTA.
Assim, determina este artigo que, em vez de julgar procedente o pedido
do autor, o tribunal convida as partes a acordarem o montante de uma indemnização,
nos casos em que “ à satisfação dos
interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade
absoluta ou que o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que
seria condenada originaria um excepcional prejuízo para o interesse público, (…)”.
Para concluir pela aplicação deste preceito ao caso sub judice teremos
que determinar se os dois pressupostos estão preenchidos:
- Existência de uma situação de impossibilidade
absoluta que obsta à satisfação dos interesses do autor, isto é, por qualquer
razão, seja de facto ou de direito, não seria possível extrair a consequência
pretendida pela autora da sentença; ou
- O cumprimento da sentença pela Administração
originaria um excepcional prejuízo para o interesse público.
Parece que, no nosso caso, está preenchido o primeiro pressuposto, já
que, tal como diz o segundo acórdão do TCA-Sul, o facto de já ter sido
celebrado ( e até, executado ) o contrato em que foi preterida a autora, tornou
a condenação da Administração impossível. Como é óbvio, só no “mundo jurídico”
podemos destruir efeitos já produzidos no passado. Na chamada “vida real”, não
podemos, simplesmente, “fingir” que o contrato celebrado entre a Administração
e a outra empresa de restauração não existiu.
Concluímos, assim, que a autora teria direito a uma indemnização, nos
termos do nº 5 do artigo 102.º do CPTA ( já que estamos perante um processo do
contencioso pré-contratual ), que , como já foi dito, consubstancia um caso de modificação objectiva da instância.
E poderíamos ficar por aqui na nossa análise, não fosse a questão, debatida
na doutrina, de saber “ Que indemnização é esta?”, nas palavras da Dra. Vera
Eiró.
O professor Mário Aroso de
Almeida defende que esta indeminização “ tem por objecto reparar o prejuízo novo que, para o autor, resulta do
facto de não obter a sentença que seria proferida se não existisse a situação
de impossibilidade absoluta, ou de excepcional prejuízo para o interesse
público (…).”
Naturalmente, o autor pode pedir uma indemnização pela ocorrência de
outros danos que, eventualmente, seria devida mesmo que a sentença de
condenação da Administração tivesse sido proferida e executada. No entanto,
este pedido de reparação destes danos seria objecto de um pedido autónomo, dado
que o objectivo dos artigos 45.º, 49.º e 102.º/5 do CPTA não é o de converter
estes processos numa acção de responsabilidade civil extracontratual mas sim o de
permitir que o autor obtenha uma compensação pelo facto de não conseguir
retirar da sentença de condenação da Administração um efeito útil.
“Este preceito permite que o
autor, através de um mecanismo expedito, inserido no próprio processo
declarativo, seja ressarcido dos danos que possa ter sofrido por ter sido
ilegalmente preterido, quando se torne evidente que já não é possível dar
satisfação integral ao seu interesse primitivo”, nas palavras do Professor
Mário Aroso de Almeida.
Assim, no caso concreto, a autora teria direito a uma indemnização
correspondente aos prejuízos que teve com a deliberação ilegal de adjudicação
do contrato de prestação de serviços e fornecimento de refeições e serviços de
bar a outra concorrente. Outros danos, alegados pela autora, seriam passíveis
de ser invocados em processo autónomo de responsabilidade civil extracontratual
da Administração.
Soraya Ossman
Aluna nº 19991
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