domingo, 16 de dezembro de 2012

Análise do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 21-01-2010, Processo nº 04949/09 ( Modificação Objectiva da instância- Impossibilidade absoluta de satisfação dos interesses do autor )


O acórdão em análise, em cumprimento de um outro acórdão do STA, respondeu à questão de saber se devido à anulação de uma determinada deliberação, com fundamento na sua ilegalidade, deve ser concedida uma indemnização ao autor, com base na impossibilidade absoluta da condenação da Administração Pública.

Determinada empresa de restauração, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que havia considerado improcedente a pretensão da autora contra o Instituto de Emprego e Formação Profissional, no sentido da anulação de um concurso público internacional relativo à prestação de serviços e fornecimento de refeições e serviços de bar no Centro de Formação Profissional. Como fundamento desta improcedência, determinou o TAF de Sintra que não tinham sido apresentados os encargos directos e obrigatórios com o pessoal.

O Tribunal Central Administrativo do Sul negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Decidiu, por isso, a autora recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, utilizando para isso o recurso de revista. Por sua vez, o STA concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e anulou a deliberação que a autora vinha impugnando. Por fim, o STA determinou a baixa dos autos, para que fosse reapreciado o recurso, para o TCA, tendo como pressuposto a ilegalidade, declarada por aquele Tribunal, da deliberação.

Assim, este segundo acórdão do TCA, analisou esta mesma questão.

A autora havia cumulado com o pedido de anulação da deliberação que determinava a sua exclusão do concurso, um pedido de condenação do réu na prática do acto devido, que se consubstanciava na admissão da proposta da autora e na adjudicação dos serviços à sua empresa.
Não esquecendo a ilegalidade da deliberação declarada pelo STA e que, nos termos do nº3 do artigo 150.º do CPTA, constitui regime jurídico definitivo, entendeu o TCA-Sul que o facto de já ter sido celebrado o contrato de fornecimento de refeições e serviço de bar entre o IEFP e outra empresa de restauração e ter decorrido o prazo da vigência do mesmo, determinaria a impossibilidade absoluta da satisfação dos interesses da recorrente.
Converteu, por isso, este Tribunal, o pedido de anulação do acto pré-contratual ( neste caso, a deliberação lesiva dos interesses da autora ), em pedido de indemnização, cujo montante seria acordado pelas partes ou fixado pelo tribunal, na falta desse acordo. Considerou, assim, haver uma impossibilidade absoluta de condenar a Administração na prática do acto devido, reconhecendo, à autora, o direito a uma indemnização.
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             Da modificação objectiva da instância

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O CPTA prevê no seu artigo 45.º uma situação de modificação objectiva da instância, isto é, uma modificação do objecto do processo ( pedido e causa de pedir ).
Esta disposição insere-se numa secção que o Código dedica à acção administrativa comum. Não deixa, no entanto, de ser aplicável, tanto à acção administrativa especial, como ao contencioso pré-contratual, por força dos artigos 49.º e 102.º/5, respectivamente.

Para analisarmos o acórdão em causa, apoiar-nos-emos na regra geral prevista no artigo 45.º do CPTA.
Assim, determina este artigo que, em vez de julgar procedente o pedido do autor, o tribunal convida as partes a acordarem o montante de uma indemnização, nos casos em que “ à satisfação dos interesses do autor obsta a existência de uma situação de impossibilidade absoluta ou que o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que seria condenada originaria um excepcional prejuízo para o interesse público, (…)”.

Para concluir pela aplicação deste preceito ao caso sub judice teremos que determinar se os dois pressupostos estão preenchidos:
 Existência de uma situação de impossibilidade absoluta que obsta à satisfação dos interesses do autor, isto é, por qualquer razão, seja de facto ou de direito, não seria possível extrair a consequência pretendida pela autora da sentença; ou
- O cumprimento da sentença pela Administração originaria um excepcional prejuízo para o interesse público.

Parece que, no nosso caso, está preenchido o primeiro pressuposto, já que, tal como diz o segundo acórdão do TCA-Sul, o facto de já ter sido celebrado ( e até, executado ) o contrato em que foi preterida a autora, tornou a condenação da Administração impossível. Como é óbvio, só no “mundo jurídico” podemos destruir efeitos já produzidos no passado. Na chamada “vida real”, não podemos, simplesmente, “fingir” que o contrato celebrado entre a Administração e a outra empresa de restauração não existiu.

Concluímos, assim, que a autora teria direito a uma indemnização, nos termos do nº 5 do artigo 102.º do CPTA ( já que estamos perante um processo do contencioso pré-contratual ), que , como já foi dito, consubstancia um caso de modificação objectiva da instância.
E poderíamos ficar por aqui na nossa análise, não fosse a questão, debatida na doutrina, de saber “ Que indemnização é esta?”, nas palavras da Dra. Vera Eiró.

O professor Mário Aroso de Almeida defende que esta indeminização “ tem por objecto reparar o prejuízo novo que, para o autor, resulta do facto de não obter a sentença que seria proferida se não existisse a situação de impossibilidade absoluta, ou de excepcional prejuízo para o interesse público (…).”

Naturalmente, o autor pode pedir uma indemnização pela ocorrência de outros danos que, eventualmente, seria devida mesmo que a sentença de condenação da Administração tivesse sido proferida e executada. No entanto, este pedido de reparação destes danos seria objecto de um pedido autónomo, dado que o objectivo dos artigos 45.º, 49.º e 102.º/5 do CPTA não é o de converter estes processos numa acção de responsabilidade civil extracontratual mas sim o de permitir que o autor obtenha uma compensação pelo facto de não conseguir retirar da sentença de condenação da Administração um efeito útil.

“Este preceito permite que o autor, através de um mecanismo expedito, inserido no próprio processo declarativo, seja ressarcido dos danos que possa ter sofrido por ter sido ilegalmente preterido, quando se torne evidente que já não é possível dar satisfação integral ao seu interesse primitivo”, nas palavras do Professor Mário Aroso de Almeida.

Assim, no caso concreto, a autora teria direito a uma indemnização correspondente aos prejuízos que teve com a deliberação ilegal de adjudicação do contrato de prestação de serviços e fornecimento de refeições e serviços de bar a outra concorrente. Outros danos, alegados pela autora, seriam passíveis de ser invocados em processo autónomo de responsabilidade civil extracontratual da Administração.

Soraya Ossman
Aluna nº 19991

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