sexta-feira, 14 de dezembro de 2012


O decretamento provisório de providências cautelares e o seu confronto com a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias


O artigo 131º institui um regime especialmente célere de decretamento, a título provisório, de providências cautelares destinadas a “tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil” ou, em todo o caso, a dar resposta a situações de “especial urgência”. 
O preceito tem o propósito de assegurar que, quando as circunstâncias o justifiquem, o tribunal conceda a providência cautelar imediatamente após a apresentação do pedido. O decretamento provisório é concedido logo no início do processo cautelar e destina-se a evitar o periculum in mora do processo cautelar, evitando os danos que possam resultar da demora desse processo. Trata-se, assim, de antecipar, a título provisório, e apenas para dar resposta a situações de especial urgência durante a pendência do processo cautelar, a concessão de uma providência cautelar que, depois, cumprirá decidir se também deve valer durante toda a pendência do processo principal. 

O artigo 131º, nº 3, dá relevância às situações em que o tribunal dê razão à avaliação que, nesse sentido, o requerente faça a propósito da urgência, em petição concretamente dirigida ao decretamento provisório, que tenha apresentado ao abrigo do nº 1. Mas também parece que o preceito pode ser lido no sentido de que, mesmo quando o interessado se limite a pedir uma providência cautelar, nos termos do artigo 114º, sem requerer o seu decretamento provisório, o tribunal deve avançar para o decretamento provisório quando reconheça, atenta a gravidade da situação, que essa é a única solução capaz de assegurar a tutela jurisdicional efectiva do requerente (princípio da tutela jurisdicional efectiva). 

 O primeiro período de vigência do CPTA permitiu identificar múltiplas dificuldades na aplicação deste instituto. E a primeira de todas tem que ver com a própria estrutura do instituto, na articulação que, no artigo 131º, é estabelecida entre duas fases sucessivas, que se encontram previstas, respectivamente, no nº 3 e no nº 6. 
À partida, o decretamento provisório está previsto no nº 3 e tem lugar estritamente com base nos critérios que nesse preceito são enunciados. Uma vez “decretada a providência provisória” — nos termos do nº 3 —, acrescenta, no entanto, o nº 6 que “é dado às partes o prazo de cinco dias para se pronunciarem sobre a possibilidade do levantamento, manutenção ou alteração da providência, sendo, em seguida, o processo concluso, por cinco dias, ao juiz ou relator, para proferir decisão confirmando ou alterando o decidido”. E a questão que se coloca é a de saber qual é o sentido e o alcance deste procedimento, regulado no nº 6.

Duas posições são, quanto a este ponto, concebíveis: 

(a) a primeira é a de conceber o processo de decretamento provisório como um processo complexo, constituído por duas fases, sendo que, na primeira (regulada no nº 3), o tribunal, em apenas 48 horas e, por regra, sem contraditório, “decreta a providência provisória”, e na segunda (regulada no nº 6), primacialmente destinada a assegurar o contraditório (mas sem lugar à produção de prova), é dada ao juiz a possibilidade de rever a decisão tomada — tudo no pressuposto de que o decretamento provisório se destina a vigorar durante a pendência do processo cautelar e, portanto, de que, entretanto, haverá o processo cautelar propriamente dito, no âmbito do qual se decidirá em que termos deverá ficar a situação regulada durante a pendência do processo principal; 

(b) a segunda posição concebível nesta matéria é a de conceber o processo de decretamento provisório como um processo constituído por uma única fase, que se esgota na pronúncia prevista no nº 3, e de já ver no nº 6 a tramitação especial a que, nestes casos, ficará submetido o processo cautelar propriamente dito, em ordem a estabelecer se a providência provisoriamente decretada se deverá ou não manter durante a pendência do processo principal.

O Professor Mário Aroso de Almeida, é da opinião que a segunda posição é à partida, a mais natural: com efeito, a simples circunstância de estarmos, neste domínio, perante um instituto pensado para evitar o periculum in mora do processo cautelar, em ordem a evitar os danos que possam ocorrer na própria pendência desse processo, levaria, à partida, a pensar que, a preverem-se dois momentos no artigo 131º, esses momentos haveriam de corresponder ao do decretamento provisório, que está indubitavelmente previsto no nº 3, e, depois, no nº 6, ao do eventual decretamento definitivo, que, pondo termo ao processo cautelar, determinaria em que termos deveria ficar regulada a situação durante toda a pendência do processo principal — com o que o regime do artigo 131º, nº 6, substituiria, para estes casos, o dos artigos 117º e seguintes. 

Pelo modo limitativo como se encontra configurado o regime do artigo 131º, nº 6, afigura-se, porém, que não foi essa a opção do legislador e que, pelo contrário, a sua intenção terá sido, na verdade, a de desenhar um processo de decretamento provisório em duas fases, sem prejuízo do processo cautelar propriamente dito. Na verdade, a tramitação prevista no nº 6 não parece capaz de comportar, sem adaptações que o preceito não consente, as indagações e valorações que são próprias de um processo cautelar. 
Afigura-se, pois, que, como o nº 3 dá apenas 48 horas ao juiz para decidir, num primeiro momento, sobre o decretamento provisório e o nº 4 parece admitir que, por regra, o decretamento proferido nessas circunstâncias tenha lugar sem contraditório, o nº 6 terá sobretudo o propósito de dar ao juiz, ainda em sede de decretamento provisório, a oportunidade de rever a sua decisão, uma vez assegurado o contraditório. 

Por outro lado, só se fazes referência à citação das partes para se pronunciarem, sem menção à possibilidade de requererem a produção de prova, e a fixação de um prazo para o juiz decidir, logo após as partes se terem pronunciado, que se afigura claramente incompatível com a produção de qualquer prova. 

Será, pois, de ver o processo de decretamento provisório de providências cautelares como um processo em duas fases, tal como reguladas ao longo do artigo 131º. E de entender que a decisão que, no âmbito desse processo, ao juiz cumpre proferir no termo da segunda fase, segundo o diposto no artigo 131º, nº 6, não prejudica o subsequente desenvolvimento do processo cautelar, processo em relação ao qual o do decretamento provisório funcionou como um preliminar - Professor Mário Aroso de Almeida.

Critérios em que deve assentar o decretamento provisório

De acordo com artigo 131º refere-se, no nº 1 e, com maior grau de concretização, no nº 3, o primeiro aspecto a reter quanto a este ponto tem que ver com a necessidade de se densificar esta última fórmula (“situação de especial urgência”), o que se afigura da maior importância para evitar que ela seja preenchida em termos tais que contribuam para a banalização de um instituto que, pelo excepcional grau de exigência que a sua celeridade impõe ao sistema, deve ter um âmbito limitado de intervenção. 
A nosso ver, essa densificação deve passar por uma interpretação de conjunto do artigo 131º, nº 3 (este preceito prevê dois tipos de situações em alternativa, sendo mais preciso na identificação da primeira: “possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade ou garantia”, do que da segunda). A utilização da fórmula “outra situação de especial urgência” dá, no entanto, a entender que o legislador reconhece, desde logo, que existe uma “especial urgência” quando há a possibilidade da lesão iminente e irreversível de um direito, liberdade ou garantia e pretende estender o mesmo regime de protecção a outras situações do mesmo tipo, que lhe sejam comparáveis — ou seja, a outras situações em que exista a possibilidade da consumação de uma lesão iminente e irreversível. 

De acordo com o pensamento do Professor Mário Aroso de Almeida, está aqui ínsito um dos dois requisitos de que, em termos gerais, o artigo 120º, nº 1, faz depender, nas suas alíneas b) e c), a concessão de providências cautelares: o periculum in mora, que se concretiza no perigo de uma lesão irreversível. Sucede, entretanto, que, no âmbito do decretamento provisório, o periculum in mora tem de ser qualificado, na medida em que não se reporta apenas à morosidade do processo principal, mas à morosidade do próprio processo cautelar: não está, na verdade, em causa o perigo da constituição de uma situação irreversível se nada for feito até ao momento em que venha a ser proferida sentença no processo principal, mas o perigo da constituição de uma situação irreversível se nada for feito de imediato, antes ainda do momento em que virá a ser decidido o próprio processo cautelar. É por este motivo que o preceito associa ao perigo de uma lesão irreversível o perigo de uma lesão iminente. A ocorrência tem, na verdade, de estar iminente — por dias ou semanas —, pelo que a efectividade da tutela não se compadece com o normal andamento do processo cautelar, mas antes exige a adopção de uma providência destinada a vigorar já durante a própria pendência daquele processo. 

Assim, o juiz do decretamento provisório não deve deixar, entretanto, de atender — designadamente na decisão que lhe cumpre proferir, a final, no âmbito do nº 6 — aos demais critérios de decisão que são enunciados no artigo 120º. A tal não se opõe, na realidade, a circunstância de, no âmbito deste processo, o juiz poder não dispor de todos os elementos, circunstância que, a nosso ver, apenas deve determinar, atenta a gravidade dos interesses do requerente que, neste domínio, estão em jogo, que o decretamento provisório só deva ser recusado, por razões que se contraponham ao periculum in mora, em situações de evidência — desde logo, evidência de que o requerente não tem razão quanto ao fundo da questão, a dirimir no processo principal.

 O artigo 131º tem em vista situações que requeiram a imediata concessão de uma providência cautelar, sem prejuízo da decisão que venha a ser proferida no processo principal e até sem prejuízo da decisão definitiva que, a propósito da manutenção ou não da providência provisoriamente decretada, venha a ser proferida no próprio processo cautelar. Não estamos perante situações em que a concessão da providência faz com que o processo principal  se torne automaticamente inútil e em que, por isso, é necessário obter, com carácter de urgência, uma decisão definitiva sobre o mérito da questão colocada no processo principal. Pelo contrário, estamos perante situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, na medida em que é, para o efeito, suficiente o decretamento de uma mera providência cautelar, desde que se assegure que a providência é decretada com a maior urgência, imediatamente após o momento em que seja solicitada. 


Ana Luísa Moreira
Nº 19476
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Bibliografia:

- ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2012.

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