quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


Recursos Jurisdicionais no Direito Administrativo


No contencioso administrativo, à semelhança do que se verifica nos outros ramos do Direito, também é possível recorrer das decisões jurisdicionais. Dispõe o artigo 140ª do CPTA que os recursos ordinários das decisões proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, com as necessárias adaptações e, são processados como os recursos de agravo. Deve-se, ainda, atender ao disposto no CPTA e no ETAF quanto a esta temática. Contra este artigo insurgem-se Mário Aroso de Almeida e Mário Torres salientando que nem todos os recursos ordinários são processados como recursos de agravo.
Com a alteração imposta pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, o artigo 140º do CPTA, na parte que diz respeito aos recursos de agavo, ficou algo prejudicada uma vez que o artigo 4º do referido DL determina que as referências que, em legislação avulsa, sejam feitas ao recurso de agravo, consideram-se feitas ao recurso de apelação e, consequentemente, sejam regulados ao disposto no código do processual civil.
Os recursos dividem-se em ordinários e extraordinários, conforme resulta do artigo 149º e seguintes, sendo que dentro dos primeiros encontramos o recurso de apelação e o recurso de revista e dentro dos segundos os recursos de uniformização de jurisprudência e de revisão. Antes de desenvolver um pouco mais cada um deles, importa tecer algumas considerações gerais.
Na maior parte dos casos, as decisões que vêm dar lugar a recursos jurisdicionais não se limitam a eliminar a decisão recorrida mas julgarem do mérito da causa no mesmo acórdão em que a revogam, procedendo, para isso, às averiguações necessárias, demostrando sempre respeito pelo princípio do contraditório. Este facto encontra explicação no princípio da economia processual e da celeridade processual, uma vez que não seria plausível reenviar todo o processo para a 1ºinstância para esta apreciar os vícios não conhecidos e proceder a todas as diligências necessárias para interpor o recurso, despendendo, na melhor das hipóteses, vários meses.
Importa referir que não é aqui posto em causa o princípio do duplo grau de jurisdição, pelo facto de certos aspectos da causa serem pela primeira vez julgados no âmbito do recurso jurisdicional. A única coisa que poderá estar aqui em causa é a possibilidade de não haver duas decisões sobre cada um dos aspectos da causa em apreço, por tribunais distintos. No entanto, não é imperativo que isto seja assegurado pelo legislador, sendo o objectivo primordial assegurar a intervenção de um tribunal superior e, portanto, que as questões sejam por ele definitivamente decididas, o que se encontra assegurado a partir do momento em que as partes têm a possibilidade de debater, perante este tribunal, as questões sobre as quais ele se vai pronunciar.
Têm legitimidade para recorrer, nos termos do artigo 141º, nº 1 a parte vencida e o Ministério Público, este último apenas em casos em que haja violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais. Os números 2 e 3 alargam a legitimidade à parte que apesar de ter do seu lado a decisão favorável quanto à questão de anulação do acto, ao mesmo tempo demostre ser-lhe desfavorável na parte em que se tenha pronunciado pela procedência ou não de determinada causa de invalidade.
O artigo 142º dispõe sobre as decisões que admitem recurso, sendo que o seu nº 1 faz depender o recurso de mérito da causa para um tribunal de grau superior, que o processo tenha valor superior à alçada do tribunal do qual se recorre (regulado pelos artigos 31º e ss). O nº2 avança que são consideradas decisões de mérito da causa as que, em sede executiva, declarem a existência de causa legítima de inexecução, pronunciem a invalidade de actos desconformes ou fixem indemnizações fundadas na existência de causa legítima de inexecução.
O artigo 142º, nº 3 exceptua quatro casos em que é admissível recurso, independentemente do valor da causa: improcedência de pedidos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias; proferidas em matéria sancionatória; proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo; que ponham termo ao processo sem se pronunciarem sobre o mérito da causa. Já o nº 5 dispõe que as decisões proferidas em despachos interlocutórios devem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, excepto nos casos de subida imediata, previstos no Código de Processo Civil.
A regra geral no que diz respeito a efeitos dos recursos é a de que há suspensão da decisão recorrida (artigo 143.º, nº3). Já quanto estejam em causa processos cautelares e decisões de intimação de protecção de direitos, liberdades e garantias o recurso tem efeito meramente devolutivo. Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal para o qual se recorre que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.
No entanto, quando a atribuição de efeitos meramente devolutivos ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal pode determinar a adopção de providências adequadas a evitar  ou minorar esses danos e impor a prestação, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos. É recusado este efeito devolutivo quando se preveja que  dele resultem efeitos irreversíveis e que possam causar mais prejuízos mais gravosos para os interesses contrapostos ao do interessado

Recurso de apelação
Caracteriza-se por ser um recurso tanto sobre matéria de direito, como também de matéria de facto, funcionando como uma segundo grau de jurisdição, já que O Tribunal Central Administrativo julgará novamente o mérito da causa e, se este for precedente, o recurso, substituindo a decisão que originou o pedido de recurso. O artigo 149º refere-se directamente ao recurso de apelação e permite a renovação de meios de prova, bem como a realização de diligência probatórias sobre questões que o tribunal recorrido não tenha conhecido ou tenha considerado prejudicadas.   De notar que em sede de recurso se observa também o respeito ao princípio do dispositivo, pelo que apenas se pode contar com os factos articulados pelas partes.
Nos vários números do artigo 149º do CPTA constam os poderes do tribunal de apelação. Assim sendo, (1) se uma sentença da 1º instância for declarada nula tal não impede que o tribunal de recurso decida sobre o objecto da causa; (2) no caso de haver produção de prova no recurso é aplicável às diligências ordenadas, obviamente que com as necessárias adaptações, preceituado quanto à instrução, discussão, alegações e julgamento em primeira instância; (3) caso o tribunal recorrido tenha julgado do mérito da causa, mas deixado de conhecer de certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, o tribunal superior, se entender que o recurso procede e que nada obsta à apreciação daquelas questões, conhece delas no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida; (4) Se, o tribunal recorrido, por qualquer motivo, não tiver conhecido do pedido, o tribunal de recurso, se julgar que o motivo não procede e que nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa, conhece deste no mesmo acórdão em que revoga a decisão recorrida. Os poderes conferidos pelo nº4 do artigo 149º encontram-se, no entanto, limitados pelo disposto no artigo 87º, nº2, pelo que as questões prévias não apreciadas no despacho saneador, não o poderão ser posteriormente.
Como já supra foi referido, há também nesta sede lugar ao contraditório, pelo que o artigo 149.º, nº 5 dispõe que as partes devem ser ouvidas, no prazo de 10 dias, pelo relator.
Recurso de Revista
Há duas modalidades deste tipo de recurso: das decisões proferidas em 2ª instância pelo tribunal central administrativo (artigo 150º) e das decisões proferidas por tribunais de 1ª instância – Revista per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo (artigo 151º).
O artigo 150º admite a possibilidade de um duplo grau de recurso de uma decisão do Tribunal Central Administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo, que apenas pode ter como fundamento a violação da lei substantiva ou processual ou caso diga respeito a “questões que pela sua relevância jurídica ou social, se revelem de importância fundamental, ou em que a admissão de recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. Nos termos do artigo 150º, nº5 compete ao STA decidir se o caso concreto preenche ou não os requisitos para se poder utilizar esta modalidade de recurso. Em caso de procedência do recurso, o STA irá substituir a decisão anterior por uma decisão sua.
Quanto à modalidade do artigo 151º, esta só é admitida quando sejam invocadas questões de direito e que preencham cumulativamente o disposto no nº 1 e 2, ou seja, tem se ser superior a três milhões de euros ou ter valor indeterminável e que não verse sobre questões de funcionalismo público ou de segurança nacional.
Tem-se questionado se esta modalidade é obrigatória quando estejam verificados todos os requisitos supra indicados. Mário Aroso de Almeida entende que não, uma vez que o CPTA nada diz quanto à sua obrigatoriedade, sendo que o artigo 725º do CPC diz precisamente que este não é obrigatório. O recorrente goza de liberdade para decidir se quer interpor o recurso junto do Supremo Tribunal Administrativo ou se prefere interpor junto do Tribunal Central Administrativo.
Recurso para uniformização de jurisprudência
Apesar de este vir referido no artigo 152º, é considerado um recurso extraordinário, visto que se interpõe de uma decisão já transitada em julgado com fundamento de alegada existência de contradição em matéria de Direito, entre duas decisões proferidas pelo STA ou por uma decisão proferida pelo STA e uma pelo STC.
Nos termos do artigo 152º, nº1 as partes ou o Ministério Público podem interpor junto do STA esta modalidade de recurso, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão impugnado. Sendo este pedido procedente, o acórdão onde se encontra a contradição é anulado, sendo substituído pelo que decide sobre a questão controvertida e é publicado no Diário da República (nº 4), para que possa orientar a jurisprudência sobre a matéria em causa.
Revisão da sentença
Vem regulada no artigo 154º e consiste no pedido ao próprio tribunal que tenha proferido a sentença, que a reveja. No nº2 admite-se que, cumulativamente, se peça a indemnização pelos danos sofridos.
Têm legitimidade para pedir recurso de revisão as partes do processo, bem como o Ministério Público. O nº 2 acrescenta que têm ainda legitimidade aqueles que deveriam ter sido obrigatoriamente citados no processo e não o foram e quem não teve oportunidade de participar no processo mas que tenha sofrido ou que venha a sofrer com a execução da decisão. Este preceito tem um âmbito mais alargado do que o seu correspondente no CPC.

Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Edições Almedina, 2010 
OLIVEIRA, Mário Esteves e Rodrigo Esteves, Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos, anotado, volume I, Almedina, Coimbra, 2005. 
TORRES, Mário,” Três falsas ideias simples em matéria de recursos jurisdicionais no contencioso administrativo” in Estudos de Homenagem a Francisco José Velozo, 2002

Ana Sofia Freire
Aluna nº 19493

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