quarta-feira, 12 de dezembro de 2012


Algumas das inovações no âmbito da tutela cautelar na evolução do nosso contencioso administrativo 

A consagração das providências cautelares no nosso contencioso administrativo é o resultado de uma evolução gradual até a actualidade. Assim, até 1985, a única providência cautelar que tínhamos entre nós era a Suspensão da eficácia de Acto Administrativo (AA), à qual se veio juntar, com a LPTA, ainda que com um âmbito de aplicação muito limitado e com pouca expressão na prática, a Intimação para um comportamento. 
O instituto da suspensão da eficácia de AA foi, assim, historicamente concebido como o meio típico de tutela cautelar, encarado como um instrumento acessório em relação a processos de anulação de AA, ou seja, estava vocacionado para funcionar no domínio da impugnação anulatória de AA (de conteúdo positivo), já não no caso de ser necessária a prática de um AA (o mecanismo não proporciona uma tutela cautelar efectiva estando em causa um acto de indeferimento).

Com a reforma do contencioso, e uma vez superada a lacuna no plano da tutela final, com a instituição de processos dirigidos à condenação da prática de AA, ficam também superadas as insuficiências existentes no plano da tutela cautelar, dando-se cobertura formal à adopção de todo o tipo de providências cautelares, nomeadamente àquelas que assegurem a tutela cautelar efectiva das posições subjectivas cujo conteúdo se dirija à emissão de AA (vide, neste sentido, o Art. 112º n.º2 b) e d) CPTA).

De facto, a efectividade do amplo leque de pretensões substantivas que os particulares passam a poder accionar a título principal perante os tribunais administrativos, passa pela possibilidade de obter providências cautelares de conteúdo diversificado, em função das necessidades de cada caso. Assim se compreende, desde logo, a cláusula aberta do n.º1 do Art. 112º CPTA. O n.º2 do preceito, entretanto, admite que as providências cautelares a adoptar possam ser as providências típicas que se encontram especificadas no CPC, com as adaptações que se justifiquem, apresentando em seguida um elenco exemplificativo de outras providências que passam a poder ser adoptadas. Dá-se cumprimento, neste sentido, ao n.º4 do Art. 268º CRP, que exige a consagração do poder dos tribunais administrativos de adoptarem providências cautelares não especificadas (cfr. Arts. 2º n.º1 e 381º e ss. CPC) e novas providências cautelares típicas, configuradas em função das características próprias das relações jurídico-administrativas.

São dois os domínios pelos quais passa o alargamento da tutela cautelar que, no novo contencioso administrativo, resulta do Art. 112º:

1º - situações em que o interessado pretenda manter ou conservar um direito em perigo, evitando que ele seja prejudicado por medidas que a Administração venha a adoptar – Providências cautelares conservatórias: caso dos Arts. 112º n.º2 a), 128º e 129º, bem como o caso do Art. 112º n.º2 f) CPTA;

2º - situações em que o interessado pretenda obter uma prestação administrativa, a adopção de medidas por parte da Administração, que podem envolver ou não a prática de AA. O interessado, neste caso, aspira à obtenção de um efeito favorável, através da imposição de uma ordem à Administração para que esta adopte as medidas necessárias para minorar as consequências do periculum in mora (dano em potência, ainda não concretizado). Na verdade, em muitos casos, há-de ser necessário, para o efeito, antecipar, a título provisório, o resultado favorável pretendido no processo principal – Providências cautelares antecipatórias – ex.: permissão provisória da utilização de um bem (Art. 112º n.º2 c)), inscrição provisória numa universidade, admissão provisória num concurso (Art. 112º n.º2 b)), permissão provisória da prática de determinado horário de comércio (Art. 112º n.º2 d)) ou as situações previstas no Art. 112º n.º2 e) e f) CPTA.

Estas pretensões tanto podem ser deduzidas por particulares como pela própria Administração, em situações em que esta não disponha, nos termos da lei substantiva, de poderes de auto-tutela declarativa e/ou executiva. O Art. 112º n.º2 f) reporta-se, por seu turno, ao regime da intimação para um comportamento, que pode ser utilizada por particulares contra particulares, por entidades públicas contra um particular ou mesmo contra uma entidade pública. Esta pretensão destina-se a contrariar actuações de facto ilegais, pedindo-se ao tribunal que ordene os prevaricadores a adoptarem ou a absterem-se de um determinado comportamento.

                                                                            Ana Luísa Silva Moreira
                                                                            Nº 19476

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Bibliografia: 

- ANDRADE, José Carlos Vieira de, A justiça administrativa (Lições), 11.ª Edição, Lisboa, Almedina, 2011

- AMARAL, Diogo Freitas de, Curso de Direito Administrativo - Volume II, Reimpressão da 2.ª Edição, Almedina, 2012

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