sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Direitos fundamentais no Contencioso administrativo e a Audiência dos interessados






Com a reforma do contencioso administrativo, o papel dos tribunais administrativos como garantia dos direitos fundamentais surge mais vincado, dado o pendor subjectivista da referida reforma como alias se retira da redacção do art. 4º/1 al a) do ETAF, situação que aliás se encontra reforçado mediante o art. 268º/4/5 da CRP. É então garantido aos administrados, tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da pratica de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas. A competência dos Tribunais Administrativos nesta matéria, cinge-se claro está, quando estamos perante direitos envolvidos numa relação ou litigio administrativo fundados  em normas constitucionais que têm manifestação nas relações jurídicas administrativas, como decorre do Art. 109º/2 CPTA.

Quanto à relação da Constituição e de reforma do Contencioso administrativo é, ao que parece, bastante estreita ainda mais se considerarmos que com a Revisão Constitucional de 1982 ao Art. 268º/1 se reforçou de forma notória o pendor subjectivista do contencioso administrativo a partir da imposição de um meio processual de Reconhecimento de Direitos: “é garantido aos interessados, recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos definitivos e executórios, independentemente da sua forma, bem como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido.”
Esta tendência no sentido de aproximar a administração dos cidadãos verificou-se em posteriores alterações à lei fundamental, nomeadamente na realizada em 1989 e em 1997:

Na revisão de 1989, consagrou-se implicitamente a garantia constitucional de acesso à justiça como Direito Fundamental dos Administrados e o Direito à tutela jurisdicional efectiva, o que é análogo ao consagrado nos arts. 17º e 18º CRP, na redacção do Art. 268º/4, passou a ser, a seguinte: “é garantido aos interessados recurso contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaiquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.” O numero seguinte do mesmo artigo: “É igualmente sempre garantido aos administrados, o acesso à justiça administrativa para tutelar os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.”
Alterações estas que, não impeliram ainda assim, o legislador ordinário a atender a tais garantias, pelo que, por uma ultima vez, alterar a disposição do mesmo, em 1997, para a que se conhece actualmente: “É garantida aos administrados, tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da pratica de actos administrativos legalmente devidos é a adopção de medidas cautelares adequadas” Quanto ao numero 5: “Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa, lesivos dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”

A partir de então consagrava-se o principio de que nenhum interesse de particular, sujeito a protecção jurídica podia deixar de ser atendido junto de jurisdição administrativa. Esta modificação reflecte aquilo que o Professor Vasco Pereira da Silva baptizou de “Revolução Coperniciana”, uma vez que daí em diante se verificou uma importância crescente do Principio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares de tal modo que, os restantes meios giravam em seu redor, como centro de atracção.

Ora, tendo em conta o ímpeto subjectivista das alterações à Constituição e bem assim, como já foi mencionado, na reforma do Contencioso, encontramos a ideia de que o administrado não pode apenas ser mero objecto do procedimento administrativo, tornando-se fundamental o seu direito a ser ouvido antes da decisão definitiva. Como tal, a audiência dos interessados afirma-se como uma instancia de participação dos cidadãos no procedimento Administrativo de forma a mitigar a inconformidade e impotência destes perante o agir administrativo. Assim, verificou-se uma maior responsabilização e preocupação dos interessados relativamente aos procedimentos dos quais poderão ver-se de uma forma ou de outra, envolvidos.

Esta participação procedimental dos interessados está por isso, intimamente relacionada com o direito à informação (art. 7º e 61º ss. Do CPTA). Direito este que acaba por se tornar mais acessível naqueles termos, permitindo uma maior facilitação no exercício dos direitos e interesses dos particulares e por outro lado, permite à administração ter acesso a mais elementos que ajudarão à decisão. 

Ora, este incremento de participação dos particulares no processo de decisão além de garantir a adesão e da confiança daqueles, encontra-se relacionada com o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, na medida em que o particular deixa de ser marginalizado durante o procedimento e de se sentir alheio a este de tal modo que se veja alvo de decisões que lhe possam ser prejudiciais sem oportunidade de se pronunciar, o que, aliás configuraria uma típica parábola d’O Processo Kafkiano. 

Por outro lado, obtem-se vantagens no que diz respeito ao conteúdo das decisões administrativas, uma vez que a participação dos interessados leva a apresentação de argumentos, provas e informações que podiam escapar de outra forma, à decisão, que assim se torna mais eficiente no desempenho das suas funções (muito embora, a Administração não possa instrumentalizar a audiência dos interessados apenas nesse sentido, fazendo uso do seu poder discricionário).
Apenas assim se garante um processo democrático que se supõe ser uma garantia constitucional fundamental assegurado pelo Direito, pois então diz Luziana Braga: “O Estado Democrático do Direito pressupõe uma Administração Publica e poe um direito Administrativo compreendidos, explicados e vividos, segundo os princípios que o norteiam, das quais releva o da participação livre do cidadão no exercício do poder, aí inserida a fase de controlo de Competencia desempenhada.”

A partir da reforma do CPA, a audiência dos interessados passou a considerar-se nos procedimentos em geral e não apenas, quanto aos procedimentos administrativos sancionatórios como havia sido até à reforma.
A garantia dos deveres fundamentais ve-se concretizada com o direito à defesa, à imparcialidade, à informação e ao contraditório que deu lugar à anterior arbitrariedade da autoridade administrativa, que encarava os interessados tão só, como objecto da decisão Administrativa.
Neste aspecto, é também relevante e evidente o interesse publico resultante deste justo procedimento ora consagrado, na medida em que a participação dos interessados conduz, inevitavelmente a uma tomada de decisões mais adequadas ao publico em geral. Neste sentido, defende Freitas do Amaral, um modelo de participação procedimental garantistico, o qual determina a audição dos interessados ao nível constitucional. O art. 268º CRP é, por si considerado como vinculativo quanto à obrigação da Administração ouvir os interesses antes da decisão final de qualquer processo que lhes diga respeito.

Cabe referencia ao consignado ao art. 20º da CRP relativamente ao Direito de Audiencia da natureza análoga aos direitos fundamentais, pois é garantido aos interessados, o direito a serem escutados e a se defenderem. Poderá não obstante, ver-se excluída se houver um aumento de danos caso se observe a sua ocorrência, ou nos casos em que é necessária uma imediata solução administrativa.

Naturalmente que este direito observa limitações, nomeadamente no que se refere à abrangência de interessados envolvidos. Não se afigurava concebível que o Direito à audiência fosse extensível a toda e qualquer sujeito que aparentemente se visse – ou alegasse ver afectado pela decisão - por uma questão de economia e celeridades processuais, que se não fossem observados, inquinariam o processo de tal forma que se perderia o interesse do mesmo, e consequentemente os interesses das partes envolvidas.

Além das estarem previstas, situações em que não se estabeleceu a instrucção, como no Indeferimento Liminar e Saneador em que não ocorrerá a audiência dos interessados. Assim será também, quando o processo tenha caracter urgente e a sua observância comprometesse a execução e utilidade da decisão.

Compete além do mais, à Administração, em nome dos princípios da Colaboração e participação (artigos 7º e 8º do CPA, respectivamente), garantir que a participação dos interessados seja adequada e substancial em termos de conteúdo e não algo meramente formal e consequência de um habito ritualesco.

Apesar da Administração fornecer informações sobre o objecto do procedimento e dos seus aspectos mais relevantes, as partes não têm que se cingir a estas informações, podendo adicionar alegações que considerem importantes para a defesa dos seus interesses, exercendo todos os direitos próprios do procedimento instrutório, inclusive requerer diligencias (até porque atendendo ao momento da audiência: depois da instrucção do processo, é facilmente deduzível que a participação daqueles abranja, as alegações de matérias de facto novas ou oferta de meios de prova não disponibilizados) embora não se possam afastar do definido como relevante.
Atendendo aos arts. 59º e 100º/1 do CPA e tendo, a audiência dos interessados, lugar precedido ao relatório de instrucção e decisão final, esta deve abranger a totalidade do Objecto.
A preterição da audiência dos interessados, ou a sua realização defeituosa, prevista no CPA é geradora de anulabilidade.

Ora, considerando-se estar em causa, um direito fundamental, a sua preterição não deveria considerar-se nulo à luz do art. 133º/2 al d) do CPA?

Para Vasco Pereira da Silva “a não audiência de particulares interessados implicaria ainda e sempre a violação de um direito fundamental, que seria agora não o direito de audiência(…) mas aqueloutro direito fundamental que fosse, em concreto afectado por uma decisão administrativa (direito de propriedade, do ambiente, à saúde…etc)” no entanto, o referido autor considera que, uma vez que o direito de audiência é tido como direito fundamental, a sua preterição não atendendo ao objecto do procedimento em causa, constitui uma violação ao “conteúdo essencial de um direito fundamental (arts. 267/5 e 16º CRP) pelo que deve ser considerado nulo nos termos do art. 133/2 al d) CPTA”

Ainda assim, quer a maioria da doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional entendem que o Direito à Audiencia não se trata de um Direito Fundamental, mas sim um Principio Constitucional estruturante de Administração Publica, sendo que a sua supressão dá origem a uma mera anulabilidade pelo art. 135º CPA. Pelo que só se considera Direito Fundamental se e quando estamos perante um procedimento sancionatório art. 269º/3, 17º e 20º da CRP.

Conclusão:
Face ao exposto e estando o direito à Tutela Jurisdicional inserido no Título II da CRP (art. 20º), como análogo aos Direitos, Liberdades e Garantias, é considerado um Direito Fundamental, sendo que a sua não observância dá aso a nulidade de acordo com o art. 133/2 al d) do CPA, desde que não estivesse em causa razões de celeridade processual que, a não serem observadas, levariam a um aumento dos danos. Ainda mais se se tiver em conta o Critério de fundamentalidade estabelecido na Constituição, no qual se considera direito fundamental, um direito cujo conteúdo se baseie na relação do ser humano com o Estado e na garantia que um bem ou interesse, esteja implicado na dignidade da pessoa humana.
Acrescente-se que, tendo em conta o seu conteúdo material, poderia supor-se que tal norma garante do direito a tutela jurisdicional efectiva (art. 20º),nem sequer tivesse que estar consignado na Constituição para se considerar um Direito fundamental pelo Principio da não tipicidade dos Direitos fundamentais do art. 16º da Constituição.

Se o Direito à defesa, à informação e à tutela jurisdicional efectiva - particularmente quanto ao procedimento administrativo (art. 268º CRP)- não fossem fundamentais, não seria talvez tão distante para qualquer cidadão, um inesperado acordar como o de Joseph K., n’O Processo. Que, vendo-se nas malhas da justiça que lhe traçou fatalmente o destino, transforma o seu dia-a-dia, numa procura desesperada de conhecimento e compreensão do Direito, sem obter qualquer sucesso, uma vez tratar-se apenas de um objecto manipulável pela arbitrariedade de um Tribunal misterioso, que o julga, sem o ouvir.




SILVA, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 1996 
BRAGA, Luziana Carla Pinheiro, Audiencia dos interessados no Procedimento Administrativo, 2008
DURO, João Pedro Canelhas, A tutela de Direitos Fundamentais no novo Contencioso Administrativo Português, 2008




Teresa Fanico
Aluna nº 19496

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