Com
a reforma do contencioso administrativo, o papel dos tribunais administrativos
como garantia dos direitos fundamentais surge mais vincado, dado o pendor
subjectivista da referida reforma como alias se retira da redacção do art. 4º/1
al a) do ETAF, situação que aliás se encontra reforçado mediante o art.
268º/4/5 da CRP. É então garantido aos administrados, tutela jurisdicional
efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo
nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de
quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a
determinação da pratica de actos administrativos legalmente devidos e a adopção
de medidas cautelares adequadas. A competência dos Tribunais Administrativos
nesta matéria, cinge-se claro está, quando estamos perante direitos envolvidos
numa relação ou litigio administrativo fundados
em normas constitucionais que têm manifestação nas relações jurídicas
administrativas, como decorre do Art. 109º/2 CPTA.
Quanto
à relação da Constituição e de reforma do Contencioso administrativo é, ao que
parece, bastante estreita ainda mais se considerarmos que com a Revisão
Constitucional de 1982 ao Art. 268º/1 se reforçou de forma notória o pendor
subjectivista do contencioso administrativo a partir da imposição de um meio
processual de Reconhecimento de Direitos: “é
garantido aos interessados, recurso contencioso com fundamento em ilegalidade,
contra quaisquer actos definitivos e executórios, independentemente da sua
forma, bem como para obter o reconhecimento de um direito ou interesse
legalmente protegido.”
Esta
tendência no sentido de aproximar a administração dos cidadãos verificou-se em
posteriores alterações à lei fundamental, nomeadamente na realizada em 1989 e
em 1997:
Na
revisão de 1989, consagrou-se implicitamente a garantia constitucional de
acesso à justiça como Direito Fundamental dos Administrados e o Direito à
tutela jurisdicional efectiva, o que é análogo ao consagrado nos arts. 17º e
18º CRP, na redacção do Art. 268º/4, passou a ser, a seguinte: “é garantido aos interessados recurso
contencioso com fundamento em ilegalidade, contra quaiquer actos
administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou
interesses legalmente protegidos.” O numero seguinte do mesmo artigo: “É igualmente sempre garantido aos
administrados, o acesso à justiça administrativa para tutelar os seus direitos
ou interesses legalmente protegidos.”
Alterações
estas que, não impeliram ainda assim, o legislador ordinário a atender a tais
garantias, pelo que, por uma ultima vez, alterar a disposição do mesmo, em
1997, para a que se conhece actualmente: “É
garantida aos administrados, tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou
interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento
desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos
que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da pratica de
actos administrativos legalmente devidos é a adopção de medidas cautelares
adequadas” Quanto ao numero 5: “Os
cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com
eficácia externa, lesivos dos seus direitos ou interesses legalmente
protegidos”
A
partir de então consagrava-se o principio de que nenhum interesse de
particular, sujeito a protecção jurídica podia deixar de ser atendido junto de
jurisdição administrativa. Esta modificação reflecte aquilo que o Professor
Vasco Pereira da Silva baptizou de “Revolução Coperniciana”, uma vez que daí em
diante se verificou uma importância crescente do Principio da tutela plena e
efectiva dos direitos dos particulares de tal modo que, os restantes meios giravam
em seu redor, como centro de atracção.
Ora,
tendo em conta o ímpeto subjectivista das alterações à Constituição e bem
assim, como já foi mencionado, na reforma do Contencioso, encontramos a ideia
de que o administrado não pode apenas ser mero objecto do procedimento
administrativo, tornando-se fundamental o seu direito a ser ouvido antes da
decisão definitiva. Como tal, a audiência dos interessados afirma-se como uma
instancia de participação dos cidadãos no procedimento Administrativo de forma
a mitigar a inconformidade e impotência destes perante o agir administrativo.
Assim, verificou-se uma maior responsabilização e preocupação dos interessados
relativamente aos procedimentos dos quais poderão ver-se de uma forma ou de
outra, envolvidos.
Esta
participação procedimental dos interessados está por isso, intimamente
relacionada com o direito à informação (art. 7º e 61º ss. Do CPTA). Direito
este que acaba por se tornar mais acessível naqueles termos, permitindo uma
maior facilitação no exercício dos direitos e interesses dos particulares e por
outro lado, permite à administração ter acesso a mais elementos que ajudarão à
decisão.
Ora,
este incremento de participação dos particulares no processo de decisão além de
garantir a adesão e da confiança daqueles, encontra-se relacionada com o
Principio da Dignidade da Pessoa Humana, na medida em que o particular deixa de
ser marginalizado durante o procedimento e de se sentir alheio a este de tal
modo que se veja alvo de decisões que lhe possam ser prejudiciais sem
oportunidade de se pronunciar, o que, aliás configuraria uma típica parábola d’O Processo Kafkiano.
Por
outro lado, obtem-se vantagens no que diz respeito ao conteúdo das decisões
administrativas, uma vez que a participação dos interessados leva a
apresentação de argumentos, provas e informações que podiam escapar de outra
forma, à decisão, que assim se torna mais eficiente no desempenho das suas
funções (muito embora, a Administração não possa instrumentalizar a audiência
dos interessados apenas nesse sentido, fazendo uso do seu poder discricionário).
Apenas
assim se garante um processo democrático que se supõe ser uma garantia
constitucional fundamental assegurado pelo Direito, pois então diz Luziana
Braga: “O Estado Democrático do Direito
pressupõe uma Administração Publica e poe um direito Administrativo
compreendidos, explicados e vividos, segundo os princípios que o norteiam, das
quais releva o da participação livre do cidadão no exercício do poder, aí
inserida a fase de controlo de Competencia desempenhada.”
A
partir da reforma do CPA, a audiência dos interessados passou a considerar-se
nos procedimentos em geral e não apenas, quanto aos procedimentos
administrativos sancionatórios como havia sido até à reforma.
A
garantia dos deveres fundamentais ve-se concretizada com o direito à defesa, à
imparcialidade, à informação e ao contraditório que deu lugar à anterior
arbitrariedade da autoridade administrativa, que encarava os interessados tão
só, como objecto da decisão Administrativa.
Neste
aspecto, é também relevante e evidente o interesse publico resultante deste
justo procedimento ora consagrado, na medida em que a participação dos
interessados conduz, inevitavelmente a uma tomada de decisões mais adequadas ao
publico em geral. Neste sentido, defende Freitas do Amaral, um modelo de
participação procedimental garantistico, o qual determina a audição dos
interessados ao nível constitucional. O art. 268º CRP é, por si considerado
como vinculativo quanto à obrigação da Administração ouvir os interesses antes
da decisão final de qualquer processo que lhes diga respeito.
Cabe
referencia ao consignado ao art. 20º da CRP relativamente ao Direito de
Audiencia da natureza análoga aos direitos fundamentais, pois é garantido aos
interessados, o direito a serem escutados e a se defenderem. Poderá não
obstante, ver-se excluída se houver um aumento de danos caso se observe a sua
ocorrência, ou nos casos em que é necessária uma imediata solução
administrativa.
Naturalmente
que este direito observa limitações, nomeadamente no que se refere à
abrangência de interessados envolvidos. Não se afigurava concebível que o
Direito à audiência fosse extensível a toda e qualquer sujeito que
aparentemente se visse – ou alegasse ver afectado pela decisão - por uma
questão de economia e celeridades processuais, que se não fossem observados,
inquinariam o processo de tal forma que se perderia o interesse do mesmo, e
consequentemente os interesses das partes envolvidas.
Além
das estarem previstas, situações em que não se estabeleceu a instrucção, como
no Indeferimento Liminar e Saneador em que não ocorrerá a audiência dos
interessados. Assim será também, quando o processo tenha caracter urgente e a
sua observância comprometesse a execução e utilidade da decisão.
Compete além do mais, à Administração, em nome dos princípios da Colaboração e participação (artigos
7º e 8º do CPA, respectivamente), garantir que a participação dos interessados
seja adequada e substancial em termos de conteúdo e não algo meramente formal e
consequência de um habito ritualesco.
Apesar
da Administração fornecer informações sobre o objecto do procedimento e dos
seus aspectos mais relevantes, as partes não têm que se cingir a estas
informações, podendo adicionar alegações que considerem importantes para a
defesa dos seus interesses, exercendo todos os direitos próprios do
procedimento instrutório, inclusive requerer diligencias (até porque atendendo
ao momento da audiência: depois da instrucção do processo, é facilmente
deduzível que a participação daqueles abranja, as alegações de matérias de
facto novas ou oferta de meios de prova não disponibilizados) embora não se
possam afastar do definido como relevante.
Atendendo
aos arts. 59º e 100º/1 do CPA e tendo, a audiência dos interessados, lugar
precedido ao relatório de instrucção e decisão final, esta deve abranger a
totalidade do Objecto.
A
preterição da audiência dos interessados, ou a sua realização defeituosa,
prevista no CPA é geradora de anulabilidade.
Ora, considerando-se estar em causa, um
direito fundamental, a sua preterição não deveria considerar-se nulo à luz do
art. 133º/2 al d) do CPA?
Para
Vasco Pereira da Silva “a não audiência
de particulares interessados implicaria ainda e sempre a violação de um direito
fundamental, que seria agora não o direito de audiência(…) mas aqueloutro
direito fundamental que fosse, em concreto afectado por uma decisão
administrativa (direito de propriedade, do ambiente, à saúde…etc)” no
entanto, o referido autor considera que, uma vez que o direito de audiência é
tido como direito fundamental, a sua preterição não atendendo ao objecto do
procedimento em causa, constitui uma violação ao “conteúdo essencial de um direito fundamental (arts. 267/5 e 16º CRP)
pelo que deve ser considerado nulo nos termos do art. 133/2 al d) CPTA”
Ainda
assim, quer a maioria da doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional
entendem que o Direito à Audiencia não se trata de um Direito Fundamental, mas
sim um Principio Constitucional estruturante de Administração Publica, sendo
que a sua supressão dá origem a uma mera anulabilidade pelo art. 135º CPA. Pelo
que só se considera Direito Fundamental se e quando estamos perante um
procedimento sancionatório art. 269º/3, 17º e 20º da CRP.
Conclusão:
Face
ao exposto e estando o direito à Tutela Jurisdicional inserido no Título II da
CRP (art. 20º), como análogo aos Direitos, Liberdades e Garantias, é
considerado um Direito Fundamental, sendo que a sua não observância dá aso a
nulidade de acordo com o art. 133/2 al d) do CPA, desde que não estivesse em
causa razões de celeridade processual que, a não serem observadas, levariam a
um aumento dos danos. Ainda mais se se tiver em conta o Critério de fundamentalidade estabelecido na Constituição, no qual
se considera direito fundamental, um direito cujo conteúdo se baseie na relação
do ser humano com o Estado e na garantia que um bem ou interesse, esteja
implicado na dignidade da pessoa humana.
Acrescente-se
que, tendo em conta o seu conteúdo material, poderia supor-se que tal norma
garante do direito a tutela jurisdicional efectiva (art. 20º),nem sequer
tivesse que estar consignado na Constituição para se considerar um Direito
fundamental pelo Principio da não tipicidade dos Direitos fundamentais do art.
16º da Constituição.
Se
o Direito à defesa, à informação e à tutela jurisdicional efectiva - particularmente
quanto ao procedimento administrativo (art. 268º CRP)- não fossem fundamentais,
não seria talvez tão distante para qualquer cidadão, um inesperado acordar como
o de Joseph K., n’O Processo. Que,
vendo-se nas malhas da justiça que lhe traçou fatalmente o destino, transforma o seu dia-a-dia, numa procura desesperada de
conhecimento e compreensão do Direito, sem obter qualquer sucesso, uma vez
tratar-se apenas de um objecto manipulável pela arbitrariedade de um Tribunal
misterioso, que o julga, sem o ouvir.
SILVA, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 1996
BRAGA, Luziana Carla Pinheiro, Audiencia dos interessados no Procedimento Administrativo, 2008
DURO, João Pedro Canelhas, A tutela de Direitos Fundamentais no novo Contencioso Administrativo Português, 2008
Teresa Fanico
Aluna nº 19496
Sem comentários:
Enviar um comentário