segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A DOGMÁTICA JURÍDICA DOS CONCEITOS : PESSOA COLECTIVA E ÓRGÃO


       Relativamente à legitimidade passiva, o art. 10°/2  do CPTA , é claro quanto a quem deverá ser demandado numa acção que tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública - a pessoa colectiva de direito público - ou no caso do Estado, o Ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
       Tal significa que o legislador passou a tratar a Administração nos termos do princípio da igualdade das partes. Mas, para o Professor Vasco Pereira da Silva não foi adequada nem feliz a preferência pela pessoa colectiva, mesmo que continue a ter em atenção a participação dos órgãos no processo administrativo.
       Ora, o Professor Vasco Pereira da Silva mantém esta opinião devido ao facto de hoje em dia a pessoa colectiva não estar em condições de poder continuar a funcionar como o único sujeito de imputação de condutas administrativas, uma vez que existe uma grande complexidade na organização administrativa e também pela garante diversidade das relações administrativas. Isto porque são muitos os entes de Direito Público que exercem a função administrativa, daí a dificuldade em imputar as condutas administrativas a um só sujeito.

       Para o Professor, os sujeitos públicos das relações administrativas podem agrupar-se em quatro modalidade:
            • Administração Estadual - prosseguida pelos órgãos e serviços integrados no Estado;
                 • Administração Indirecta - prosseguida pelos órgãos e serviços organizados em pessoas colectivas que são distintas do Estado, mas que prosseguem os seus fins;
              • Administração Autónoma - é realizada por órgãos e serviços que se integram em entidades distintas do Estado, que prosseguem os seus fins, mas de forma própria através de órgãos livremente escolhidos pelos seus membros;
                • Administração Pública sob a forma privada - integra entidades constituídas nos termos do Direito Privado, mas que têm capitais na sua maioria públicos, são geridas de forma pública e a sua existência tem como fim imediato a prossecução de fins que se integram no âmbito da função administrativa.

       Fica assim constatada a dimensão ampla de Administração Pública, material e organicamente, onde se pode concluir que ela não integra só pessoas colectivas públicas, pois pode como se viu integrar pessoas colectivas privadas.

       A Administração foi alvo de algumas mudanças, as quais conseguiram pôr em evidência que existe uma enorme necessidade de repensar os conceitos de pessoa colectiva pública e de órgão, assim como a conexão entre eles.
       A via a seguir poderia passar pela "dessubjectivização" da organização administrativa, de matriz italiana. Tal implicaria o abandono dos conceitos mais tradicionais de pessoa colectiva e também de órgão. Segundo uma outra orientação, de origem alemã, é preciso relativizar o conceito de pessoa colectiva, em vez de a considerar como sendo uma figura operativa, atendendo à noção da capacidade jurídica de que são dotados os órgãos públicos, o que faz deles os verdadeiros sujeitos das relações jurídicas administrativas. Já a doutrina portuguesa colocou a questão de uma forma em que parece que o ordenamento jurídico acompanha a tendência de que parte do entendimento das autoridades administrativas são sujeitos de direito e que são susceptíveis de serem titulares de situações activas e passivas. Isto uma vez que não é só a Constituição que se refere tanto às pessoas colectivas como aos órgãos (arts. 266° e ss CRP), mas também outras normas o fazem, exemplo disso são os arts. 13° e ss do Código do Procedimento Administrativo que se ocupam maioritariamente dos órgãos públicos e dos seus poderes.
       
       Assim, por tudo o que tem vindo a ser explanado, o Professor Vasco Pereira da Silva entende que na nossa ordem jurídica também se relativiza a ideia da personalidade jurídica das entidades públicas, dando-se uma maior importância à actuação dos órgãos, fazendo das autoridades públicas administrativas sujeitos funcionais de relações administrativas e dotada de capacidade jurídica própria. Admitem-se, pois, a existência de relações inter-orgânicas. De dizer que só será mais importante o sujeito ser a pessoa colectiva, em vez do órgão, nos casos em que se trate de uma actuação administrativa.
       O que ainda pode levantar mais dúvidas quanto a isto tudo, é que persistem no Código de Processo nos Tribunais Administrativos disposições que mantêm o demandado como sendo o órgão. É o que sucede no art. 10°/4 e no art. 78° do CPTA.

       Então e que consequências existem para o facto de se demandar erradamente o órgão em vez da pessoa colectiva? Tal está errado, mas, na verdade, não existem quaisquer sanções a aplicar caso isso aconteça. Ou seja, se o demandado for o órgão em vez da pessoa colectiva, tal como deveria acontecer segundo o art. 10°/2 CPTA, não há nenhum problema para a procedência da acção. O máximo que pode vir a ser feito é uma correcção oficiosa por parte do juiz, que deverá chamar à acção o sujeito passivo -pessoa colectiva citando-o. Portanto, o que fica demostrado é que o código desconsidera o tema, não havendo qualquer irregularidade  consagrando a possibilidade de tanto serem sujeitos processuais os órgãos como as pessoas colectivas.


       Fica, assim, acima demonstrada a posição do Professor Vasco Pereira da Silva face a esta questão. Trata-se de uma rara preferência "assumida" da designação "órgão" em vez de "pessoa colectiva" que se encontrava na Reforma que antecedeu a actual. Ao contrário do legislador que, no que respeita à legitimidade passiva, optou por ter consagrado uma solução mais clássica preferindo a designação "pessoa colectiva", o que não afigura a solução mais adequada, frisando mais uma vez a opinião contra do Professor Vasco Pereira da Silva.



                                   Mafalda Inês Melo Trindade, 19710

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