sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Acção administrativa especial e acção administrativa comum (dicotomia de meios processuais)


Este pequeno estudo, que se insere no âmbito da disciplina de Contencioso Administrativo, consiste numa abordagem ao critério dualista, consagrado no CPTA, que contrapõe a acção administrativa comum à acção administrativa especial. Pretende-se, por um lado, promover um maior aprofundamento da questão e, por outro, efectuar uma primeira contribuição para a dinamização do blogue de Contencioso Administrativo da subturma 1, do 4º ano, da Faculdade de Direito de Lisboa.

No que respeita aos processos declarativos não urgentes, o CPTA utiliza um modelo dualista que se baseia na contraposição entre a acção administrativa comum e a acção administrativa especial.
O critério consagrado actualmente no CPTA baseia-se no entendimento de Sérvulo Correia, que defende uma matriz dualista e estabelece uma contraposição entre a forma do recurso contencioso e a forma do processo declarativo comum do CPC.
Assim, a contraposição entre a acção administrativa comum e a acção administrativa especial relaciona-se com o facto de estarem ou não em causa actos administrativos e normas regulamentares. Deste modo, desde que o processo envolva actos administrativos ou normas regulamentares, em princípio, a forma a seguir será a da acção administrativa especial, tal como indica o artigo 46º CPTA. Por outro lado, nos restantes casos em que não estejam em causa estes actos ou regulamentos, a forma a seguir será a da acção administrativa comum, à qual se refere o artigo 37º CPTA. Convém, no entanto, referir que este critério não é absoluto, uma vez que, por exemplo, o artigo 37º nº2 c) CPTA insere a condenação da Administração à não emissão de um acto administrativo no âmbito da acção administrativa comum.

Alguma doutrina manifesta reservas relativamente ao critério em análise. Vasco Pereira da Silva entende que o mesmo se relaciona com alguns “traumas” do Direito Administrativo e critica-o por várias razões: em primeiro lugar, pelo facto de já não se justificar a existência de regras excepcionais para actos e regulamentos administrativos, visto que tal correspondia ao paradigma de uma Administração autoritária e agressiva que já não condiz com a realidade actual; em segundo lugar, porque o critério enunciado traduz a concepção de um Direito Administrativo como uma excepção/conjunto de excepções ao Direito Civil, o que é inadmissível nos dias de hoje, pois se considera a jurisidição administrativa como uma jurisdição autónoma e separada; em terceiro lugar, porque ocorrerá uma “troca de identidades” sempre que houver uma cumulação de pedidos e se adoptem pedidos com formas de processo diferentes (uma vez que, neste caso, terá de se recorrer à acção administrativa especial, tal como indicam os artigos 4º e 5º CPA, o que fará com que a mesma passe a ser “comum”); por último, devido a dificuldades terminológicas decorrentes da existência de várias especialidades e modalidades especiais.

A tramitação estabelecida para a acção administrativa especial sucede à que correspondia, no regime anterior, ao recurso contencioso de impugnação de actos administrativos. Não obstante, Mário Aroso de Almeida afirma que a mesma corresponde a uma adaptação do modelo do processo declarativo comum do CPC a determinadas especificidades características do processo administrativo e coloca a seguinte questão: “porque não submeter todos os processos não-urgentes do contencioso administrativo a um único modelo de tramitação, o da acção administrativa especial?”. Na verdade, desta forma seriam evitados alguns problemas, como o relativo ao critério a utilizar na delimitação do âmbito de aplicação da acção administrativa comum e da acção administrativa especial.

Conclui-se que o critério dualista a que recorre o CPTA ao distinguir entre a acção administrativa comum e a acção administrativa especial, para além de gerar controvérsia na doutrina (sendo criticado em vários aspectos), origina, também, alguns problemas no domínio prático da delimitação do âmbito de aplicação de uma acção ou de outra. Por todas estas razões, parece dever considerar-se necessária uma alteração no sentido de um modelo/critério das formas de processo declarativo não-urgente que se mostre menos problemático e mais consensual. A ideia de um modelo único de tramitação consistirá certamente numa alternativa a ponderar.

BIBLIOGRAFIA:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012.
AMARAL, Diogo Freitas do,/ALMEIDA, Mário Aroso de, Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2007.
ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa (Lições), 11ª edição, Coimbra, Almedina, 2011.
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2009.


Vera Martins
Nº 19893 

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