Este pequeno estudo, que se insere no âmbito da
disciplina de Contencioso Administrativo, consiste numa abordagem ao critério
dualista, consagrado no CPTA, que contrapõe a acção
administrativa comum à acção administrativa especial. Pretende-se, por um lado,
promover um maior aprofundamento da questão e, por outro, efectuar uma primeira
contribuição para a dinamização do blogue de Contencioso Administrativo da
subturma 1, do 4º ano, da Faculdade de Direito de Lisboa.
No que respeita aos processos declarativos não
urgentes, o CPTA utiliza um modelo dualista que se baseia na contraposição
entre a acção administrativa comum e a acção administrativa especial.
O critério consagrado actualmente no CPTA
baseia-se no entendimento de Sérvulo Correia, que defende uma matriz dualista e
estabelece uma contraposição entre a forma do recurso contencioso e a forma do
processo declarativo comum do CPC.
Assim, a contraposição entre a acção
administrativa comum e a acção administrativa especial relaciona-se com o facto
de estarem ou não em causa actos administrativos e normas regulamentares. Deste
modo, desde que o processo envolva actos administrativos ou normas regulamentares,
em princípio, a forma a seguir será a da acção administrativa especial, tal
como indica o artigo 46º CPTA. Por outro lado, nos restantes casos em que não
estejam em causa estes actos ou regulamentos, a forma a seguir será a da acção
administrativa comum, à qual se refere o artigo 37º CPTA. Convém, no entanto, referir
que este critério não é absoluto, uma vez que, por exemplo, o artigo 37º nº2 c)
CPTA insere a condenação da Administração à não emissão de um acto
administrativo no âmbito da acção administrativa comum.
Alguma doutrina manifesta reservas relativamente
ao critério em análise. Vasco Pereira da Silva entende que o mesmo se relaciona
com alguns “traumas” do Direito Administrativo e critica-o por várias razões:
em primeiro lugar, pelo facto de já não se justificar a existência de regras
excepcionais para actos e regulamentos administrativos, visto que tal
correspondia ao paradigma de uma Administração autoritária e agressiva que já
não condiz com a realidade actual; em segundo lugar, porque o critério
enunciado traduz a concepção de um Direito Administrativo como uma
excepção/conjunto de excepções ao Direito Civil, o que é inadmissível nos dias
de hoje, pois se considera a jurisidição administrativa como uma jurisdição autónoma
e separada; em terceiro lugar, porque ocorrerá uma “troca de identidades”
sempre que houver uma cumulação de pedidos e se adoptem pedidos com formas de
processo diferentes (uma vez que, neste caso, terá de se recorrer à acção
administrativa especial, tal como indicam os artigos 4º e 5º CPA, o que fará
com que a mesma passe a ser “comum”); por último, devido a dificuldades
terminológicas decorrentes da existência de várias especialidades e modalidades
especiais.
A tramitação estabelecida para a acção administrativa
especial sucede à que correspondia, no regime anterior, ao recurso contencioso
de impugnação de actos administrativos. Não obstante, Mário Aroso de Almeida
afirma que a mesma corresponde a uma adaptação do modelo do processo
declarativo comum do CPC a determinadas especificidades características do
processo administrativo e coloca a seguinte questão: “porque não submeter todos
os processos não-urgentes do contencioso administrativo a um único modelo de
tramitação, o da acção administrativa especial?”. Na verdade, desta forma seriam
evitados alguns problemas, como o relativo ao critério a utilizar na
delimitação do âmbito de aplicação da acção administrativa comum e da acção
administrativa especial.
Conclui-se que o critério dualista a que
recorre o CPTA ao distinguir entre a acção administrativa comum e a acção
administrativa especial, para além de gerar controvérsia na doutrina (sendo
criticado em vários aspectos), origina, também, alguns problemas no domínio
prático da delimitação do âmbito de aplicação de uma acção ou de outra. Por
todas estas razões, parece dever considerar-se necessária uma alteração no
sentido de um modelo/critério das formas de processo declarativo não-urgente
que se mostre menos problemático e mais consensual. A ideia de um modelo único
de tramitação consistirá certamente numa alternativa a ponderar.
BIBLIOGRAFIA:
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, Coimbra, Almedina, 2012.
AMARAL, Diogo Freitas do,/ALMEIDA, Mário Aroso
de, Grandes Linhas da Reforma do
Contencioso Administrativo, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2007.
ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa (Lições), 11ª
edição, Coimbra, Almedina, 2011.
SILVA, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise – Ensaio sobre as
acções no novo processo administrativo, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2009.
Vera Martins
Nº 19893
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