O
artigo 9º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos consagra no nº1 o
critério geral de aferição da legitimidade activa: é autor quem alegue ser
parte na relação material controvertida. Portanto, basta a alegação de uma
posição jurídica subjetiva tal como é definida pelo autor, independentemente da
prova dos factos que integram a causa de pedir, consagrando-se desta forma uma
orientação subjectivista[1]
de determinação da legitimidade activa.
Porém
existe um conjunto de situações especiais que escapam à aplicação deste
critério. O próprio nº1 do artigo 9º faz referência a algumas dessas situações:
-nº2
do mesmo artigo;
-artigo
40º;
-processos
no âmbito da acção administrativa especial (artigos 55º, 68º 73º e 77 ).
Acrescentam-se ainda outros
casos não elencados no artigo que se fundam em critério diverso:
-situação
de substituição processual
-acções
de simples apreciação (artigo 39º)
-processos
declarativos urgentes (artigos 97º a 111º).
Não
é objectivo entrar em detalhes acerca de todas as situações indicadas mas sim
apenas dar um especial relevo ao nº2 do artigo 9º do CPTA. Perante a leitura
deste número verifica-se que o critério adoptado foi de facto outro. Na verdade
consagra-se a vertente objectiva da justiça administrativa ao permitir que
qualquer pessoa, associações ou fundações defensoras dos interesses em causa,
autarquias locais e Ministério Público, sejam partes legítimas nos processos
principais e cautelares referentes à defesa de certos bens e valores
constitucionalmente protegidos[2],
tais como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, ordenamento do território,
qualidade da vida, património cultural e bens do Estado, das Regiões Autónomas
e das Autarquias locais.
Procurou-se
alargar a legitimidade através da eliminação da exigência de alegação de uma
relação material controvertida, exigindo-se apenas que o autor invoque uma
causa de ilegalidade, como é o caso de violação de normas que concretizam o
preceito constitucional estabelecido no artigo 52/3º.
Consagra-se
a chamada acção popular (acção pública quando exercida pelo Ministério Público)
para a defesa de bens públicos e colectivos ou noutra expressão, para a tutela
de interesses difusos quando se analisa da perspectiva dos beneficiários.
Segundo o entendimento geral, estes últimos são interesses supra individuais no
sentido de serem insusceptíveis de apropriação individual pois referem-se a
bens que toda a comunidade usufrui e pretende preservar mas, ao mesmo tempo,
são também individuais na medida que pertencem a cada indivíduo da comunidade.[3]
Porém, o Profº Vasco Pereira da Silva, opõe-se a este entendimento que
individualiza esta categoria de interesses, considerando infeliz a tripartição
clássica entre direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos.
Para o Profº, tal entendimento colide com os valores do Estado de Direito Democrático,
preferindo e defendendo a existência de apenas uma categoria de direitos onde
se incluem todas as posições de vantagens dos privados perante a Administração:
os direitos subjectivos. Na realidade não existem diferenças de natureza entre
as alegadas três categorias, apenas de conteúdo.
Note-se
que a acção popular não corresponde a uma nova forma de processo. Na verdade
aplica-se a todas as espécies processuais do contencioso administrativo e
permite a obtenção de quaisquer providências legalmente admissíveis e permite desencadear
os diversos tipos de acções. Convém ainda frisar que o direito de acção popular
não prejudica o exercício de direito de acção pessoal das partes ou
interessados nas relações jurídicas concretas ainda que esteja o mesmo bem ou
valor protegido em causa.
A
disciplina das especificidades processuais da acção popular encontra-se em
diplomas avulsos, nomeadamente na Lei da Acção Popular (lei 83/95 de 31
Agosto), na Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87 de 7 de Abril nos seus artigos
40º, 41º, 42º, 44º e 15º), Lei sobre as Organizações Não Governamentais do
Ambiente (Lei 35/98 de 18 de Julho no artigo 10º), entre outras.
Pormenorizando
alguns aspectos: em primeiro lugar a legitimidade pertence a cidadãos no gozo
de direitos cívicos e políticos (artigo 2/1º da Lei 83/95). Os estrangeiros
residentes em Portugal e os apátridas não podem usar este mecanismo de tutela,
restando-lhes apena a defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos ao abrigo do nº1 do art9º. As fundações e associações apenas gozam
de legitimidade para defesa de bens e valores constitucionais que se relacionam
com o seu objecto social e com as atribuições, consagrando-se assim o princípio
da especialidade. Exige-se ainda o cumprimento dos requisitos do artigo 3º da
Lei 83/95. Quanto às autarquias, exige-se que os valores a tutelar tenham uma
especial ligação com o território da autarquia, podendo dizer respeito a uma ou
mais freguesias e municípios (artigo 2/2º da Lei 83/95). Não se exige, porém,
uma ligação com as suas atribuições (lei 159/99 14 de setembro) pois o que está
em causa é a defesa dos interesses da comunidade e não dos seus próprios
interesses. Por fim, a legitimidade do Ministério Público, justifica-se pela
capacidade de agilizar a tutela dos interesses difusos, podendo actuar como
parte legítima por força do nº2 uma vez que a Lei 83/95 não o figura como autor
popular, referindo apenas no artigo 16º da mesma lei um papel de representação
processual do Estado e de outras pessoas colectivas públicas.
Por
forma a concluir, pode-se constatar que além da importante função de
subjectivização, ou seja, de protecção de direitos dos particulares, o
contencioso administrativo detém também, actualmente, uma importante função
objectiva de tutela da legalidade e do interesse público exercida de forma
directa mediante um importantíssimo instrumento de actuação: a acção popular.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos, Lisboa: Coimbra Editora, 2005;
OLIVEIRA, Mário e Rodrigo Esteves de, Código de Processo nos Tribunais Administrativos: estatuto dos tribunais administrativos e fiscais anotado, Volume I, Coimbra, Almedina, 2004
ANDRADE, José Carlos Vieira de, Justiça Administrativa (Lições), 11ª edição, Coimbra, 2011.
Silva, Vasco Pereira da, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise - Ensaio sobre as acções no novo processo administrativo, 2ª edição, Coimbra, Almedina, 2009.
Aluna Lina Martins
Nº 19703
[1] É esta a orientação seguida no âmbito
da lei processual civil. Vide o artigo 26/3º do Código de Processo Civil. No
entanto a precisão do artigo 9º/1 do CPTA menos ampla na medida que não faz referência
ao interesse em demandar por parte do autor, referência esta que se pode
encontrar na disposição do artigo 26/1 do CPC.
[2] Remissão
para o artigo 52/3º da Constituição da República Portuguesa
[3]
Dentro dos interesses difusos é possível distinguir os interesses difusos em sentido estrito (pertencem a uma pluralidade
de sujeitos e dizem respeito a bens indiviseis, bens públicos – ex o ar,
protecção do património cultural), interesses
colectivos (cabe a tutela a uma organização ou ente público ou privados –
ex fundação ou ordem profissional) e interesses
individuais homogéneos, sendo que estes últimos já se inserem no âmbito dos
direitos subjectivos (a lesão ocorre de uma causa comum, ex uma conduta
administrativa).
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