segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O Ministério Público como Titular da Ação Pública Administrativa


 "Neste contexto, ouvidos os Senhores Procuradores-Gerais Adjuntos Coordenadores junto do S.T.A., do T.C.A.Sul e do T.C.A.Norte, determino, ao abrigo do disposto no art. 12º, n.º 2, al. b) do Estatuto do Ministério Público, que os Senhores Magistrados e Agentes do Ministério Público observem o seguinte:"
"OMinistério Público deve propor as competentes ações, nos termos previstos na lei, bem como intervir acessoriamente, nomeadamente nos termos do art. 85º nº2 do CPTA, sempre que estejam em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou algum dos valores ou bens referidos no nº 2 do artigo 9º do CPTA"



PGR - Circular n.º 11/2012 - Intervenção do Mº Pº na jurisdição administrativa

Na sequência da citação supra transcrita, pretendemos abordar a temática da legitimidade ativa na ótica da intervenção do Ministério Público para a tutela dos interesses difusos, deixando para outra ocasião a temática da sua intervenção nas ações instauradas por outrem.


O Ministério Público
O Ministério Público é o órgão do Estado encarregado de representar o Estado, exercer a ação penal e defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar (artigo 1º da Lei Orgânica do Ministério Públicoe 219º CRP).
Ao Ministério Público compete a defesa dos interesses coletivos e difusos em diversas áreas como o direito civil, penal e administrativo (artigo, 3º, nº 1, alínea e) do Estatuto do Ministério Público).
Segundo documento publicado pela Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa “a tutela dos interesses difusos pode realizar uma finalidade inibitória ou uma finalidade reparatória. A ação inibitória disponibiliza uma tutela específica, dado que assegura não o sucedâneo do interesse ou do direito violado – mas o gozo do próprio direito ou interesse protegido. A ação inibitória como meio de tutela dos interesses difusos pode ter uma finalidade preventiva ou repressiva: na ação preventiva visa-se prevenir a violação de um interesse difuso e o seu objeto é a abstenção dessa violação; na ação repressiva, embora se pretenda também obter a omissão de uma conduta, essa violação já é efetiva."

Quanto ao seu papel na justiça administrativa, é-lhe atribuída legitimidade para propor e intervir em processos destinados à defesa dos direitos e interesses fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes, ou de valores e bens constitucionalmente protegidos, (como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais).

Compete-lhe ainda: a defesa dos consumidores intervindo em ações administrativas e cíveis tendentes à tutela dos interesses individuais homogéneos, bem como de interesses coletivos ou difusos dos consumidores (arts.13º, al. c) e 20ºLei de Defesa do Consumidor). Nos termos da Lei de Bases do Ambiente (art.45º) compete ao Ministério Público a defesa do direito constitucionalmente reconhecido a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado. Segundo o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (art.25º) é lhe atribuída legitimidade ativa para a propor ações inibitórias. Cabe também, ao Ministério Público, o exercício da ação penal quanto a aos crimes de perigo comum (danos contra a natureza (art.278º Código Penal) os crimes de incêndio (art.272º Código Penal), e poluição (art.279º Código penal).

A legitimidade Ativa, a opção do legislador ordinário
Diferentemente da chamada legitimidade direta ou pessoal (art.9º, nº1), é conferida a qualquer pessoa, às associações e fundações, às autarquias locais e Ministério Público, uma legitimidade impessoal ou social para propor e intervir nos processos destinados à defesa de certos bens e valores constitucionalmente protegidos e bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais (art.9º, nº2). Como afirma M.S.GIANNINI, interessi a despoti, isto é, sem dono, que cabe a toda a comunidade garantir e preservar.

Manifesta-se aqui a vertente claramente objetivista (por oposição á subjetivista) que permite que pessoas e organismos defendam os interesses gerais da coletividade, independentemente de qualquer lesão na sua esfera jurídica.

Observando as disposições constitucionais, a tutela judicial dos interesses difusos pelo ministério Público é desde logo compreendida pelo no artigo 219º, ainda que nenhuma menção lhe seja feita no artigos artigo 52º, nº3, CRP). Como referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVIERA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, o Ministério Público não figura entre os “atores populares” na lei 83/95 e o seu papel na defesa da legalidade resulta, como referido, do CPTA (art.9º, nº,2) e do 51º ETAF mas, também, do respetivo Estatuto.

Artigo 3.º Competência
1 — Compete, especialmente, ao Ministério Público: (…) alinea e) Assumir, nos casos previstos na lei, a defesa de interesses coletivos e difusos"

A chamada Ação Pública
Na esteira da legitimidade ativa, cumpre ao Ministério Público, enquanto entidade pública, um dever de ofício (MARIO AROSO DE ALMEIDA) de defesa da legalidade, do interesse público, de interesses difuso e direitos fundamentais (artigos 9, nº2º, 40º, nº1, alínea b) e nº 2, alínea c), 55º, nº1, alínea b), 68º, nº1, alínea c), 73, nº3, 77º, nº1 e 104, nº2 CPTA) através da ação pública
A ação pública administrativa "constitui uma dimensão incontornável da garantia judiciária da legalidade administrativa e da plena realização do Estado de Direito" (MARIA F. COSTA). Nas palavras JOSÉ FIGUEIREDO DIAS o Ministério Público possui a função de garante institucional da legalidade democrática (como expressamente resulta do art.º 22ª da CRP) e defensor da atuação legítima da administração; o que permite que a sua legitimidade possa continuar a ser vista como expressão da função objetiva da nossa justiça administrativa
Este mecanismo supra descrito não se confunde com a ação popular (ou ação popular social expressão utilizada por VIEIRA DE ANDRADE). Diferentemente da anterior, mais voltada para o interesse público, esta relaciona-se com interesses da coletividade. Ainda assim, não deixam de ser “realidades próximas” (CARLA AMANDO GOMES) pois ambas contemplam “grandezas maiores do que a capacidade de apropriação do sujeito individual”. Nas palavras de MARCELO CAETANO não é mais do que uma faculdade de fiscalização cívica, concedida a determinados indivíduos que satisfaçam certos requisitos de legitimidade, para, usando a via contenciosa, obterem a anulação de resoluções administrativas que considerem lesivas de interesses de coletividades locais ou, atuando em nome próprio e no interesse das autarquias, intentarem ações no foro judicial, necessárias para manter, reivindicar e reaver bens ou direitos do corpo administrativo.

Nota comparativa, antes e após Reforma de 2004
A reforma do contencioso administrativo manifestou um novo alcance da justiça administrativa através do alargamento e diversificação dos meios processuais contenciosos e cautelares indispensáveis à plenitude da tutela efetiva dos direitos e interesses dos cidadãos.
Se é verdade que quer antes, quer após a reforma a sua legitimidade em sede de tutela de direitos difusos se “manteve”, isto é, não desapareceu, não é certo, no entanto, que a sua legitimidade enquanto titular da ação pública administrativa, no então chamado recurso (contencioso) em defesa da legalidade, que lhe conferia legitimidade ativa para intervir como parte processual “se tenha mantido inalterável”. Pois, com o pendor subjetivista da reforma de 2004 e a consagração da garantia judicial efetiva deste sistema subjetivista surgiram novos desafios e preocupações.
No atual contencioso incumbe, ao Ministério Público, importantes poderes de iniciativa e de intervenção processuais para defesa da legalidade, do interesse público e de bens comunitários. Desta nova reforma resulta uma intervenção do Ministério Público mais exigente, decorrente da possibilidade de dedução de múltiplas pretensões, não apenas impugnatórias, suscetíveis de ser deduzidas em novos e diferenciados meios processuais e, também, por efeito do alargamento da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais. Como afirma VASCO PEREIRA DA SILVA, “revalorizou-se” o seu papel enquanto “sujeito processual em detrimento da sua intervenção como auxiliar do juiz”.
Neste contexto animador surgem, no entanto, vozes de crítica no que toca à necessidade de implementação de medidas que permitam ao Ministério Publico dispor das suas alargadas competências em sede de iniciativa e intervenção processuais de forma eficiente.
Delas se destaca a “necessidade de criação de assessorias técnicas em áreas de especialidade; formação especializada dos seus magistrados para acesso e colocação na jurisdição administrativa; institucionalização do “inquérito administrativo” destinado ao exercício da ação pública administrativa; criação de departamentos de contencioso do Estado) ” MARIA F. COSTA. Também o Sindicato do Ministério Público apresenta, como principais fraquezas, a falta uma assessoria técnica, a ausência de uma adequada formação profissional e de coordenação estratégica.
Nesta senda, não obstante o alargamento de competências em sede de interesses difusos, os novos desafios reclamados no plano legislativo na conservação e ampliação de atribuições e as novas expetativas comunitárias de tutela de direitos fundamentais dos cidadãos e de proteção dos interesses coletivos e difusos tem de encontrar correspondência na organização interna do Ministério Público.


Daniela Tavares
Nº19566
22/10/2012

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