terça-feira, 30 de outubro de 2012

Impugnação de normas regulamentares


Impugnação de normas regulamentares
Depois da reforma de 1984/85, o Direito Português distingue-se de outras ordens jurídicas europeias pela existência de um contencioso das normas administrativas.
Na revisão constitucional de 1997 foi introduzido no artigo 268º, nº 5 o direito dos cidadãos impugnarem as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
As decisões administrativas correspondem a um relacionamento multipolar, uma vez que produzem efeitos susceptíveis de afectar um grande número de sujeitos. Esta multilateralidade é sobretudo característica de actuações genéricas, como os instrumentos de planeamento e os regulamentos administrativos.
Para efeitos processuais e no entendimento do professor Vasco Pereira da Silva, uma vez que o CPA define no seu artigo 120º o acto administrativo em razão da produção de efeitos jurídicos “numa situação individual e concreta” não estabelecendo qualquer dessas exigências no âmbito dos regulamentos administrativos, resulta que só os actos administrativos têm de gozar de individualidade e croncretude. A contrario sensu, todas as disposições unilaterais que sejam gerais e/ou abstractas serão regulamentos administrativos, incluindo os planos (normas finalmente programadas que permitem à Administração uma ampla liberdade de escolha dos meios para alcançar esses fins).
O regime da impugnação de normas administrativas vem previsto nos artigos 72º e seguintes do CPTA, e é aplicável a todas as actuações jurídicas gerais e/ou abstractas emanadas de autoridades públicas ou de particulares que com elas colaborem no exercício da função administrativa. Assim, estão excluídos os actos administrativos que sejam individuais e concretos mesmo que contidos em diploma legislativo ou regulamentar (o que releva é o conteúdo e não a forma do acto, nos termos do artigo 52º do CPTA), bem como as normas jurídicas emitidas no âmbito da função legislativa.
O código prevê nos artigos 72º e seguintes do CPTA preveem uma dualidade de regimes de impugnação de normas regulamentares consoante o âmbito de eficácia da pronúncia que é pedida ao tribunal. Cada um desses regimes depende de pressupostos processuais diferenciados. No entanto, há um pressuposto comum no artigo 74º que determina a não sujeição a qualquer prazo para o pedido de declaração de ilegalidade de normas regulamentares.
A declaração de ilegalidade de normas regulamentares pode ser feita com força obrigatória geral., o que implica a respectiva eliminação da ordem jurídica, com os efeitos retroactivos e repristinatórios previstos no artigo 76º. Condição para essa declaração é a existência prévia de três decisões jurisdicionais concretas de recusa de aplicação, a título incidental, das normas em causa, ou de declaração, a título principal, de ilegalidade dessas normas com efeitos circunscritos à situação dos interessados.
O pedido de declaração de ilegalidade de normas regulamentares com força obrigatória geral não pode basear-se nos fundamentos previstos no nº 1 do artigo 281º da CRP. Esta regra vem prevista no artigo 72º, nº2 CPTA. No entanto, esta restrição só vale para a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, pelo que não há nenhum impedimento a que se recorra ao fundamento de inconstitucionalidade da norma impugnada quando o pedido seja de declaração de ilegalidade de norma regulamentar sem força obrigatória geral.
Na sua apreciação, o Juiz não está limitado pelos argumentos que possam ser invocados contra a norma ou normas impugnadas, como dispõe o artigo 75º.
Em princípio, a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos retroactivos nos termos do artigo 76º, nº1. Encontram-se, no entanto, ressalvadas as situações consolidadas como acontece com os casos julgados e também com os actos administrativos que já não podem ser impugnados (artigo 141ºCPA, e 76º, nº3 do CPTA), com a excepção dos casos em que haja decisão em contrário do tribunal, a norma seja de conteúdo sancionatório e seja mais favorável ao particular (artigo 76º, nº3, parte final).
Nos termos do artigo 76º, nº 2, o Juiz pode ainda decidir que, nos casos previstos, a retroactividade seja limitada ou afastada.
Para Mário Aroso de Almeida, quando o tribunal opte por limitar os efeitos da sua pronúncia quanto ao passado, lançando mão do mecanismo do artigo 76º, nº2, perante um pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral deduzido por um interessado lesado pela norma directamente aplicável, mas já julgada ilegal em três casos concretos, há responsabilidade da Administração pelos danos causados ao lesado, bem como responsabilidade por facto ilícito, uma vez que a eventual limitação de efeitos da declaração por parte do Juiz não tem o alcance de tornar válida a norma em causa, para o efeito de impedir os eventuais interessados de impugnarem os eventuais actos administrativos que tenham sido praticados ao seu abrigo e ainda estejam em tempo de ser impugnados, mesmo em momento ulterior ao da declaração. Em sentido contrário, para Carla Amado Gomes, neste domínio a responsabilidade seria por facto lícito porque o tribunal teria como que “ratificado” os efeitos passados.
Para Mário Aroso de Almeida, o interessado lesado por uma norma directamente aplicável, mas já incidentalmente julgada ilegal por três vezes, não está obrigado a pedir a declaração de ilegalidade dessa norma com força obrigatória geral. O particular pode simplesmente pedir que a declaração seja proferida com efeitos circunscritos ao seu caso, evitando assim a possibilidade de se ver confrontado com uma decisão de limitação de efeitos.
No que diz respeito à legitimidade, a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral das normas regulamentares pode ser pedida, sem dependência de quaisquer requisitos, pelo Ministério Público oficiosamente ou mediante requerimento apresentado pelas pessoas e entidades mencionadas no artigo 9º, nº2. O MP fica constituído no dever de deduzir esse pedido quando tenha conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua ilegalidade.
A declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral das normas regulamentares pode ser pedida por quem alegue ser lesado pelos efeitos de normas que se produzam imediatamente na sua esfera jurídica, sem dependência de qualquer acto concreto de aplicação, assim como por qualquer das pessoas ou entidades previstas no artigo 9º, nº2 do CPTA.

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