Impugnação de normas regulamentares
Depois da reforma de 1984/85, o
Direito Português distingue-se de outras ordens jurídicas europeias pela existência
de um contencioso das normas administrativas.
Na revisão constitucional de 1997 foi
introduzido no artigo 268º, nº 5 o direito dos cidadãos impugnarem as normas
administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos.
As decisões administrativas
correspondem a um relacionamento multipolar, uma vez que produzem efeitos
susceptíveis de afectar um grande número de sujeitos. Esta multilateralidade é
sobretudo característica de actuações genéricas, como os instrumentos de
planeamento e os regulamentos administrativos.
Para efeitos processuais e no
entendimento do professor Vasco Pereira da Silva, uma vez que o CPA define no
seu artigo 120º o acto administrativo em razão da produção de efeitos jurídicos
“numa situação individual e concreta” não estabelecendo qualquer dessas
exigências no âmbito dos regulamentos administrativos, resulta que só os actos
administrativos têm de gozar de individualidade e croncretude. A contrario sensu, todas as disposições
unilaterais que sejam gerais e/ou abstractas serão regulamentos administrativos,
incluindo os planos (normas finalmente programadas que permitem à Administração
uma ampla liberdade de escolha dos meios para alcançar esses fins).
O regime da impugnação de normas
administrativas vem previsto nos artigos 72º e seguintes do CPTA, e é aplicável
a todas as actuações jurídicas gerais e/ou abstractas emanadas de autoridades
públicas ou de particulares que com elas colaborem no exercício da função
administrativa. Assim, estão excluídos os actos administrativos que sejam
individuais e concretos mesmo que contidos em diploma legislativo ou
regulamentar (o que releva é o conteúdo e não a forma do acto, nos termos do artigo
52º do CPTA), bem como as normas jurídicas emitidas no âmbito da função
legislativa.
O código prevê nos artigos 72º e
seguintes do CPTA preveem uma dualidade de regimes de impugnação de normas
regulamentares consoante o âmbito de eficácia da pronúncia que é pedida ao
tribunal. Cada um desses regimes depende de pressupostos processuais
diferenciados. No entanto, há um pressuposto comum no artigo 74º que determina
a não sujeição a qualquer prazo para o pedido de declaração de ilegalidade de
normas regulamentares.
A declaração de ilegalidade de normas
regulamentares pode ser feita com força obrigatória geral., o que implica a
respectiva eliminação da ordem jurídica, com os efeitos retroactivos e repristinatórios
previstos no artigo 76º. Condição para essa declaração é a existência prévia de
três decisões jurisdicionais concretas de recusa de aplicação, a título
incidental, das normas em causa, ou de declaração, a título principal, de
ilegalidade dessas normas com efeitos circunscritos à situação dos
interessados.
O pedido de declaração de ilegalidade
de normas regulamentares com força obrigatória geral não pode basear-se nos
fundamentos previstos no nº 1 do artigo 281º da CRP. Esta regra vem prevista no
artigo 72º, nº2 CPTA. No entanto, esta restrição só vale para a declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral, pelo que não há nenhum impedimento a
que se recorra ao fundamento de inconstitucionalidade da norma impugnada quando
o pedido seja de declaração de ilegalidade de norma regulamentar sem força
obrigatória geral.
Na sua apreciação, o Juiz não está
limitado pelos argumentos que possam ser invocados contra a norma ou normas
impugnadas, como dispõe o artigo 75º.
Em princípio, a declaração de
ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos retroactivos nos termos
do artigo 76º, nº1. Encontram-se, no entanto, ressalvadas as situações
consolidadas como acontece com os casos julgados e também com os actos
administrativos que já não podem ser impugnados (artigo 141ºCPA, e 76º, nº3 do
CPTA), com a excepção dos casos em que haja decisão em contrário do tribunal, a
norma seja de conteúdo sancionatório e seja mais favorável ao particular
(artigo 76º, nº3, parte final).
Nos termos do artigo 76º, nº 2, o
Juiz pode ainda decidir que, nos casos previstos, a retroactividade seja
limitada ou afastada.
Para Mário Aroso de Almeida, quando o
tribunal opte por limitar os efeitos da sua pronúncia quanto ao passado,
lançando mão do mecanismo do artigo 76º, nº2, perante um pedido de declaração
de ilegalidade com força obrigatória geral deduzido por um interessado lesado
pela norma directamente aplicável, mas já julgada ilegal em três casos
concretos, há responsabilidade da Administração pelos danos causados ao lesado,
bem como responsabilidade por facto ilícito, uma vez que a eventual limitação
de efeitos da declaração por parte do Juiz não tem o alcance de tornar válida a
norma em causa, para o efeito de impedir os eventuais interessados de
impugnarem os eventuais actos administrativos que tenham sido praticados ao seu
abrigo e ainda estejam em tempo de ser impugnados, mesmo em momento ulterior ao
da declaração. Em sentido contrário, para Carla Amado Gomes, neste domínio a
responsabilidade seria por facto lícito porque o tribunal teria como que “ratificado”
os efeitos passados.
Para Mário Aroso de Almeida, o
interessado lesado por uma norma directamente aplicável, mas já incidentalmente
julgada ilegal por três vezes, não está obrigado a pedir a declaração de
ilegalidade dessa norma com força obrigatória geral. O particular pode simplesmente
pedir que a declaração seja proferida com efeitos circunscritos ao seu caso,
evitando assim a possibilidade de se ver confrontado com uma decisão de
limitação de efeitos.
No que diz respeito à legitimidade, a
declaração de ilegalidade com força obrigatória geral das normas regulamentares
pode ser pedida, sem dependência de quaisquer requisitos, pelo Ministério
Público oficiosamente ou mediante requerimento apresentado pelas pessoas e
entidades mencionadas no artigo 9º, nº2. O MP fica constituído no dever de
deduzir esse pedido quando tenha conhecimento de três decisões de desaplicação
de uma norma com fundamento na sua ilegalidade.
A declaração de ilegalidade sem força
obrigatória geral das normas regulamentares pode ser pedida por quem alegue ser
lesado pelos efeitos de normas que se produzam imediatamente na sua esfera
jurídica, sem dependência de qualquer acto concreto de aplicação, assim como
por qualquer das pessoas ou entidades previstas no artigo 9º, nº2 do CPTA.
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