O contencioso Administrativo tem evoluido entre dois modelos de justiça administrativa, o modelo objectivista e o modelo subjectivista. O contencioso administrativo teve nos seus primórdios
o modelo objectivista - francês, evoluindo posteriormente para o modelo
subjectivista - germânico.
O modelo objectivista tem como principais funções a
verificação da legalidade dos actos e a prossecução da defesa do interesse
público, moldado em torno do acto administrativo. Perante esta matriz
objectivista, a Administração assim como os particulares não eram considerados
partes, mas sim “braços-direitos”, estando apenas em juízo para prestar auxílio
na verificação da legalidade e na defesa do interesse público.
O modelo germânico de raiz objectivista tem como principal
função a tutela dos particulares, o seu objecto do processo é a lesão das
posições subjectivas dos particulares, por parte de actos da Administração.
O modelo objectivista surge após a Revolução Francesa
de 1789, e desenvolve-se a partir de jurisprudência do Conseil d´Etat, que era
um órgão administrativo independente a quem competia a resolução de litígios
relativos à administração.
O
modelo objectivista foi implementado em grande parte da Europa, vigorando em
Portugal de 1832 até 1974, predominando até inícios do século XX, acabando por entrar
em declínio, para o modelo objectivista, como se verifica actualmente.
Estávamos perante um contencioso dependente da Administração,
com um controlo objectivo e limitado. A jurisdição é limitada quer numa dimensão
substancial relativamente à restrição dos meios de acesso, quer no plano
processual a tutela reduzida dos particulares, quer numa perspectiva funcional
em que os poderes do controlo judicial eram bastante diminuídos.
A Administração
tinha um enorme poder de autoridade que implicava uma grande desprotecção dos
direitos aos particulares. O particular não conseguia fazer valer os seus
direitos perante a Administração, sendo negado a titularidade aos particulares
dos seus direitos subjectivos.
O que movia o particular em juízo não era a violação
dos seus direitos, pois estes não lhe eram reconhecidos, mas sim a legalidade
dos actos e a defesa do interesse público.
Após a Segunda Guerra Mundial,
assiste-se na Alemanha, ao nascimento de um modelo subjectivista com ideias
associadas à protecção judicial dos particulares. Entramos no período de
jurisdicionalização do contencioso, passando a ser dirimidos os litígios entre
os particulares e a Administração por um verdadeiro tribunal independente e já
não por um órgão da Administração.
Como acima referido o modelo objectivista vigorou
até 1974, altura de mudança do regime, que culminou na aprovação da
Constituição de 1976.
Na Constituição de 1976 surge uma imposição que
refere que o indivíduo tem de ser tratado como parte no contencioso administrativo,
surgindo preceitos na Constituição da República Portuguesa que instituíam o acesso
por parte dos particulares à justiça administrativa, art.20º, nº1 e 268º nº4 e 5. Surge na sequência
da Constituição o Decreto-Lei 256-A/77 de 17 de Junho relacionado com os
regimes de fundamentação dos actos administrativos, das omissões
administrativas e da sua impugnação assim como da execução das sentenças dos
tribunais.
Pretendia-se instaurar um sistema de Contencioso
Administrativo plenamente jurisdicionalizado. Estamos perante uma fase de constitucionalização
do Contencioso Administrativo, que ocorre a partir dos anos 70, a nível
europeu. Mas continuou a haver resquícios do modelo francês intrínseco no nosso
ordenamento.
Na sequência da revisão constitucional de 1982,
surge uma reforma que se traduz em dois diplomas legislativos, o Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF), Decreto-Lei nº 129/84, de
27 Abril e a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante LEPTA),
Decreto-lei nº 267/85, de 16 Julho.
Pode-se dizer que se trata da primeira reforma do
Contencioso Administrativo, pretendendo adequar a regulação da justiça
administrativa às opções constitucionais de plena jurisdicionalização e de
protecção jurídica subjectiva.
A revisão constitucional de 1989 garante o direito
ao recurso contencioso a todos os particulares, de actos lesivos dos seus
direitos e interesses por parte de actos ilegais da Administração. A jurisdição administrativa é
instituída como obrigatória e passa também a ser jurisdição comum em matéria de
relações administrativas.
Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva o
Contencioso Administrativo era ainda “Direito Constitucional por realizar”
havendo discrepâncias entre a Constituição e a jurisprudência. O Professor
desabafa que é uma pena que os tribunais quer os administrativos quer os
constitucionais tenham ficado sempre aquém da Constituição.
A revisão constitucional de 1997 afirma as grandes
opções de 1989. Vem consagrar constitucionalmente o princípio da tutela
jurisdicional efectiva, isto é, a cada direito corresponde uma acção, e passa a
prever a possibilidade de a Administração ser condenada a praticar actos
administrativos, o que até então não seria possível.
Passa a ser possível impugnar o acto lesivo da
Administração com base nos termos do art.268º, nº4 da CRP. O Professor Vasco
Pereira da Sila afirma que agora passam os diferentes meios processuais a girar
à volta do princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e
não o contrário.
Há uma plena tutela efectiva dos direitos dos
particulares, com sentenças desde a simples apreciação até à condenação da
Administração por actos lesivos dos direitos dos particulares.
No final do século XX, chegamos a uma grande
discrepância entre o texto e a prática constitucional na área do Contencioso
Administrativo. Inicia-se em 2000 um procedimento legislativo, com vista à
reforma do Contencioso Administrativo, tendo sido aprovada em 2001, promulgada
em 2002 e que se destinava a entrar em vigor em 2003, mas que acabou por ser
adiada a sua vigência para Janeiro de 2004.
Em 2002 foi aprovada o novo Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais (ETAF) pela Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro, e foi
aprovado o Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA)
pela Lei 15/2002.
A reforma
legislativa e as revisões constitucionais têm um cariz subjectivista, mas houve
alguns resquícios objectivistas que se mantiveram como o caso da legitimidade
activa, para fiscalização da legalidade dos actos administrativos e para defesa
do interesse público.
No caso da impugnação de actos administrativos, é
conferida legitimidade a todos os interessados na acção particular,
estendendo-a a associações e a todos os membros da comunidade na acção pública,
alargando-a ao Ministério Público na acção para prática de acto devido e
contratos e em litígios administrativos.
Concluindo, o novo contencioso gira em torno do princípio
da tutela jurisdicional efectiva, acabando por tutelar as posições subjectivas
dos particulares, fazendo corresponder o meio necessário e adequado para
dirimir o conflito. Podemos dizer que as revisões e as reformas foram
importantes e extremamente necessárias para o Contencioso Administrativo, e do
ponto de vista do particular bastante benéfico com o reconhecimento dos seus
direitos e com o acesso à justiça administrativa.
As reformas constitucionais acabam por retirar ao
Contencioso Administrativo os traços do modelo adoptado à nascença, o modelo
objectivista, crescendo com a adopção do modelo subjectivista.
O modelo subjectivista consagra o processo
administrativo como um processo de parte, reconhecendo os direitos dos
particulares e alarga os poderes de decisão do juiz perante a Administração,
concretizando o que há muito se esperava no Contencioso Administrativo. O
legislador deveria combinar aspectos de ambos os modelos, aproveitando o melhor
que cada um tem para oferecer, ao Contencioso Administrativo e a quem a ele
recorre.
César Marques
Nº 20398
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