segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A Evolução no Contencioso Administrativo – Modelos Adoptados


 
          O contencioso Administrativo tem evoluido entre dois modelos de justiça administrativa, o modelo objectivista e o modelo subjectivista. O contencioso administrativo teve nos seus primórdios o modelo objectivista - francês, evoluindo posteriormente para o modelo subjectivista - germânico.
O modelo objectivista tem como principais funções a verificação da legalidade dos actos e a prossecução da defesa do interesse público, moldado em torno do acto administrativo. Perante esta matriz objectivista, a Administração assim como os particulares não eram considerados partes, mas sim “braços-direitos”, estando apenas em juízo para prestar auxílio na verificação da legalidade e na defesa do interesse público.  
O modelo germânico de raiz objectivista tem como principal função a tutela dos particulares, o seu objecto do processo é a lesão das posições subjectivas dos particulares, por parte de actos da Administração.
 
 
O modelo objectivista surge após a Revolução Francesa de 1789, e desenvolve-se a partir de jurisprudência do Conseil d´Etat, que era um órgão administrativo independente a quem competia a resolução de litígios relativos à administração.
O modelo objectivista foi implementado em grande parte da Europa, vigorando em Portugal de 1832 até 1974, predominando até inícios do século XX, acabando por entrar em declínio, para o modelo objectivista, como se verifica actualmente.
 
 O particular não era tido como um sujeito, mas um mero objecto do poder soberano, não estando em juízo para proteger os seus próprios direitos, lesados por uma Administração ilegal, mas sim na defesa da legalidade e do interesse publico, como defende o Professor Vasco Pereira da Silva.
Estávamos perante um contencioso dependente da Administração, com um controlo objectivo e limitado. A jurisdição é limitada quer numa dimensão substancial relativamente à restrição dos meios de acesso, quer no plano processual a tutela reduzida dos particulares, quer numa perspectiva funcional em que os poderes do controlo judicial eram bastante diminuídos.
 
 A Administração tinha um enorme poder de autoridade que implicava uma grande desprotecção dos direitos aos particulares. O particular não conseguia fazer valer os seus direitos perante a Administração, sendo negado a titularidade aos particulares dos seus direitos subjectivos.
O que movia o particular em juízo não era a violação dos seus direitos, pois estes não lhe eram reconhecidos, mas sim a legalidade dos actos e a defesa do interesse público.
 
Após a Segunda Guerra Mundial, assiste-se na Alemanha, ao nascimento de um modelo subjectivista com ideias associadas à protecção judicial dos particulares. Entramos no período de jurisdicionalização do contencioso, passando a ser dirimidos os litígios entre os particulares e a Administração por um verdadeiro tribunal independente e já não por um órgão da Administração.
 
Como acima referido o modelo objectivista vigorou até 1974, altura de mudança do regime, que culminou na aprovação da Constituição de 1976.
Na Constituição de 1976 surge uma imposição que refere que o indivíduo tem de ser tratado como parte no contencioso administrativo, surgindo preceitos na Constituição da República Portuguesa que instituíam o acesso por parte dos particulares à justiça administrativa, art.20º, nº1 e 268º nº4 e 5. Surge na sequência da Constituição o Decreto-Lei 256-A/77 de 17 de Junho relacionado com os regimes de fundamentação dos actos administrativos, das omissões administrativas e da sua impugnação assim como da execução das sentenças dos tribunais.
 
Pretendia-se instaurar um sistema de Contencioso Administrativo plenamente jurisdicionalizado. Estamos perante uma fase de constitucionalização do Contencioso Administrativo, que ocorre a partir dos anos 70, a nível europeu. Mas continuou a haver resquícios do modelo francês intrínseco no nosso ordenamento.
 
 
 Surge em 1982 uma revisão constitucional, que visa implementar definitivamente o modelo subjectivista, pretendendo acabar com os resquícios do modelo objectivista. A reforma da Lei Fundamental provocou a alteração do art. 269º (actual art. 268) da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), alargando o âmbito da jurisdição administrativa, com a previsão de um novo meio de acesso aos tribunais administrativos: a acção de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos. Esta consagração instituiu um mecanismo de tutela jurisdicional directa das posições jurídicas subjectivas dos particulares.
 
Na sequência da revisão constitucional de 1982, surge uma reforma que se traduz em dois diplomas legislativos, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF), Decreto-Lei nº 129/84, de 27 Abril e a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (doravante LEPTA), Decreto-lei nº 267/85, de 16 Julho.
Pode-se dizer que se trata da primeira reforma do Contencioso Administrativo, pretendendo adequar a regulação da justiça administrativa às opções constitucionais de plena jurisdicionalização e de protecção jurídica subjectiva.
 
 
A revisão constitucional de 1989 garante o direito ao recurso contencioso a todos os particulares, de actos lesivos dos seus direitos e interesses por parte de actos ilegais da Administração. A jurisdição administrativa é instituída como obrigatória e passa também a ser jurisdição comum em matéria de relações administrativas.
Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva o Contencioso Administrativo era ainda “Direito Constitucional por realizar” havendo discrepâncias entre a Constituição e a jurisprudência. O Professor desabafa que é uma pena que os tribunais quer os administrativos quer os constitucionais tenham ficado sempre aquém da Constituição.
 
A revisão constitucional de 1997 afirma as grandes opções de 1989. Vem consagrar constitucionalmente o princípio da tutela jurisdicional efectiva, isto é, a cada direito corresponde uma acção, e passa a prever a possibilidade de a Administração ser condenada a praticar actos administrativos, o que até então não seria possível.
Passa a ser possível impugnar o acto lesivo da Administração com base nos termos do art.268º, nº4 da CRP. O Professor Vasco Pereira da Sila afirma que agora passam os diferentes meios processuais a girar à volta do princípio da tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares e não o contrário.
Há uma plena tutela efectiva dos direitos dos particulares, com sentenças desde a simples apreciação até à condenação da Administração por actos lesivos dos direitos dos particulares.
 
 
No final do século XX, chegamos a uma grande discrepância entre o texto e a prática constitucional na área do Contencioso Administrativo. Inicia-se em 2000 um procedimento legislativo, com vista à reforma do Contencioso Administrativo, tendo sido aprovada em 2001, promulgada em 2002 e que se destinava a entrar em vigor em 2003, mas que acabou por ser adiada a sua vigência para Janeiro de 2004.
 
Em 2002 foi aprovada o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) pela Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro, e foi aprovado o Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA) pela Lei 15/2002.
 
 A reforma legislativa e as revisões constitucionais têm um cariz subjectivista, mas houve alguns resquícios objectivistas que se mantiveram como o caso da legitimidade activa, para fiscalização da legalidade dos actos administrativos e para defesa do interesse público.
No caso da impugnação de actos administrativos, é conferida legitimidade a todos os interessados na acção particular, estendendo-a a associações e a todos os membros da comunidade na acção pública, alargando-a ao Ministério Público na acção para prática de acto devido e contratos e em litígios administrativos.
 
 Com a reforma 2002/2004 passamos para um contencioso de plena jurisdição, estruturado com o objectivo de proporcionar a efectiva tutela a quem quer se dirija aos tribunais administrativos, com base nos termos do art. 2º, nº4 do CPTA, admitindo que os particulares possam dirigir-se à Justiça Administrativa em defesa dos seus direitos e interesses, mas também pode dirigir-se o Ministério Público assim como as entidades publicas, as associações cívicas e os próprios cidadão em defesa dos interesses públicos colectivos e difusos.
 
 
Concluindo, o novo contencioso gira em torno do princípio da tutela jurisdicional efectiva, acabando por tutelar as posições subjectivas dos particulares, fazendo corresponder o meio necessário e adequado para dirimir o conflito. Podemos dizer que as revisões e as reformas foram importantes e extremamente necessárias para o Contencioso Administrativo, e do ponto de vista do particular bastante benéfico com o reconhecimento dos seus direitos e com o acesso à justiça administrativa.
As reformas constitucionais acabam por retirar ao Contencioso Administrativo os traços do modelo adoptado à nascença, o modelo objectivista, crescendo com a adopção do modelo subjectivista.
 
O modelo subjectivista consagra o processo administrativo como um processo de parte, reconhecendo os direitos dos particulares e alarga os poderes de decisão do juiz perante a Administração, concretizando o que há muito se esperava no Contencioso Administrativo. O legislador deveria combinar aspectos de ambos os modelos, aproveitando o melhor que cada um tem para oferecer, ao Contencioso Administrativo e a quem a ele recorre.
 
 
César Marques
 
Nº 20398
 

 

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