“A
consagração de uma acção de condenação da Administração Pública à prática de
acto administrativo devido [ ... ] constitui uma das principais manifestações
da mudança de paradigma na lógica do Contencioso Administrativo.”
Vasco
Pereira da Silva
Como
sabemos, o Contencioso Administrativo português é um contencioso de plena
jurisdição, isto é, os Tribunais Administrativos podem proferir sentenças de
tipo declarativo, constitutivo e condenatório. Porém, nem sempre foi assim.
Anteriormente à reforma do Contencioso Administrativo de 2002/2004, os
tribunais apenas tinham poderes de anulação de decisões da Administração
Pública.
A
evolução do Contencioso Administrativo deu-se em 3 fases:
- Pecado original – fase marcada pela confusão entre administrar e julgar, pela promiscuidade entre Administração Pública e Justiça. Prevalecia a ideia de que era necessário proteger a Administração Pública a todo o custo. O Contencioso Administrativo era visto de forma objectiva ( não havia partes no processo administrativo, dado que o que era apreciado no processo era o acto administrativo e não a actuação da Administração e, consequentemente, não havia lesados; por outro lado, pensava-se que o particular apenas ia a processo para ajudar a Administração Pública em nome da legalidade e do interesse público).
- Baptismo do Contencioso Administrativo – período marcado pela “transformação” do Conselho de Estado num tribunal, embora com poderes limitados ( visto que apenas gozava de poderes anulatórios e não condenatórios ). Em Portugal, esta fase inicia-se com a Constituição da República de 1976, associada à mudança de modelo estatal.
- Confirmação do Contencioso Administrativo – Nesta fase deparamo-nos com a afirmação da natureza jurisdicional do Contencioso Administrativo. O juiz administrativo passa a ser um juiz igual aos outros, com plenos poderes de jurisdição. O Contencioso Administrativo passou a ser visto de forma subjectiva ( os particulares vão a processo para obter a tutela dos seus direitos ).
Até à
reforma de 2002/2004, o nosso contencioso administrativo manteve-se fiel a um
modelo centrado no recurso de anulação, invocando, para isto, o princípio da
separação de poderes. Assim sendo, os poderes do juíz esgotavam-se na anulação
dos actos da Administração Pública.
Como
diz, e bem, o Professor Vasco Pereira da Silva, esta visão do princípio da
separação de poderes “assentava na confusão entre julgar e administrar,
condenar e substituir”. Na verdade, a condenação da Administração Pública em
nada viola o principio da separação de poderes, “como é mesmo a forma mais
adequada, num Contencioso Administrativo de plena jurisdição, de reagir contra
comportamentos administrativos que, por acção ou omissão, lesam direitos dos
particulares decorrentes da negação de actos legalmente devidos”, citando uma
vez mais o Professor.
Mas a
verdade é que foi este o decurso dos acontecimentos até à reforma do Contencioso Administrativo.
Voltemos,
então, um pouco atrás, ao período dominado pelo recurso contencioso de anulação.
O
recurso contencioso de anulação era um meio de impugnação de um acto
administrativo, interposto perante um Tribunal Administrativo competente, a fim
de se obter a anulação ou a declaração de nulidade ou de inexistência desse
mesmo acto. Para além disto, existiam regras que impediam o acesso, ao juíz, a
todos os factos, nomeadamente, regras relativas aos meios de prova admissíveis.
Do
recurso contencioso de anulação pode resultar uma sentença de tipo
constitutiva, em que o acto é anulado ou declarado nulo ou inexistente; ou, por
outro lado, pode o tribunal entender que o recorrente não tem razão e negar o
provimento ao recurso.
O
Professor Vasco Pereira da Silva formula uma tese, bastante interessante,
acerca do recurso contencioso de anulação:
- Não é um recurso, dado que estamos perante uma primeira apreciação da relação material controvertida e não perante uma reapreciação da mesma, o que leva o Professor a concluir que o recurso contencioso de anulação se trata de uma verdadeira acção;
- Não é de anulação, dado que, através de um processo de execução de sentença, a Administração Pública está obrigada a reconduzir o particular à situação em que estava antes do acto administrativo praticado.
Com a
revisão constitucional de 1997, foi consagrado, de forma expressa e inequívoca,
o direito dos particulares obterem a condenação da Administração à prática de
actos administrativos legalmente devidos. Esta inovação foi entendida de
diversas formas, já que para Sérvulo Correia, estaríamos perante um novo meio
processual, de natureza condenatória, criado directamente pelo legislador
constituinte; para o Professor Vasco Pereira da Silva, a revisão constitucional
de 1997 consagrou o direito do particular a obter uma condenação da
Administração, que estava dependente da intervenção do legislador ordinário.
De
acordo com a última posição referida, percebemos que a reforma era urgente e,
nas palavras de Mário Aroso, “constitucionalmente obrigatória”.
Com a
reforma do Contencioso Administrativo, superou-se a tradicional inibição em
reconhecer aos Tribunais Administrativos amplos poderes de condenação da
Administração Pública. De um contencioso centrado no recurso de anulação e
destinado à protecção da legalidade objectiva, passou-se a um contencioso em
que o objecto do processo é o direito do particular a uma determinada conduta
da Administração.
O pedido
de condenação à prática de acto administrativo legalmente devido surge, assim,
como uma das quatro sub-espécies de acções qualificadas em função do pedido,
previstas no artigo 46.º/2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos,
e tem como objectivo condenar a Administração à prática de um acto
administrativo omitido ou condenar a Administração à prática de um acto
administrativo favorável ao particular, em substituição do acto desfavorável
anteriormente praticado.´
Soraya
Branco Ossman, aluna nº 19991
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