quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Europeização do Direito Administrativo

O nascimento de um novo Direito Administrativo português. Em especial, as providências cautelares

Com o desenvolvimento de uma ordem jurídica autónoma constituída por fontes comunitárias e nacionais com primazia do direito da União Europeia e considerando os direitos nacionais como direito da União Europeia, assiste-se a uma dinâmica da influência comunitária na ordem interna, que dá origem à convergência administrativa dos ordenamentos dos Estados-membros, nomeadamente, nos domínios das providências cautelares.
Deste processo de integração (horizontal) das instituições administrativas europeias, dos Estados-membros e das fontes, quer legislativas, quer jurisprudenciais, surge um “fenómeno original face ao binómio Direito Administrativo/Estado” (MARIO CHITI) que resulta da adoção de regras comuns integrantes do Direito Processual Administrativo Europeu, transformando as administrações dos Estados-membros em administrações europeias.
Assim, para garantia de um espaço de justiça administrativa europeia que assegure efectivamente e eficazmente as posições dos particulares, há que implementar um sistema flexível de tutela de urgência, sendo o instrumento mais importante as providências cautelares (FAUSTO QUADROS), quer no sentido de medidas provisórias que os tribunais podem conceder na dependência de processos principais, como aquelas que podem ser adotadas independentemente da interposição de outro processo.
Assiste-se, assim, a uma crescente europeização de mecanismos de tutela cautelar, principalmente por via jurisprudencial, que constitui fonte de grande parte das normas substantivas e das normas de procedimento e processo administrativo, criadas pela interação entre o Tribunal das Comunidades Europeias e os Direitos Administrativos de cada Estado-membro.
Destacam-se enquanto fundamentos e contributos para um direito administrativo cautelar europeu:
O contributo de princípios como o do primado da União Europeia, o da aplicação e integração uniformes e princípio da plenitude da competência do juiz nacional na qualidade de juiz comunitário (FAUSTO QUADROS). Nos termos deste ultimo, o juiz nacional pode criar novos meios processuais quando tais meios não existam ou sejam manifestamente insuficientes. Esta nova conceção dos “novos” poderes do juiz nacional é acompanhada pela jurisprudência acórdão Factortame, 19 de Junho de 1991.
Referem-se ainda como contributos o Acordão Simmenthal, 8 de Junho de 1990. Do mesmo resulta a possibilidade do juiz comunitário desaplicar normas internas que não permitam a adoção de medidas cautelares que assegurem direitos subjetivos por aplicação de disposições europeias. Estamos assim, como afirma CABRAL MONCADA, perante uma “estratégia de ampliação dos poderes dos tribunais administrativos nacionais” fundando no primado do Direito da União Europeia
Também nesta matéria, o acórdão Zackerfabrik do qual extrai que da aplicabilidade direta dos regulamentos não se exclui a possibilidade dos tribunais nacionais suspenderem a execução de um acto administrativo baseado em regulamento comunitário, com fundamento na necessidade de tutela provisória e através da aplicação de critérios próprios do Direito Comunitário.
Atendendo ao exposto, podemos observar neste novo contencioso europeizado vários aspetos fundamentais. Desde logo uma dependência de cariz duplo. Como aponta VASCO PEREIRA SA DILVA, verifica-se uma dependência administrativa do Direito Europeu resultante da adoção de políticas europeias e realização de princípios e valores de direito administrativo nacional através da concretização do Direito Europeu. Na outra face, também se verifica uma dependência europeia do Direito Administrativo resultante da multiplicidade de fontes europeias relevantes.
Também aqui releva a ampla competência dos tribunais nacionais para decretarem providências cautelares com vista à proteção dos direitos subjetivos consagrados pelo direito comunitário segundo os critérios estabelecidos por este. Consequentemente, esta ampla competência reflete a plenitude da competência do juiz nacional, quer enquanto juiz nacional, quer enquanto juiz comunitário, para garantia judicial efetiva e definitiva da proteção cautelar. Como tal, o juiz nacional pode conceder aos direitos subjetivos reconhecidos pelo Direito Comunitário.
Assim, é então possível que o juiz nacional decrete providências cautelares não previstas no respetivo Direito Nacional e até contra ele (Factortame), sem para tal ser necessário que o direito processual administrativo lhes atribua competência para decretarem providências com fundamento no Direito Comunitário (Caso Tafelwin acórdão 10 de julho de 1990, de onde se transcreve: “a aplicação uniforme do Direito Comunitário não pode ser prejudicada pelas particularidades processuais existentes nos sistemas processuais nacionais”)
Em jeito de conclusão, dizemos então que o contencioso administrativo originalmente ligado ao Estado e, com carácter tendencialmente fechado, passa a ser, após o fenómeno de europeização, um direito administrativo novo, dependente e complementar do direito administrativo europeu, pois, como afirma VASCO PEREIRA DA SILVA o Direito Administrativo não é mais do que “Direito Europeu concretizado”. O direito administrativo é agora de natureza subjetivista e jurisdicionalizado, garantindo a apreciação das relações jurídicas administrativas por Tribunais completamente integrados no sistema Judicial.
Quanto à concessão de providencias cautelares pelos tribunais nacionais, a própria configuração da tutela cautelar no processo administrativo encontrava-se limitada ao instituto da suspensão da eficácia de actos administrativos, realidade esta que condicionava a garantia de um processo urgente e que nada mais previa do que uma “conceção monista da tutela cautelar administrativa” (MIGUEL PRATA ROQUE).
Por força da jurisprudência europeia, com destaque para o acórdão 9 de Novembro de 1995, relativo ao caso Atlanta, “considerou-se que “a tutela cautelar não pode limitar-se à mera suspensão do acto impugnado, mas deve estender-se também a medidas positivas, de caracter injuntivo” (…) uma vez que “as posições jurídicas dos cidadãos comunitários devem encontrar, perante juízes nacionais, tutela cautelar plenamente satisfatória, não limitada à suspensão da execução do acto impugnado”.
Finalmente, este reflexo do contencioso europeu, só se manifestou, tardiamente, no âmbito do legislador ordinário pelo que, apenas com a reforma de legislativa de 2004, e já depois um período de integração duradoura e permanente, se concretizou um novo modelo administrativo destinado à proteção plena e efetiva dos direitos dos particulares: um novo Direito Administrativo Cautelar.


BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Mário Aroso “Manual de Processo Administrativo”, 2012, Almedina
BOTELHO, José Manuel Santos, ESTEVES, Américo Pires, PINHO, José Cândido “Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado”, 5º Edição, 2002, Almedina
FILHO, Ruy Alves Henrique “Providencias Especiais (Urgentes e Cautelares) no contencioso administrativo português” 2009, AAFDL.
QUADROS, Fausto “Algumas considerações gerais sobre a reforma do contencioso administrativo. Em especial, as providências cautelares”. In Reforma do Contencioso Administrativo I, Debate Universitário, Trabalhos preparatórios, 2003, Coimbra Editora
QUADROS, Fausto “A nova dimensão do Direito Administrativo, o direito administrativo português na prespectiva comunitária”, 1999, Almedina.
ROQUE, Miguel Prata “Providências cautelares administrativas. O juiz nacional enquanto intérprete do direito processual administrativo Europeu”. In: Revista do Ministério Público I27, Julho-Setembro 2001.

ROQUE, Miguel Prata “Reflexões sobre a reforma da Tutela Cautelar Administrativa”, 2005, Almedina
SILVA, Vasco Pereira “O Contencioso no Divã da Psicanálise”, 2 Edição, 2009, Almedina



Daniela Tavares
Nº19566

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