segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Resquícios da “infância difícil" do contencioso administrativo – Acção administrativa “comum” e acção administrativa “especial”.


Resquícios da “infância difícil" do contencioso administrativo – Acção administrativa “comum” e acção administrativa “especial”.

O artigo 268º nº4 da CRP estabelece o direito fundamental a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos particulares. Que por se concretizar num princípio fundamental de organização do contencioso administrativo se considera a “pedra angular” do Procedimento Administrativo.
Percebe-se aqui que houve uma superação dos “traumas da infância difícil” do Contencioso Administrativo, dada a consideração dos Tribunais Administrativos como verdadeiros Tribunais, ou seja, com plena jurisdição. A par da tutela dos direitos dos particulares está a necessidade de um procedimento administrativo que faça corresponder cada direito de um particular a um adequado meio de defesa.
Para que haja uma verdadeira e justa concretização do artigo 268º nº4 da CRP, estão previstas no CPTA as duas formas de acção administrativa, a acção administrativa comum, artigo 37º e a acção administrativa especial, artigo 46º.  Dentro de cada um dos meios processuais referidos, podem existir tantas espécies de efeitos das sentenças quantos os pedidos susceptiveis de serem formulados. Logo, parece que para determinar o poder de pronúncia do Juiz, não basta saber qual o meio processual, mas sim qual o pedido susceptivel de ser apreciado. O artigo 2º nº 2 do CPTA faz uma enumeração exemplificativa dos poderes de pronúncia judiciais, em que nos apercebemos que o critério de distinção entre a acção administrativa comum e a acção administrativa especial não pode ser o critério dos efeitos das sentenças, dado que a organização dos poderes de pronúncia é diferente da dos meios processuais consagrados na reforma:
- Acção administrativa comum: art. 2º nº 2 alíneas a), b), c) [sentenças de simples apreciação]; alíneas e), f), g) [sentenças de condenação];
- Acção administrativa especial: art. 2º nº2 alíneas d), h) [sentenças constitutivas]; alíneas i), j) [sentenças de condenação];
Resta assim saber, qual o critério de distinção entre acção administrativa comum e acção administrativa especial. O que parece poder retirar-se da comparação dos artigos 37º e 46º do CPTA é que pertencem à acção administrativa comum todos os litígios administrativos que não estejam especialmente regulados, já para a acção administrativa especial sobram os processos relativos a actos e regulamentos administrativos.
Para o Professor Vieira de Andrade “o critério decisivo para a distinção entre os dois domínios de regime processual parece ser o da existência, ou não, de uma relação jurídica tendencialmente paritária entre as partes – haverá um regime especial nos casos em que, na relação material controvertida, se afirme a autoridade de uma das partes sobre a outra, em regra, da Administração sobre o particular.”
Entende também o Professor Mário Aroso de Almeida que “a acção administrativa comum está primacialmente vocacionada, no contraponto com a acção administrativa especial, que tem por objecto a fiscalização do exercício dos poderes administrativos, para dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas paritárias, que não envolvam o exercício de poderes de autoridade da Administração.”
Já para o Professor Vasco Pereira da Silva, não é esta a delimitação mais acertada, nem com a denominação mais apropriada. Dado que:
- Não é justificada por razões verdadeiramente processuais mas sim por razões de natureza substantiva, ainda com origem no que o Professor costuma designar por “traumas da infância difícil” do contencioso administrativo. Dado que o que justificaria as regras “excepcionais” para os actos e os regulamentos administrativos, traduzidos numa acção especial seria a ideia, já ultrapassada, de um contencioso limitado, de mera anulação. È por isso esta denominação de acção administrativa especial muito difícil de entender. Permite a acção administrativa especial a anulação e condenação de um acto administrativo, não podendo por isso a palavra especial advir do que antes se entendia como natureza “especial” do direito administrativo, em que era entendida no sentido de excepcionalidade dos poderes da Administração. Continua-se então assim sem se perceber muito bem o porquê da palavra “especial” nesta denominação.
- Considerando o direito administrativo e consequentemente o processo administrativo como uma disciplina autónoma, com regras e valores próprios. Também o facto de apenas uma das acções administrativas ser regulada pelo código, não parece de todo uma boa escolha. Dado que não há aqui uma verdadeira evolução e independência do direito administrativo, pois, dadas as circunstâncias em que “nasceu” e “cresceu” devia regular-se por regras próprias, regras essas, que o permitissem realmente ultrapassar os traumas dessa “infância difícil”, ao invés do que acontece. Tal como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, teria sido preferível regular no CPA, de forma integral, com regras próprias todos os meios processuais do contencioso administrativo, ou estabelecer apenas as regras, especiais, comuns, ou especificas de todos os meios processuais da justiça administrativa, remetendo a seguir para uma aplicação supletiva do CPC. Parece também ser de entender que o Professor Vieira de Andrade considera que as acções administrativas comuns não deviam seguir tão de perto o Processo civil, mas sim aplicar-se-lhes também certas normas estabelecidas a propósito de acções especiais. Sem prejuízo das situações em que exista cumulação de pedidos.
- A cumulação dos pedidos, prevista nos artigos 4º e 5º do CPTA, indica que sempre que haja cumulação de pedidos se adopta a forma de acção especial. Logo, aqui se vê que a acção administrativa “especial”, além de como já viu anteriormente não ter nada de “especial”, vai ainda passar a ser a acção administrativa mais frequente e a mais característica. Características essas que parecem pertencer, como o próprio nome indica à acção comum. Entende o Professor Mário Aroso de Almeida que não releva em sentido contrário à sua qualificação, a circunstância de a acção comum, não ser em termos estatísticos a forma de processo a utilizar em maior número de casos. Referindo ainda que o artigo 5º é consequência natural do facto de a acção administrativa comum ser a forma comum, a que se sobrepõe as formas especiais do Processo pensadas para dar resposta às exigências especiais que se colocam.
Depois de tudo o que já se referiu parece que se pode concluir que tal como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, “a dita acção administrativa “especial” vai passar a ser a “comum” e a dita acção “comum” vai passar a ser, na prática, a especial”. Por isso parece ser de concordar que além da alteração da denominação das formas de processo, também a regulação no CPA devia ser alargada a todos os meios processuais remetendo apenas para o CPC em regime de supletividade.

Liliana Alexandra Pereira Fernandes
Nº 19697

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