Resquícios da
“infância difícil" do contencioso administrativo – Acção administrativa “comum”
e acção administrativa “especial”.
O artigo 268º nº4 da CRP
estabelece o direito fundamental a uma tutela plena e efectiva dos direitos dos
particulares. Que por se concretizar num princípio fundamental de organização
do contencioso administrativo se considera a “pedra angular” do Procedimento
Administrativo.
Percebe-se aqui que houve uma
superação dos “traumas da infância difícil” do Contencioso Administrativo, dada
a consideração dos Tribunais Administrativos como verdadeiros Tribunais, ou
seja, com plena jurisdição. A par da tutela dos direitos dos particulares está
a necessidade de um procedimento administrativo que faça corresponder cada
direito de um particular a um adequado meio de defesa.
Para que haja uma verdadeira e
justa concretização do artigo 268º nº4 da CRP, estão previstas no CPTA as duas
formas de acção administrativa, a acção administrativa comum, artigo 37º e a
acção administrativa especial, artigo 46º.
Dentro de cada um dos meios processuais referidos, podem existir tantas
espécies de efeitos das sentenças quantos os pedidos susceptiveis de serem
formulados. Logo, parece que para determinar o poder de pronúncia do Juiz, não
basta saber qual o meio processual, mas sim qual o pedido susceptivel de ser
apreciado. O artigo 2º nº 2 do CPTA faz uma enumeração exemplificativa dos
poderes de pronúncia judiciais, em que nos apercebemos que o critério de
distinção entre a acção administrativa comum e a acção administrativa especial
não pode ser o critério dos efeitos das sentenças, dado que a organização dos
poderes de pronúncia é diferente da dos meios processuais consagrados na
reforma:
- Acção administrativa comum:
art. 2º nº 2 alíneas a), b), c) [sentenças de simples apreciação]; alíneas e),
f), g) [sentenças de condenação];
- Acção administrativa especial:
art. 2º nº2 alíneas d), h) [sentenças constitutivas]; alíneas i), j) [sentenças
de condenação];
Resta assim saber, qual o critério
de distinção entre acção administrativa comum e acção administrativa especial.
O que parece poder retirar-se da comparação dos artigos 37º e 46º do CPTA é que
pertencem à acção administrativa comum todos os litígios administrativos que
não estejam especialmente regulados, já para a acção administrativa especial
sobram os processos relativos a actos e regulamentos administrativos.
Para o Professor Vieira de
Andrade “o critério decisivo para a distinção entre os dois domínios de regime
processual parece ser o da existência, ou não, de uma relação jurídica
tendencialmente paritária entre as
partes – haverá um regime especial nos casos em que, na relação material controvertida, se afirme a autoridade de uma das
partes sobre a outra, em regra, da Administração sobre o particular.”
Entende também o Professor Mário
Aroso de Almeida que “a acção administrativa comum está primacialmente
vocacionada, no contraponto com a acção administrativa especial, que tem por
objecto a fiscalização do exercício dos poderes administrativos, para dirimir
os litígios emergentes de relações jurídicas paritárias, que não envolvam o
exercício de poderes de autoridade da Administração.”
Já para o Professor Vasco Pereira
da Silva, não é esta a delimitação mais acertada, nem com a denominação mais
apropriada. Dado que:
- Não é justificada por razões
verdadeiramente processuais mas sim por razões de natureza substantiva, ainda
com origem no que o Professor costuma designar por “traumas da infância
difícil” do contencioso administrativo. Dado que o que justificaria as regras “excepcionais”
para os actos e os regulamentos administrativos, traduzidos numa acção especial
seria a ideia, já ultrapassada, de um contencioso limitado, de mera anulação. È
por isso esta denominação de acção administrativa especial muito difícil de
entender. Permite a acção administrativa especial a anulação e condenação de um
acto administrativo, não podendo por isso a palavra especial advir do que antes
se entendia como natureza “especial” do direito administrativo, em que era
entendida no sentido de excepcionalidade dos poderes da Administração. Continua-se
então assim sem se perceber muito bem o porquê da palavra “especial” nesta
denominação.
- Considerando o direito
administrativo e consequentemente o processo administrativo como uma disciplina
autónoma, com regras e valores próprios. Também o facto de apenas uma das
acções administrativas ser regulada pelo código, não parece de todo uma boa
escolha. Dado que não há aqui uma verdadeira evolução e independência do
direito administrativo, pois, dadas as circunstâncias em que “nasceu” e
“cresceu” devia regular-se por regras próprias, regras essas, que o permitissem
realmente ultrapassar os traumas dessa “infância difícil”, ao invés do que
acontece. Tal como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, teria sido
preferível regular no CPA, de forma integral, com regras próprias todos os
meios processuais do contencioso administrativo, ou estabelecer apenas as
regras, especiais, comuns, ou especificas de todos os meios processuais da
justiça administrativa, remetendo a seguir para uma aplicação supletiva do CPC.
Parece também ser de entender que o Professor Vieira de Andrade considera que
as acções administrativas comuns não deviam seguir tão de perto o Processo
civil, mas sim aplicar-se-lhes também certas normas estabelecidas a propósito
de acções especiais. Sem prejuízo das situações em que exista cumulação de
pedidos.
- A cumulação dos pedidos,
prevista nos artigos 4º e 5º do CPTA, indica que sempre que haja cumulação de
pedidos se adopta a forma de acção especial. Logo, aqui se vê que a acção
administrativa “especial”, além de como já viu anteriormente não ter nada de
“especial”, vai ainda passar a ser a acção administrativa mais frequente e a
mais característica. Características essas que parecem pertencer, como o
próprio nome indica à acção comum. Entende o Professor Mário Aroso de Almeida que
não releva em sentido contrário à sua qualificação, a circunstância de a acção
comum, não ser em termos estatísticos a forma de processo a utilizar em maior número
de casos. Referindo ainda que o artigo 5º é consequência natural do facto de a
acção administrativa comum ser a forma comum, a que se sobrepõe as formas
especiais do Processo pensadas para dar resposta às exigências especiais que se
colocam.
Depois de tudo o que já se
referiu parece que se pode concluir que tal como refere o Professor Vasco
Pereira da Silva, “a dita acção administrativa “especial” vai
passar a ser a “comum” e a dita acção “comum” vai passar a ser, na prática, a
especial”. Por isso parece ser de concordar que além da alteração da
denominação das formas de processo, também a regulação no CPA devia ser
alargada a todos os meios processuais remetendo apenas para o CPC em regime de
supletividade.
Liliana
Alexandra Pereira Fernandes
Nº 19697
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