segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O que se entende por “relação jurídica administrativa”?




             O artigo 1º do ETAF é a transcrição, no plano legislativo, do artigo 212º nº3 da CRP. Apenas se refere que esta transcrição se deve à reforma do contencioso administrativo que teve como principal objetivo alargar a competência dos tribunais administrativos e consequentemente ter uma Administração mais controlada, salvaguardando, assim, os direitos dos particulares.
  Tomando como referência o número 3 do artigo 212º da CRP, dispõe este que o “julgamento das acções e recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas Administrativas”.
         Os problemas que se colocam quanto a esta expressão são dois. O primeiro diz respeito ao significado da expressão “dirimir litígios emergentes”. O segundo quanto as “relações jurídicas administrativas”. Apenas irei centralizar-me neste último. Podemos interpretar esta expressão de variadíssimas formas, apesar de sabermos que o ETAF e o CPTA disponibilizam determinados critérios em que se pressupõe a aplicação da jurisdição administrativa (é o que se sucede, para além do artigo 1º, de todas alíneas do artigo 4º do ETAF, e em vários casos do art.º. 2/2º e o art.º. 37/2º do CPTA). No entanto, como sabemos, nem todas as situações que cabem no âmbito das relações administrativas estão a ser reguladas pelos tribunais administrativos.
            Apesar de existir na CRP uma reserva material da jurisdição administrativa, nada impede que ela seja afastada se o legislador colocar em causa o princípio da tutela judicial efetiva ou o regular funcionamento dos tribunais administrativos. Temos, assim, como exemplo, do último caso referido, o julgamento da legalidade das coimas. Estas situações não são reguladas pelos tribunais administrativos porque poderia perturbar o seu funcionamento, “entupindo-os”, como também para evitar que aqueles que são sancionados com coimas tivessem que fazer uma grande deslocação, constrangendo-os a um sacrifício desproporcionado. No entanto, revela uma certa estranheza por parte do legislador em determinar que o Tribunal Administrativo seria competente para regular as relações jurídicas administrativas, porque se assim o cumpríssemos estaríamos perante uma norma inconstitucional. Mais, tal como refere VIEIRA DE ANDRADE, as situações de desvio à reserva constitucional deveriam, num propósito de racionalização e de coerência, ser objeto de uma revisão sistemática pelo legislador, para serem intencionalmente confirmadas. Face à complexidade atual das relações entre direito público e privado no âmbito da atividade administrativa, esta questão, referindo, mais uma vez VIEIRA DE ANDRADE, tornou-se numa “opção politica”. Numa matéria em que a segurança jurídica deveria ser mais acautelada para garantia dos particulares.
            O julgamento da legalidade das coimas é apenas um exemplo, no meio de tantos outros, que tão depressa restringe, ou noutros casos amplifica, o âmbito de jurisdição administrativa. Temo a referir que o critério patente neste artigo, “relações jurídicas administrativas”, se revela desadequado aos tempos atuais.

Aluna: Paula Cristina Carneiro

Nº 19983



ANDRADE, VIEIRA, Reforma do Contencioso Administrativo, Volume I, o Debate Universitário – trabalhos preparatórios, Lisboa: Coimbra Editora, 2003, pg. 123.
ALMEIDA, MARIO AROSO, O novo regime do processo nos Tribunais Administrativos, Lisboa: Coimbra Editora, 2005.
ANDRADE, VIEIRA, A justiça administrativa (Lições), 10º Edição, Lisboa, Almedina, 2009, pg. 129-131.

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