terça-feira, 16 de outubro de 2012

Problemática do Recurso Hierarquico Necessário

A problemática do recurso hierárquico necessário
                                             
1. Pressupostos Iniciais

Antes de entrar nesta problemática, creio ser importante definir algumas ideias base de forma a se compreender melhor esta questão.
Os recursos Administrativos definem se como sendo procedimentos de controlo de iniciativa dos particulares, tal como esta consignado no art. 158.º, n.º1 do Código Procedimento Administrativo (C.P.A), em consonância com o art. 52.º, nº1 da Constituição da Republica Portuguesa (C.R.P).
Segundo o Dr. Luís Landin na sua tese de mestrado, os recursos hierárquicos são os meios criados pela ordem jurídica com a finalidade de evitar ou sancionar as violações dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos particulares por parte da Administração Publica. A maior parte da doutrina refere que estes recursos são garantias graciosas efectivadas pela Administração Publica (o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, rejeita esta designação visto que as garantias graciosas eram fruto de uma “graça” do soberano aos seus súbditos, e faz parte da historia, no entanto tendo em vista o peso da tradição que esta designação possui (irei continuar a designar este tipo de garantias desta forma).
Estes mecanismos de controlo visam assegurar o respeito pela legalidade e garantir a prossecução do dever de boa administração, com o objectivo de respeitar os direitos e interesses legítimos dos particulares, através do funcionamento dos poderes de superintendência e fiscalização. Este tipo de garantias definem-se como sendo garantias impugnatórias pressupondo a existência de uma acto já praticado, podendo elas incidir sobre questões de ilegalidade ou inconveniência, segundo o art. 159.º do (C.P.A).
Por tudo isto o recurso hierárquico consiste na faculdade que os particulares têm de impugnar um acto praticado por um órgão junto do seu superior hierárquico, art. 166.º (C.P.A).


2. Enquadramento no Direito Comparado

No âmbito deste pequeno estudo importa referir algumas soluções apresentadas por outros países na questão do recurso hierárquico necessário. No direito Espanhol, existe nesse ordenamento a figura do “recurso de alzada” e a figura do”recurso potestativo de reposición”. Correspondendo o primeiro ao nosso recurso hierárquico necessário e o segundo reveste carácter facultativo, visto estar em causa actos susceptíveis de serem objecto de impugnação contenciosa directa.
Já no direito Italiano vem-se desconsiderando e questionando a própria existência dos recursos hierárquicos, isto porque se apresentam como desconformes a estrutura da organização Administrativa Italiana e também tendo como justificação a criação das regiões Administrativas. Foi levantado em Itália a questão da inconstitucionalidade do recurso hierárquico como condição de tutela contenciosa, tendo o recurso necessário sido recusado como condição para a impugnação contenciosa (sentença da Ademanza Plenária, de 2 de Fevereiro de1978).
Já no Direito Francês o recurso hierárquico necessário é indispensável para o acesso ao recurso contencioso. Sendo este recurso contencioso acessível de duas formas. Por excesso de poder, tendo como fundamento toda e qualquer decisão ofensiva para um particular que tenha sido tomada pela Administração. Já outra forma de acesso ao recurso contencioso é através  da plena jurisdição, que consubstancia o principio da decisão previa, só podendo ser entreposto quando sobre o litigio existente a Administração tenha já praticado um acto Administrativo, se não houver sido praticado qualquer acto então o particular tem de forçar uma decisão por parte da Administração.


3. Cerne da Questão

Quando se pretende definir o recurso hierárquico necessário o conceito que surge é o de uma acto administrativo só impugnável contenciosamente, após os processos graciosos terem terminado, circunstância esta que obsta a impugnação do acto em causa. Já por outro lado o recurso facultativo caracteriza-se por ser um recurso que não impede a impugnação do acto Administrativo contenciosamente perante os tribunais Administrativos.
A Grande questão sobre a problemática do recurso hierárquico necessário prende-se com a revisão constitucional que teve lugar no ano de 1989, na qual eliminou a expressão “ definitividade e executoriedade”do actual art. 268.º n.º 4 da (C.R.P). Actualmente o art. 268.º da (C.R.P) garante a impugnação judicial directa e imediata de qualquer acto Administrativo lesivo independentemente da sua forma, ou seja, a ideia central do recurso contencioso deixa de estar assente na definitividade para passar a estar presente na ideia de lesividade do acto.
No meu entender creio que com a revisão constitucional de 1989, os pressupostos da recorribilidade contenciosa foram alterados. Por conseguinte, as impugnações Administrativas terão de ser encaradas como meramente facultativas. Colocando por outras palavras, a exigência legal de definitividade vertical do acto, torna-se deste forma inconstitucional.
No entanto, há parte da doutrina que defende que apesar da Revisão Constitucional, não existe qualquer violação do princípio da accionabilidade, já que segundo eles o recurso contencioso continua a ser uma possibilidade.
Creio que a letra da lei neste caso é clara, quando refere que “é garantido aos administrados a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem” no art. 268.º n.º4 da (C.R.P). Dessa forma creio que a intenção do legislador foi a de acentuar o pendor subjectivista ao eliminar do texto Constitucional a expressão “definitividade”, retirando a base legal que constituía o suporte jurídico para a manutenção do recurso hierárquico necessário. Apesar desta grande modificação, Ilustres Professores, como o Prof. Rogério Soares, e o Prof. Vieira de Andrade continuam a ter uma posição muito própria, senão vejamos. O primeiro, defende esta manutenção dando como justificação o facto de não poder haver restrições do direito ao recurso contencioso, não significa que não possa haver regulamentação ou condicionamento por parte do legislador ordinário. Já o Prof. Vieira de Andrade defende por seu turno, que a Constituição não proíbe o condicionamento do Recurso Contencioso pela imposição prévia obrigatória do recurso hierárquico, do mesmo modo que não proíbe restrições aos direitos fundamentais, salvo quando este se revelar arbitraria, tornando-se desta forma inconstitucional. Levando o seu entendimento ainda mais longe, o Prof. defende que, cabe ao legislador ordinário regular o processo Administrativo, não cabendo á Constituição faze-lo, e dessa forma, pode livremente estabelecer condicionamentos que não serão contrários aos direitos fundamentais. Fundamentando através de valores comunitários como a unidade de acção administrativa e a economia processual no Contencioso Administrativo.
Apesar de todos estes argumentos me parecerem bastante validos creio que é uma interpretação que não se poderá fazer visto que é a lei ordinária que tem que se interpretar de acordo com a Constituição e não é a Constituição que se tem que interpretar de acordo com a lei ordinária.
Esta tese que subscrevo sai reforçada com a previsão do art. 20º n.º1 da (C.R.P) conjugado com o art.51º,n.º1 do Código Processo dos Tribunais Administrativos (C.P.T.A). A disposição da Constituição garante a todos o direito de aceder aos tribunais, e o artigo do C.P.T.A postula que os administrados podem impugnar os actos administrativos externos cujo conteúdo seja capaz de violar direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.
Desta forma, aquando da revisão Constitucional que eliminou a referência definitivos e executórios, toda a estrutura legal que consubstanciava o recurso hierárquico necessário tornou supervenientemente inconstitucional.
O direito ao recurso contencioso directo é um direito fundamental de carácter análogo aos direitos liberdades e garantias, por isso a exigência de definitividade vertical do acto como pressuposto de recorribilidade contenciosa entra em choque com os direitos fundamentais que apenas podem ser restringidos em situações expressamente reguladas na Constituição.


4. Perspectiva Jurisprudencial

As soluções jurisprudenciais apesar da revisão constitucional de 1989, vão no sentido de advogar a constitucionalidade do recurso hierárquico necessário, baseando-se nas inegáveis vantagens que apresenta a figura. No acórdão do S.T.A de 17 de Novembro de 1994, o tribunal defende que o carácter lesivo do acto face a direitos ou interesses legalmente protegidos, não implicam a abertura de um recurso contencioso imediato, sendo admissível, o prévio esgotamento das vias graciosas, salvo situações em que esse esgotamento restrinja de forma incomportável o direito dos cidadãos ao recurso contencioso.
Apesar da posição jurisprudencial, defendo que, tendo em vista o actual quadro legal, creio que a figura do recurso hierárquico necessário tem de fazer parte apenas da história, existindo apenas o recurso hierárquico facultativo. Por tudo isto, as disposições constantes do (C.P.A) sobre o recurso hierárquico necessário devem ser consideradas como inconstitucionais e dessa forma devem ser eliminadas.
Já o C.P.T.A, por outro lado tenta não tomar partido nesta polémica, no entanto e seguindo a opinião do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, fá-lo de forma a deixar implicitamente que o recurso contencioso não tem como pressupostos um anterior recurso gracioso, tal como é disso exemplo o art. 51.º n.º1 do diploma citado anteriormente.


5. Conclusão

Numa perspectiva de conclusão creio ser por demais evidente a minha posição de defender a inconstitucionalidade do recurso hierárquico necessário. Na linha do Prof. Paulo Otero, entendo que os valores que presidem a manutenção desta figura decorrem do princípio hierárquico enquanto elemento estruturador da organização administrativa portuguesa. No entanto este principio não sai “beliscado” visto que ao superior hierárquico é sempre reconhecido um poder de intervenção “ex officio” na actividade do seu subalterno e também porque os particulares não se encontram impedidos de utilizarem o recurso gracioso, podendo faze-lo de forma cumulativa com o contencioso.
Creio que é imperativo interpretar a lei de acordo o objectivo do legislador. Fazendo este tipo de interpretações ab-rogantes torna irrelevante a revisão constitucional e o objectivo dessa reforma. Por conseguinte, citando o Prof. Paulo Otero, “Se o legislador pretendia deixar tudo na mesma quanto ao tipo de acto recorrível contenciosamente, porque motivo retirou a referência expressa à definitividade dos actos administrativos?” e também qual seria “ a utilidade pratica de tal alteração Constitucional”?


Bibliografia


Teses:

LANDIM, Luís Alberto Mendes, Recurso Hierárquico Necessário e a Reforma de 2002;

VASQUES, Sónia Afonso, Duas Implicações no CPTA


Monografias:

CAUPERS, João, Introdução ao Direito Administrativo, 8.ª Edição, Âncora Editora, Lisboa, Setembro de 2005;

FREITAS DO AMARAL, Diogo, CAUPERS, João, MARTINS CLARO, João, RAPOSO, João, GARCIA, Maria da Glória Dias, SIZA VIEIRA, Pedro, PEREIRA DA SILVA, Vasco, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro de 2006;

REBELO DE SOUSA, Marcelo, e SALGADO MATOS, André, Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa, Tomo III, 2.ª Edição, D. Quixote, Alfragide, Setembro de 2009.


Trabalho realizado por : André Goldschmidt Gonçalves, nº17693



Sem comentários:

Enviar um comentário