segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A EVOLUCAO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO PORTUGUÊS


        O Contencioso Administrativo "nasceu" com a Revolução Francesa em 1789. Mas, em Portugal, o modelo francês de justiça administrativa verificou-se apenas, corria o ano de 1832, através da célebre legislação de Mouzinho da Silveira que proibia os tribunais comuns de julgarem a administração. 
         Contudo, importa agora centrarmo-nos um pouco no que foi o "modelo francês" do Contencioso  Administrativo, em especial, e no que foi o Contencioso Administrativo, em geral.

         Ora, o Contencioso Administrativo instituído com a Revolução Francesa foi alvo de um "pecado original", ou seja, tal pecado é o da promiscuidade entre as tarefas de administrar e de julgar, uma vez que "a justiça administrativa nasceu dentro da Administração". Os tribunais judiciais estavam poibidos de interferir na esfera da Administração, determinando que os juízes não poderiam perturbar, seja de que maneira for , as operações dos corpos administrativos. A justificar tal proibição, os revolucionários franceses invocaram o princípio da separação de poderes. E, com base nesta ideia radical de separação de poderes, exige-se um contencioso administrativo especial para a actuação de direito público da Administração, subtraído à lógica própria dos tribunais judiciais e atribuído a tribunais administrativos. Estes não são, em regra, verdadeiros tribunais, mas órgãos administrativos independentes ou "quase-tribunais" embora actuando segundo um processo jurisdicionalizado. A figura do juiz não existia, o que existia era sim a figura do juiz-administrador.
        O Contencioso Administrativo foi criado para proteger os interesses e os direitos da Administração Pública, quando deveria ser para proteger os direitos dos particulares.

            Ao longo da História, o Contencioso Administrativo sofreu profunda alterações tanto de forma como de conteúdo.
           Assim, são de destacar três momentos decisivos e marcantes: o primeiro será o do seu nascimento (que se dá, como já vimos com a Revolução Francesa); o segundo será com o advento do Estado Social, no fim da I Grande Guerra Mundial, com a Grande Depressão dos 30 anos, período no qual se deu o " milagre" da jurisdicionalização do Contencioso Administartivo - ou "baptismo" tal como refere o Professor Vasco Pereira da Silva; o terceiro período, e o mais importante, surge com o Estado Pós Social após o fim do Estado Providência e vigora até aos dias de hoje. O que caracteriza este terceiro momento é o facto de deixar de haver a promiscuidade que existia até então entre a função de administrar e a função de julgar.
          Abandonou-se, então, o modelo de Contencioso de tipo objectivo para se instituir um Contencioso de tipo subjectivo. Este último muito mais preocupado com a tutela jurisdicional plena, efectiva e garantística dos direitos dos particulares perante a Administração no Estado Pós Social. O terceiro período, a que o ProfessorVasco Pereira da Silva apelida de "Fase do Crisma  ou Confirmação" do Contencioso Administrativo pode subdividir-se num primeiro momento na fase da constitucionalização do Contencioso e num segundo na fase da europeização do Contencioso Administrativo.
              Relativamente ao primeiro - a constitucionalização do Contencioso Administrativo, iniciado nos finais do séc. XIX, início do séc. XX - tal caracteriza-se pela consagração constitucional de um modelo de Contencioso realizado por verdadeiros tribunais e destinado a garantir uma protecção integral e efectiva aos direitos dos particulares. Assim, o modelo de Contencioso, pela "elevação" ao nível constitucional da Justiça Administrativa, passou a ser visto como algo que realmente existe.
            Relativamente ao segundo - a europeização do Contencioso Administrativo, iniciado nos finais do séc. XX, início do séc. XXI - de dizer que se tem vindo a intensificar nos tempos mais próximos, pelo surgimento de fontes europeias relevantes em matéria de Contencioso Administrativo, quer pela convergência crescente das legislações nacionais (potenciadas pela integração jurídica e pelo comparatismo entre sistemas). Com tudo isto, poderá falar-se num "Novo Processo Administrativo Europeu", tanto ao nível da União Europeia, como dos Estados-Membros.

               E quanto a Portugal, como tudo se passou?
              Tal como já foi brevemente referido, o Contencioso Administrativo foi introduzido em terras portuguesas pela "mão" de Mouzinho da Silveira, em 1832. A sua lei foi a primeira em Portugal que separou as funções administrativas das judiciais. Em Portugal adoptou- se o sistema francês, onde o princípio da separação de poderes conduziu à existência de tribunais administrativos privados. E é assim , na vigência da Constituição de 1911 que se dispõe que os órgãos de soberania são o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judicial independentes e harmónicos entre si.
               Já no período do Estado Novo vigorava em Portugal um modelo de Justiça Administrativa dependente da Administração Pública e com um contrato limitado e objectivo.

               A Constituição de 1976 marca uma viragem no Direito Administrativo, os tribunais administrativos passam a ser considerados verdadeiros tribunais. Tal Constituição insere-se, pois, no "movimento de constitucionalização do Contencioso Administrativo" que a partir dos anos 70 do séc. XX ocorre também nos demais países europeus.
Ou seja, a partir de 1976 houve uma plena jurisdicionalização dos Tribunais Administrativos.

              O Contencioso Administrativo foi alvo de algumas alterações. Tal sucedeu a primeira vez em 1982, onde se alterou o compromisso inicial ao nível da organização do poder político; em 1989, que alterou o pacto originário do domínio da Constituição Económica; em 1992, onde se estabeleceu a transição de um compromisso inicial mais "internacionalista" para um mais "europeísta"; em 1997, que consagrou um novo compromisso entre a democracia  representativa e directa através do alargamento da previsão do instituto do referendo; em 2001, que alterou o compromisso originário entre liberdade e segurança, passando de uma dimensão mais "liberatória " para uma mais "securitária"; e por último, a reforma de 2004 que vigora até aos nossos dias, onde se reformula o compromisso entre o Direito Constitucional  e Direito Europeu, num sentido mais favorável à integração europeia, ao mesmo tempo que altera também o equilíbrio entre Estado e Regiões Autónomas, num sentido mais favorável para estas.

             A partir de 1 de Janeiro de 2004, entrou em vigor e mantêm-se até hoje o Código do Processo nos Tribunais Administrativos (Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro) e o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ( Lei 13/2002, de 19 de Fevereiro).

           
             Em modo de conclusão, de salientar a extrema importância que teve o texto originário da Constituição de 1976 no Contencioso Administrativo Português, uma vez que o libertou do "pecado original" de ligação da Administração à Justiça, significando pois um verdadeiro "BAPTISMO".


                                       Mafalda Inês Melo Trindade, 19710




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